O ateliê da faculdade era amplo, com janelas altas que deixavam a luz natural escorrer pelo chão de cimento gasto. O cheiro de tinta, grafite e verniz se misturava no ar, impregnando os sentidos com criatividade crua. Era o ambiente perfeito para inspiração — ou para guerra.
Ayden chegou primeiro, como sempre. Já havia escolhido um canto bem iluminado e organizado cuidadosamente seus materiais em fileiras perfeitas: lápis separados por espessura, pincéis limpos, tintas dispostas em gradiente de cor. Cada detalhe refletia seu controle absoluto.
Quando Kai entrou, o caos seguiu com ele. Carregava uma mochila surrada, da qual puxou sprays, canetas coloridas, um caderno de rascunhos amassado e um copo térmico com cheiro forte de café. Tudo foi jogado sobre a bancada sem qualquer cerimônia.
— Organização é uma arte, sabia? — comentou Ayden, sem tirar os olhos do próprio caderno.
— E o caos é a origem de toda criação, não ouviu o professor Seong? — respondeu Kai, já abrindo um dos sprays e testando no papel.
— Caos sem direção é desperdício.
— E controle demais é prisão.
O clima entre eles era como eletricidade estática — pronta para virar faísca a qualquer segundo. Ainda assim, trabalharam. Entre trocas secas de ideias, olhares que se desviavam rápido demais e uma tensão constante que pairava como fumaça densa.
Ayden focava em linhas limpas, traços rígidos e simetria. Já Kai brincava com formas orgânicas, manchas vibrantes, cores inesperadas. Eles criavam extremos, mas juntos havia uma estranha harmonia.
— Isso está bom — disse Ayden, observando o início da parte de Kai no mural.
Kai sorriu, surpreso.
— Olha só. Um elogio? Vai chover?
Ayden bufou.
— Não se acostume. Só quis dizer que... funciona dentro da proposta.
— Você devia tentar elogiar mais. Faz bem pra pele.
— Eu prefiro resultados a vaidade.
Kai se aproximou, apoiando-se na beirada da mesa onde Ayden desenhava. Ficou observando em silêncio por alguns segundos, depois falou:
— Sabe, você desenha como se quisesse prender algo dentro da folha.
Ayden parou o traço, confuso.
— Como assim?
— Como se estivesse tentando manter tudo sob controle. Mas arte não é sobre conter. É sobre libertar.
Ayden não respondeu. Aquilo o atingiu de forma estranha. Ele voltou ao desenho com mais força nos traços, como se tentasse afastar o desconforto com firmeza.
Kai percebeu, e sorriu.
— Tocou em algo aí dentro, né? Vou descobrir o que é.
— Boa sorte com isso. — Ayden respondeu seco, mas a voz vacilou levemente.
No fim da tarde, enquanto Kai limpava os pincéis de forma descuidada e Ayden ajeitava os dele com precisão quase religiosa, houve um breve momento de silêncio confortável. Um intervalo entre provocações, onde o som da água e do sol declinando pelos vidros preenchia o espaço.
— Até amanhã, princesa de gelo — disse Kai, ao sair.
Ayden não respondeu. Mas, quando ficou sozinho, tocou com os dedos o espaço onde Kai esteve encostado na mesa.
Talvez ele estivesse mesmo começando a rachar. Só um pouco.
E Kai... parecia saber exatamente onde bater.
.
(Continua no próximo capítulo) ...já coloque na sua lista ,e aguarde o próximo capítulo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 50
Comments