Silas caminhava com passos calculados ao lado de Tuly pelos corredores do salão. Ambos mantinham o silêncio enquanto os criados e guardas se dispersavam. A comitiva de Valerun já estava instalada para o banquete.
— Ele quer alguma coisa — disse Silas, sem virar o rosto.
— Quer tudo — respondeu Tuly, olhando à frente.
Silas olhou de canto para ela.
— Sempre foi tão direta?
— Apenas com quem precisa ouvir.
Silas não disfarçou um sorriso. Mas o tom dele voltou a ser sério.
— O que viu?
— Três membros da comitiva estão armados. Não com adagas — com agulhas de veneno. Um dos presentes do Duque também foi adulterado. E ele tem cartas escondidas. Políticas e... pessoais.
Silas parou.
— Por que você não disse isso na frente dele?
Tuly o encarou com uma expressão serena.
— Porque o lobo só morde quando sente vantagem. E o cordeiro, às vezes, é só uma máscara.
O silêncio entre os dois ficou denso. Silas respirou fundo.
— E o que sugere que façamos?
— Deixe-o avançar. Mostre-se receptivo. Quando ele escorregar… morda.
Silas sorriu com mais intensidade dessa vez.
— Você é bem mais perigosa do que parece.
— Sou só uma aprendiz.
— Não por muito tempo.
Durante o jantar, o Duque parecia confiante. Jogava palavras como quem joga dados. Falava de acordos comerciais, sugeria uma união com um ramo nobre de Valerun para "fortalecer a imagem" de Silas, e insinuava que o herdeiro da coroa estava "muito distante" das preocupações reais.
Silas ouviu tudo. Bebeu calmamente. Sorriu educadamente. E quando a taça do Duque foi servida com o vinho adulterado — que, graças ao aviso de Tuly, fora trocado sem que percebessem —, o Duque percebeu. Seu sorriso vacilou.
Silas inclinou a cabeça, teatralmente.
— Está tudo certo, excelência?
— Claro. Apenas… calor demais nesse salão.
Tuly permaneceu imóvel, observando tudo. Seus olhos estavam afiados como lâminas.
Depois do jantar, no caminho de volta aos aposentos:
— Ele notou — disse Silas.
— Era a intenção — respondeu Tuly. — Agora ele sabe que está sendo observado.
— E vai cometer erros.
— Se tiver pressa.
— E se não tiver?
Tuly o olhou de lado.
— Todo tolo se acha inteligente o bastante para se mover sem ser visto.
Silas assentiu, mais sério do que nunca.
— Então vamos observá-lo até que tropece na própria teia.
Terraço Real – Após o jantar
O céu noturno se espalhava como um manto estrelado sobre o castelo. A brisa leve fazia as tochas dançarem enquanto Silas se encostava no parapeito, os olhos voltados para o jardim onde Tuly havia desaparecido há poucos instantes.
Auren aproximou-se em silêncio, observando o irmão mais novo por alguns segundos antes de quebrar o silêncio:
— Gostou da sua nova sombra?
Silas deu um leve sorriso, sem desviar o olhar.
— Não é como eu esperava… Ela não fala muito, não se impõe, mas tem algo diferente no jeito que me olha. Como se estivesse avaliando tudo.
Auren cruzou os braços, encostando-se também.
— Isso é típico da casa DogSword. Mas a Tuly… ela é mais afiada do que parece.
— Ela me alertou sobre o Duque. Disse poucas palavras, mas... foram certeiras.
— E você acredita nela?
Silas olhou o irmão pela primeira vez.
— Eu confio no instinto dela. Mas não disse nada ao Duque… ainda.
Auren assentiu com um sorriso contido.
— Está aprendendo. Às vezes, deixar o jogo rolar é mais eficaz do que impedir a jogada.
— É o que você sempre diz — Silas replicou. — Mas confesso que... me surpreende como ela entende esse jogo tão cedo.
— Ela foi moldada para isso. E tem um bom exemplo em casa — Auren apontou com o queixo. — Ivan é a sombra ideal. Implacável, calculista, leal. Ela vai seguir o mesmo caminho.
Silas ficou em silêncio por um momento antes de murmurar:
— Ela tem algo… que pode até superar Ivan um dia. Mas não vou dizer isso em voz alta. Ele é meio competitivo.
