Os sinos da mansão DogSword ecoaram ao amanhecer.
Era o último dia do treinamento de Tuly.
Vestida com o traje cerimonial de treino, o mesmo que usava desde o início, ela se posicionou no centro do salão sagrado da família. Ao seu redor, os mestres de Ki, Mana e Áurea aguardavam. Havia uma solenidade no ar, mas nenhum exagero — tudo era feito com disciplina e sobriedade, como manda a tradição dos DogSword.
Um a um, os mestres se posicionaram à frente dela, e seus símbolos foram gravados magicamente sobre o bracelete de prata que Tuly usava no pulso esquerdo — um artefato que apenas os membros ativos da Ordem das Sombras carregavam.
O irmão mais velho assistia do alto, observando sem interferir. Quando o último símbolo foi marcado, ele desceu os degraus silenciosamente e parou diante dela.
— Três anos se passaram, irmãzinha. — Sua voz era baixa, mas carregada de orgulho. — Você sobreviveu a todos os testes. Dominou três pilares e jamais quebrou o voto de silêncio sobre sua condição. Está pronta.
— Ainda não me sinto tão forte quanto você — respondeu ela com sinceridade.
Ele sorriu.
— Isso é bom. A humildade é o que te tornará ainda mais forte do que eu um dia… mas lembre-se: não precisa provar isso para ninguém. Não agora.
Ela respirou fundo.
No salão, o Patriarca da família DogSword, pai de ambos, entrou com passos pesados e presença imponente. Ele parou ao lado do irmão mais velho e olhou para Tuly.
— Está decidido. No próximo ciclo lunar, você será oficialmente designada como a sombra do segundo príncipe.
Os olhos de Tuly se arregalaram levemente, mas ela controlou a reação. Sabia que esse era o caminho desde o começo… mas ouvir aquilo em voz alta ainda fazia seu coração acelerar.
— Os nobres não saberão de sua identidade. Fora daqui, será apenas uma acompanhante de confiança, talvez uma dama, talvez uma criada... conforme a situação exigir. Mas dentro dessas paredes, você será reconhecida como parte da elite da nossa casa.
O bracelete em seu pulso brilhou suavemente. O selo estava completo. Ela se ajoelhou, como manda o ritual, e declarou:
— Serei olhos na escuridão, mãos no invisível, escudo no silêncio. Que o nome DogSword nunca seja manchado por minhas ações.
Seu pai apenas assentiu.
— Que assim seja.
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O segundo príncipe passava os olhos por uma lista de novas atribuições. Um nome o chamou atenção — "Tuly DogSword", designada como nova acompanhante pessoal por recomendação da Ordem das Sombras.
Ele arqueou a sobrancelha.
— Tuly...? — murmurou, e um sorriso sutil cruzou seu rosto. — Interessante…
O salão de chá dos convidados reais estava mais silencioso do que o habitual.
Era um ambiente refinado, usado para reuniões discretas, onde a política e o protocolo podiam se disfarçar de conversa casual. Naquele dia, poucos sabiam que algo importante estava acontecendo ali. Apenas os olhos atentos do rei, do general-chefe e de alguns membros do círculo de confiança perceberiam a troca de cadeiras e as presenças calculadas.
Tuly entrou como se fosse apenas mais uma jovem de nobre linhagem. Vestia um traje azul-acinzentado simples, sem brasões de família, sem joias — nada que chamasse atenção. Seus cabelos estavam presos num coque elegante, e sua expressão era calma, treinada para esconder qualquer traço de ansiedade.
Ao lado dela, o irmão mais velho a escoltava como se estivesse apenas apresentando uma nova auxiliar à corte.
O segundo príncipe, já presente à mesa, tomou um gole de chá antes de erguer os olhos para a recém-chegada. Ao vê-la, seu olhar se prendeu por um breve instante, quase imperceptível. Ela estava diferente — mais alta, mais madura, com uma aura de contenção que só anos de disciplina poderiam moldar.
Mas havia algo nos olhos dela que o fez lembrar daquele dia no jardim… e do olhar curioso que ela lançou a ele.
Ele sorriu, apenas com o canto dos lábios.
— Seja bem-vinda à corte. E seu nome é…?
Ela se curvou com perfeição.
— Tuly. Estou à disposição de Vossa Alteza como auxiliar de confiança.
(Nada foi dito sobre sua função verdadeira, nem mesmo ao príncipe.)
— Tuly… — repetiu ele, fingindo não reconhecer o nome. — Espero que aprecie o ritmo daqui. A vida no castelo pode ser… imprevisível.
— Estou pronta para me adaptar.
O irmão de Tuly observava tudo à distância, atento. Ele conhecia bem o príncipe. Sabia que aquele tom casual escondia teste, análise, talvez até provocação. Mas sua irmã manteve o controle, e isso lhe causou um leve orgulho no peito.
Após a cerimônia, enquanto saíam pelos corredores do palácio, o príncipe observou a figura de Tuly caminhando à frente.
