O corpo do policial ainda estava lá, coberto por folhas e terra. A carne começava a se desfazer, o cheiro doce da decomposição impregnando o ar da floresta. Luna já não tapava mais o nariz. Já não virava o rosto. A morte, antes uma presença distante e apavorante, agora era parte da rotina. Como a chuva, como o vento, como Ele.
Depois daquilo, tudo mudou.
Ele ficou mais vigilante, mais próximo. Dormia ao lado dela agora, mesmo que ela não dormisse. Mantinha as armas limpas, afiadas. Caçava não só animais, mas ruídos. Qualquer som estranho, qualquer vulto que cruzasse o campo de visão — Ele sumia na mata como uma sombra viva. Sempre voltava sujo de sangue. Sempre com os olhos calmos quando a olhava.
— Estão vindo atrás de você. Eu sinto. — disse numa noite, enquanto Luna observava as estrelas através da abertura na copa das árvores.
— Por minha causa?
— Por nós dois. Eles querem te levar pra longe. Eles não entendem que você é minha.
Ela engoliu seco.
"Minha."
A palavra ecoava no peito dela como uma corda apertando.
Mas parte de si mesma não odiava aquilo.
Parte de si mesma... se sentia querida, pela primeira vez.
Naquela madrugada, Ele teve um pesadelo. Um raro momento de fragilidade. Gritava nomes que Luna não conhecia. Chorava — mas com raiva, não tristeza. Acordou ofegante, suado, com as mãos tremendo. Luna se aproximou, hesitante.
— Foi sua família? — ela perguntou, tocando o braço dele.
Ele a olhou como uma fera encurralada. Depois, abaixou a cabeça.
— Eles faziam eu ajoelhar sobre vidro quebrado se eu errasse a mira. Faziam minha irmã assistir enquanto me batiam com corrente. Quando chorei pela primeira vez... me deixaram trancado num porão por dias. Me alimentavam com comida de cachorro.
Silêncio.
Luna sentiu o estômago revirar.
Ele continuou.
— Aos 6 anos, meu presente de aniversário foi uma faca. Me mandaram matar um homem que devia dinheiro à família. Meu pai me levou até ele e disse: "Ou ele morre, ou você morre".
— E você...?
— Matei. Chorei por três dias. Depois nunca mais.
Ele se virou para ela.
— Até conhecer você. Você me faz lembrar que ainda sou humano.
Ela não respondeu. Apenas deitou ao lado dele, em silêncio. Os olhos fixos na escuridão acima.
Os dias seguintes foram cheios de tensão.
Ele começou a falar de planos. De irem mais fundo na floresta, onde ninguém jamais os encontraria. Um lugar onde o mundo não existiria, só os dois.
Mas Luna... ela começava a ter dúvidas.
O que aconteceria se um dia ela quisesse sair da floresta?
Se quisesse ver a irmã?
Se... quisesse dizer "não"?
Ela sabia a resposta. Via nos olhos dele. Amor e loucura viviam ali lado a lado, como dois lobos famintos.
Naquela noite, enquanto Ele dormia, Luna se levantou devagar e caminhou até o velho casaco do policial. No bolso, achou o rádio.
Apertei o botão. Uma estática chiou. Depois, uma voz.
— Unidade central, alguém na frequência?
Ela hesitou.
"Se eu falar, eles vêm. Se eu calar, fico pra sempre."
O som dele se mexendo atrás dela fez o sangue congelar.
Ela soltou o botão.
— O que você tá fazendo, Luna?
A voz dele soava calma.
Mas ela já sabia.
Calma era o tom que Ele usava antes de matar.
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Atualizado até capítulo 51
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