Auren riu baixo, relaxando os ombros.
— Apenas tome cuidado, Silas. Gente como Tuly precisa ser cultivada com sabedoria. Se confiar nela cedo demais… pode perder. Se desconfiar demais… também.
— Eu sei. Mas por algum motivo… não quero deixá-la longe.
— Hm… cuidado com isso também, irmão — disse Auren, lançando-lhe um olhar sugestivo. — Sombra é sombra. Não se esqueça disso.
Silas sorriu, com um brilho curioso no olhar.
— Veremos.
Corredores internos do castelo – mais tarde naquela noite
Silas caminhava calmamente pelos corredores de pedra iluminados por tochas, com as mãos às costas, perdido em pensamentos. Quando virou a esquina, deparou-se com Tuly, que parecia já estar à espera.
— Espionando de novo? — ele disse, com um meio sorriso, parando à sua frente.
Tuly manteve a postura firme, o olhar sério.
— Apenas cumprindo meu dever.
— E o que descobriu, minha sombra silenciosa?
Ela se aproximou, baixando a voz.
— O Duque enviou uma mensagem a Valerun… Ele pediu para que adiem a chegada da comitiva. Disse que o “novo anfitrião” ainda está despreparado.
Silas arqueou uma sobrancelha.
— Está tentando me descredibilizar.
— Ou pior. Testar sua reação… para ver se você se rende ou reage com impulsividade.
— E o que acha que devo fazer? — ele perguntou, curioso com a resposta dela.
Tuly hesitou por um breve segundo, depois respondeu:
— Nada. Ainda.
— Está me dando ordens agora?
— Apenas sugestões — disse ela, olhando nos olhos dele. — Afinal, o jogo está apenas começando, Alteza.
Silas riu, curto e surpreso.
— Você realmente não é o que aparenta, Tuly DogSword.
Ela se curvou levemente, recuando um passo.
— E vossa alteza também não.
Enquanto ela se virava para sair, Silas a observava, mais intrigado do que nunca. Quando ela já estava a alguns metros, ele falou:
— Tuly.
Ela parou, virando o rosto por sobre o ombro.
— Gosto de quando você fala. Deveria fazer isso mais vezes.
— Só quando for necessário, Alteza.
E sumiu na escuridão do corredor, como uma sombra treinada para se esconder até que fosse hora de agir.
Quarto silencioso na ala leste da mansão DogSword – mesma noite
Tuly sentava-se diante da janela entreaberta, sentindo o vento frio da noite tocar seu rosto. Mesmo em silêncio, sua mente era um turbilhão.
"Silas não é como pensei."
Ela apoiou o queixo sobre os joelhos, enrolada no manto de treino.
"Ele fala pouco, mas ouve com atenção. Reage com frieza, mas está sempre medindo tudo. Isso é força? Ou uma forma de se esconder do mundo?"
Desde o primeiro reencontro no salão de chá, ela sabia que sua missão não seria simples. Cuidar de um príncipe que o mundo inteiro subestimava era mais perigoso do que proteger um herdeiro preparado.
"Auren é luz. Silas... é penumbra. Um território cinza que poucos entendem."
Tuly fechou os olhos, lembrando-se da conversa no corredor.
— "Você realmente não é o que aparenta, Tuly DogSword."
Essas palavras ainda ecoavam em sua mente. Ele a via. Não como a filha caçula da casa DogSword. Nem como um simples instrumento de vigilância. Mas como... algo mais?
Ela se levantou, caminhando até o espelho. Sua imagem devolvia a de uma jovem prestes a se tornar mulher, com olhos mais atentos e expressão mais madura do que no dia em que iniciou o treinamento. Ainda assim, algo ali a incomodava.
"Me tornei a sombra. Mas será que ele me deixará ser luz ao lado dele, se for preciso?"
O toque leve na porta interrompeu seus pensamentos.
— Senhorita Tuly, o Duque está retornando ao castelo amanhã. Seu irmão deixou um recado: mantenha os olhos abertos.
Ela assentiu, mais para si do que para o mensageiro.
— Estou sempre atenta.
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Atualizado até capítulo 72
Comments
William
Não consigo parar de ler! Amei cada palavra! ❤️
2025-04-20
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