— Interessante mesmo… — murmurou novamente.
E pela primeira vez em muito tempo, ele sentiu verdadeira curiosidade por alguém que não era parte do jogo político… mas que, ele sabia, escondia muito mais do que deixava transparecer.
Enquanto Tuly caminhava ao lado do segundo príncipe pelos corredores internos do castelo, ela mantinha a postura impecável. Seu olhar era atento, mas nunca curioso demais. A distância entre eles era medida, os passos sincronizados. Silas a olhava de relance, intrigado com a mudança naquela garotinha do jardim. Agora, ela era uma figura serena, mas com um foco que incomodava — como uma lâmina embainhada à espera do comando.
Ao mesmo tempo, no salão reservado aos estrategistas da coroa, o príncipe herdeiro repousava no divã, os dedos tamborilando sobre o apoio do braço. Ivan permanecia ao seu lado, com a expressão de sempre — atento, contido.
— Acha que eles vão se dar bem, Ivan?
Ivan considerou por um instante antes de responder.
— Creio que será um grande desafio para ambos, Alteza. Mas se sairão bem. Tuly foi treinada para compreender mais do que palavras. E o príncipe… bem, Silas sempre gostou de se esconder atrás de impulsos. Vai ser interessante ver isso mudar.
O príncipe herdeiro arqueou a sobrancelha, um sorrisinho no canto dos lábios.
— O que acha de jogos, Ivan?
— Depende muito de quem são os adversários. Pode ser um pouco entediante se não forem dignos.
— Tem razão. Diga a todos que estamos de saída. Silas ficará para receber a comitiva de Valerun dessa vez. Quero ver como ele lida com pressão e bajulação ao mesmo tempo.
Ivan apenas assentiu.
— Como quiser, Alteza.
Enquanto a sala se esvaziava, o príncipe herdeiro se levantou, ajeitando as mangas com leveza.
— O mundo real não ensina com palavras doces. Que ele aprenda o peso do trono… mesmo que só esteja vendo o reflexo dele por enquanto.
O salão de recepção estava impecável. Cortinas de tecido pesado foram trocadas por drapeados leves, a bandeira de Valerun tremulava ao lado do estandarte real, e a mesa longa estava arrumada com os símbolos tradicionais de hospitalidade: vinho do sul, frutas raras e pães artesanais recém-assados.
Silas observava tudo com o cenho levemente franzido. Ao seu lado, Tuly permanecia em silêncio absoluto — vestida com trajes cerimoniais simples, o brasão da Casa DogSword bordado em prata discreta na altura do peito.
— Você não fala muito — comentou Silas, sem desviar os olhos da porta principal.
— Falo quando necessário — respondeu ela, serena, mas firme.
Silas lançou um olhar curioso, com um meio sorriso no canto da boca.
— É... definitivamente não é mais a garotinha do jardim.
O som dos cascos ecoando no pátio anunciou a chegada da comitiva. Um grupo de nobres altos e imponentes, vestidos em tons azul-escuros e dourados, adentrou o salão com formalidade ensaiada. À frente deles, o Duque de Valerun, um homem de meia-idade com olhos calculistas, saudou Silas com um cumprimento exagerado.
— Alteza. É uma honra ver o herdeiro da segunda linha real nos receber pessoalmente. Esperávamos seu irmão.
Silas sustentou o olhar, sem demonstrar incômodo.
— Meu irmão acredita que é importante aprender com a prática, Duque. E acredito que hoje ambos teremos a chance de aprender algo.
O Duque sorriu com o canto dos lábios, mas era impossível não perceber a provocação em seu tom. Tuly, posicionada meio passo atrás de Silas, não desviou o olhar. Seus olhos percorriam rostos, gestos, trocas sutis de olhares entre os membros da comitiva. Seu irmão mais velho a ensinara: a verdadeira batalha começa com palavras e termina com intenções reveladas.
Quando as negociações começaram, Tuly manteve-se atenta a tudo. O Duque testava Silas com frases ambíguas, pequenas armadilhas verbais e comparações veladas ao príncipe herdeiro. Silas, por sua vez, respondia com uma mistura de ousadia e prudência, ainda aprendendo a medir o próprio tom.
Após uma pausa, quando todos estavam servidos à mesa, o Duque ergueu sua taça.
— Confio que a juventude de Vossa Alteza não o impeça de reconhecer quando uma proposta é… vantajosa.
Silas sorriu, mas foi Tuly quem se aproximou e sussurrou algo em seu ouvido. O príncipe endireitou-se.
— Vantajosa é uma palavra traiçoeira, Duque. Às vezes, o que parece vantajoso agora tem um custo elevado depois. — Ele pausou e olhou para o homem à frente. — Mas agradeço sua franqueza. E sua confiança… é anotada.
O silêncio que se seguiu foi pesado — mas Silas o sustentou com firmeza.
Do alto do salão, observando discretamente por trás de uma cortina, o príncipe herdeiro sorria.
— Começou a enxergar, irmão.
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Atualizado até capítulo 72
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