A floresta parecia mais densa naquela semana.
As árvores se inclinavam como se sussurrassem segredos antigos. O chão úmido sugava os passos, e o céu, sempre encoberto por nuvens espessas, mergulhava tudo em uma penumbra constante. O mundo de Luna agora era feito de cinza, verde musgo e o cheiro metálico do sangue impregnado nas raízes.
Depois da morte do policial Elias, algo se quebrou de vez dentro dela. E também dentro dele.
Ele estava mais silencioso. Passava longos períodos longe, caçando, vigiando. Quando voltava, seus olhos vinham carregados de lama e ira. Ela sabia o que ele fazia. Sabia que outros homens estavam desaparecendo.
— Estão atrás de você — disse Ele, certa noite, enquanto afiava a lâmina do machado sob a luz fraca da fogueira. — Não vão parar.
Luna não perguntou quem eram. Não queria saber. Os nomes não importavam. Nenhum deles sobreviveria.
Ele a olhou, olhos cravados como espinhos.
— Mas você tá segura. Comigo, você tá segura.
Ela tentou sorrir, mas seus lábios estavam secos. Tudo em volta dela parecia murchar, menos aquele homem — aquele predador. Ele florescia com a violência. Era como se a morte o alimentasse.
E, no fundo... ela começava a entender.
Certa manhã, Luna despertou com um som diferente.
Não eram os passos pesados de Ele. Nem o vento sacudindo folhas.
Era uma voz. Fraca. Chorosa.
Ela saiu do abrigo devagar, os pés descalços, coração batendo descompassado. Escondeu-se entre arbustos baixos e procurou a origem do som.
Foi quando viu.
Uma mulher. Magra, os cabelos desgrenhados, roupas de campanha. Estava amarrada a uma árvore, com os pulsos feridos e os olhos cheios de pavor.
— Socorro... por favor... tem alguém aí? — sussurrava.
Luna congelou.
A mulher a viu.
— Você... você é a menina... Luna?
Ela não respondeu.
— Eu sou policial. Meu nome é Juliana. A gente veio procurar você. Por favor, me ajuda... ele me pegou quando eu me afastei do grupo...
Os olhos de Luna se encheram de lágrimas.
A mulher parecia sincera. Assustada. Frágil.
Luna olhou ao redor. Ele não estava por perto.
Ela se aproximou, hesitante.
— Por favor — insistiu Juliana. — Me solta... a gente pode sair daqui juntas. Você não precisa viver assim.
As palavras bateram fundo.
Você não precisa viver assim.
Era verdade?
Luna ajoelhou e começou a soltar os nós da corda. As mãos tremiam.
Foi quando ouviu o estalo de um galho.
Ela virou a cabeça devagar. Sentiu o ar gelar.
Ele estava lá.
Imóvel. O machado na mão. A sombra cobrindo o rosto. Os olhos... vazios.
Luna tentou explicar. Mas não saiu som.
Ele olhou para a mulher, depois para Luna.
— Por quê?
Foi tudo que disse. A voz baixa, doída.
— Ela tava pedindo ajuda... — murmurou Luna.
— E você queria ir com ela?
Luna ficou em silêncio.
A mulher implorava:
— Por favor... não... não me mata...
Ele não respondeu. Só caminhou até Luna. Pegou-a pelo braço com firmeza, mas sem machucar.
— Vai pra cabana.
— Não... — ela tentou resistir. — Não faz isso...
— VAI! — gritou.
Ela recuou, chorando, e correu.
Atrás dela, o grito da mulher se perdeu no som do machado.
Naquela noite, Luna não comeu. Ficou encolhida no canto do abrigo, o corpo tremendo.
Ele chegou horas depois. As mãos e a roupa cobertas de sangue. Sem dizer palavra, sentou-se ao lado dela.
Por um tempo, só houve silêncio.
Então, ele falou.
— Eu achei que... que você entendia.
Ela olhou para ele, os olhos cheios de dor e raiva.
— Eu entendo. É por isso que dói.
Ele suspirou.
— Você vai me deixar?
Luna não respondeu.
— Não quero te prender — ele continuou. — Mas se você sair... eles vão te machucar. E eu não vou poder proteger você.
Ela sentiu o nó na garganta apertar.
— E se eu quiser proteger você?
Ele a olhou como se não entendesse. Como se ninguém nunca tivesse dito aquilo pra ele.
— Você... me proteger?
— Sim. Te proteger de você mesmo.
Ele ficou em silêncio. Depois encostou a testa na dela, os olhos fechados.
— Eu não sei ser diferente, Luna.
Ela também não sabia mais.
Nos dias seguintes, Luna começou a sonhar.
Sonhava que caminhava por uma floresta diferente. As árvores tinham olhos. O chão era feito de carne. E o céu chorava sangue.
Nesses sonhos, ela usava o machado. E sorria.
Acordava suando, o peito ofegante.
Estava se transformando. Sentia isso.
A cada pessoa que morria, a floresta parecia mais viva.
A cada sangue derramado, ela sentia menos culpa.
E a cada noite ao lado dele... mais segurança.
Mais pertencimento.
Na tarde do sétimo dia, ouviu-se um novo som.
Vários passos. Vozes.
Uma equipe.
Ele já sabia. Tinha preparado armadilhas ao redor. Mas dessa vez, não parecia ansioso. Nem irritado. Estava... calmo.
— Eles estão vindo pra te levar — disse a ela. — Você tem uma escolha, Luna.
Ela olhou para ele. Para o machado ao lado. Para a trilha escondida atrás do abrigo.
Tinha mesmo?
Ele se aproximou. Tocou seu rosto com cuidado.
— Se você quiser ir, eu deixo.
— E o que você vai fazer?
— Vou sumir. Como sempre fiz.
Luna sentiu uma dor aguda no peito.
A escolha estava ali. Escancarada.
Liberdade.
Ou Ele.
Mundo real.
Ou floresta.
Ela se levantou, respirou fundo, e caminhou até o som das vozes. Os arbustos se abriram. Homens armados apontaram suas armas.
— MENINA! DEITA NO CHÃO!
Ela levantou as mãos, os olhos ainda fixos no abrigo atrás dela.
— Estou desarmada.
— ONDE ELE ESTÁ?
Ela olhou para trás.
O abrigo... vazio.
Ele havia sumido.
Como sempre fez.
Horas depois, Luna foi levada para a cidade. Passou por exames. Psicólogos. Perguntas. Inúmeras perguntas.
Ela respondeu todas com calma. Como se estivesse ali... mas não inteiramente.
Sua irmã veio visitá-la. Abraçou-a com força.
Mas Luna sentiu que já não pertencia mais àquele mundo.
À noite, quando ficou sozinha no quarto do abrigo temporário, ela olhou pela janela.
E sussurrou para o escuro:
— Você vai voltar, não vai?
A floresta não respondeu.
Mas Luna sabia.
Ele sempre voltava.
E quando o fizesse... ela estaria pronta.
Talvez para fugir com ele.
Ou para se tornar algo pior.
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Atualizado até capítulo 51
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