Capítulo 5 – Camadas em Colisão

O dia seguinte amanheceu cinzento, com uma chuva fina borrando os vidros da faculdade. Ayden caminhava pelos corredores com passos precisos, a pasta de couro protegida sob o braço, como se estivesse blindado contra o mundo. Mas por dentro, as palavras de Kai do dia anterior ainda ecoavam, como tinta espalhada demais para ser contida.

A sala do professor Seong estava mais vazia do que o normal, e ele aproveitou para rever os esboços antes da próxima sessão no ateliê. Até que ouviu passos vindo atrás de si, leves mas decididos. Não precisou olhar para saber quem era.

— Bom dia, princesa. Dormiu bem ou ficou pensando em mim a noite toda? — disse Kai, largando-se na cadeira ao lado com um sorriso preguiçoso.

— Dormi perfeitamente. Sua existência não tem tanto impacto quanto você gostaria de acreditar.

— Hm, então aquele traço tremido no canto do seu esboço foi o quê? Uma corrente de ar? — provocou, puxando o caderno de Ayden antes que ele pudesse impedir.

— Me devolve. Agora.

— Relaxa, príncipe. Isso aqui é bom. Intenso. Parece que você está começando a sentir algo além de raiva.

Ayden puxou o caderno com força, os olhos faiscando de frustração — ou seria outra coisa? — enquanto Kai apenas sorria, impassível.

O professor Seong entrou, interrompendo a tensão com um sorriso tranquilo.

— Bom ver que a dupla mais contrastante da turma continua... interagindo. Quero ver o que vão me mostrar hoje no ateliê. Algo me diz que será surpreendente.

Horas depois, já instalados no ateliê novamente, Kai surpreendeu Ayden ao chegar cedo — pela primeira vez. Tinha algo diferente em sua postura: ainda havia o desleixo, mas agora parecia calculado.

— Te peguei de surpresa, né? Aposto que pensou que eu ia me atrasar de novo.

— Uma exceção não muda o padrão. Mas... foi inesperado, admito.

Kai sorriu, se aproximando. Estava com uma nova tinta nas mãos, cor vibrante e ousada. Ayden observou curioso, mesmo contra a própria vontade.

— Nova paleta? — perguntou, tentando soar neutro.

— Comprei ontem. Pensei que esse tom... combinaria com você. Um azul frio com fundo violáceo. Como sua aura gelada com um toque de raiva.

Ayden desviou o olhar, mas suas bochechas ficaram levemente coradas.

— Você é impossível.

— E você é intrigante.

Trabalharam lado a lado, dessa vez em silêncio. Mas era um silêncio denso, cheio de palavras não ditas, olhares que duravam mais que o necessário. As mãos de Ayden estavam firmes, mas vez ou outra seus olhos iam parar nos lábios de Kai quando ele mordia a tampa do marcador distraidamente.

— O que foi? Vai dizer que eu tô fazendo errado só porque segurei o pincel com a esquerda? — perguntou Kai, com um sorriso torto.

— Não... só estou observando. — respondeu Ayden, com sinceridade inesperada.

Kai ergueu uma sobrancelha.

— Cuidado, Ayden. Você tá quase parecendo humano.

— E você, quase parecendo confiável.

Eles riram. Pela primeira vez, uma risada conjunta. Curta, mas real.

No fim da sessão, o mural começava a tomar forma. O contraste entre os estilos não brigava mais — dialogava. Como se suas almas, tão opostas, tivessem encontrado uma forma de coexistir na tela.

— Amanhã, mais cedo de novo? — perguntou Kai, já saindo.

Ayden hesitou por um segundo. Depois respondeu:

— Às oito. Não se atrase.

Kai sorriu de canto, jogando os sprays na mochila.

— Pode deixar, príncipe. Quando o assunto é você... até eu começo a levar a sério.

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