Na Casa DogSword, as manhãs começavam cedo. O som das espadas ecoava pelo pátio interno como música de rotina. Tuly já havia terminado a prática do dia: equilíbrio, observação e silêncio. Coisas que uma sombra precisava dominar desde cedo.
Mas ao contrário de muitos treinamentos rígidos, sua casa era um refúgio de carinho. O pai a observava com olhos atentos, sempre pronto para corrigir sua postura, mas também o primeiro a lhe oferecer um sorriso e um pedaço de pão com mel no fim do treino. A mãe, firme e sábia, jamais a deixava esquecer que por trás de uma boa sombra existia um coração leal e um olhar atento.
> Naquele dia, no entanto, a espada de madeira foi deixada de lado.
Tuly vestia um vestido azul escuro com detalhes prateados, escolhido por sua mãe para a visita ao castelo. Livi, sua tutora e acompanhante, ajeitava os últimos detalhes antes da partida.
— Lembre-se do que dissemos sobre se comportar — disse Livi, segurando seu olhar com firmeza. — Mas não precisa ter medo. Você só vai conhecer o lugar onde irá treinar no futuro.
— Eu não estou com medo — respondeu Tuly, endireitando a postura. — Só... curiosa.
A carruagem partiu ainda de manhã, cruzando campos abertos e estradas que serpenteavam até os muros da capital. Durante o caminho, Tuly observava tudo pela janelinha: vendedores apressados, crianças correndo, bandeiras tremulando no alto das torres. O mundo parecia grande, mas ela não se encolhia diante dele.
Quando chegaram aos portões do castelo, um grupo de guardas as recebeu. Um deles, gentil, abriu a porta da carruagem e ajudou Livi a descer. Tuly desceu sozinha, o que não passou despercebido.
— Ela é assim mesmo? — cochichou o guarda, divertido.
— Muito mais do que parece — respondeu Livi com um sorrisinho.
O interior do castelo era feito de mármore claro e colunas decoradas com vitrais mágicos. Cada passo parecia ecoar um pouco alto demais. Tuly caminhava com a confiança que aprendera em casa — mesmo que os olhos arregalados de encantamento a traíssem um pouco.
Enquanto Livi conversava com os atendentes sobre horários e permissões de circulação, Tuly se afastou discretamente, atraída por uma porta antiga entreaberta, escondida por uma tapeçaria azul.
> O corredor atrás da tapeçaria era estreito e frio, levando até um jardim oculto. Um lugar diferente do restante do castelo, como se guardasse segredos de outras eras.
As folhas das árvores brilhavam como prata sob a luz mágica. Havia uma fonte no centro, e sobre ela, um garoto tentava equilibrar uma maçã na cabeça enquanto arremessava uma adaga.
Tuly observou em silêncio, até que a maçã caiu com um “ploc” nada gracioso.
— Se continuar com os olhos fechados, só vai acertar o próprio pé — disse ela, séria.
O garoto girou nos calcanhares. Os cabelos loiros reluziam como ouro sob o sol filtrado pelas árvores. Os olhos dourados a fitaram com um misto de surpresa e... interesse.
— Você me seguiu?
— Você deixou a porta aberta.
— E você entrou?
Tuly deu de ombros.
— Não achei nenhum aviso escrito “Príncipe Mal-Humorado em Treinamento”.
Ele soltou uma risada baixa.
— Você é atrevida. Gosto disso.
— E você erra feio com adagas.
Tuly se divertiu pela primeira vez com alguém que não havia como uma Sombra e isso a encheu de alegria, por dentro se sentiu privilegiada de ser escolhida para se tornar a sombra do segundo príncipe.
---
Após o encontro inesperado com o segundo príncipe, algo mudou dentro de Tuly.
Ela ainda era uma criança, mas os olhos que antes viam os nobres como figuras distantes e intocáveis agora se prendiam a um rosto específico, uma risada sincera, um olhar curioso.
Silas. Ele era diferente — não apenas por ser príncipe, mas pela maneira como a enxergou… como se já soubesse que ela era mais do que parecia.
De volta à mansão DogSword, Tuly não falou muito sobre o castelo. Mas, entre um treino físico e outro, entre livros de estratégia e lições de diplomacia, a pergunta permanecia em sua mente:
“Quem ele vai se tornar?”
Naquela noite, após o jantar, encontrou seu irmão mais velho no salão de espadas, afiando uma lâmina enquanto ouvia música baixa vinda de uma caixa mágica. Ele era a sombra do príncipe herdeiro, o orgulho da família, e ainda assim sorria ao vê-la entrar, como se não houvesse hierarquia entre eles.
— Irmão… — ela começou, sentando-se ao lado dele. — Quando você foi escolhido para ser a sombra do príncipe herdeiro… ficou com medo?
Ele soltou uma risada breve, surpreso pela pergunta, e pousou a lâmina com cuidado.
— Medo? — repetiu. — Fiquei apavorado. Achei que ia falhar, que não seria bom o bastante.
Tuly o olhou com espanto.
— Mas você é o prodígio da família. Todos dizem que você nasceu com o dom das sombras.
— Isso não impede ninguém de tremer por dentro — respondeu ele, com um olhar gentil. — Mas sabe… quando vi o olhar do príncipe, percebi que ele também tinha medo. Foi aí que entendi que meu papel não era só protegê-lo… mas caminhar com ele, mesmo nas sombras.
Tuly ficou em silêncio por alguns instantes, absorvendo cada palavra.
— Um dia quero ser como você.
Ele sorriu, tocando levemente os cabelos dela.
— Você vai ser ainda melhor, Tuly. Eu vejo isso em você.
Ela assentiu, tentando conter o sorriso, mas seu estômago entregou o que viria a seguir com um leve ronco.
— Hm… nossos irmãos já devem ter comido todos os doces — ele comentou, se levantando com um falso ar de indignação.
— O quê?! A mamãe fez aqueles de mel e frutas vermelhas!
— Bora lá antes que não sobre nem farelo — disse ele, estendendo a mão.
Ela segurou firme. E os dois sumiram pelos corredores da mansão, como duas sombras leves e cúmplices.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 72
Comments
Tachibana Daisuke
Não consigo parar de pensar nesse livro! 🤩
2025-04-19
0