O corredor estava longe de estar vazio. Ainda era intervalo, e alunos cruzavam de um lado pro outro com barulho de latinhas abrindo, risadas altas e batidas de tênis ecoando nos azulejos. Mesmo assim, a gente andava lado a lado como se fosse só mais um dia. Mas eu percebia. Os olhares. As risadinhas. As meninas do terceiro B cochichando enquanto passavam por mim e olhavam pra ela. Um grupo de meninos jogando piadinhas baixas no ar.
E ela? Agia como se nada disso existisse.
Firme. Silenciosa. Uma muralha de gelo que ninguém ousava atravessar. Ninguém, menos eu.
A gente ainda não tinha voltado pra sala. A primeira aula tinha sido cancelada por causa de uma reunião de professores. Então dava pra esticar um pouco mais essa conversa. Mas não rolou muito tempo.
Do nada, Eduardo apareceu. Como uma tempestade. E já foi direto me puxando pelo braço, com aquele sorriso largo de sempre.
— Licença, Joyce. Eu e o senhor Lorenzo precisamos discutir assuntos de extrema importância... tipo, salvar o mundo ou decidir o cardápio do apocalipse.
Ela ergueu uma sobrancelha, confusa, mas nem tentou impedir. Só se afastou, enfiando as mãos nos bolsos e indo pra direção da escada do pátio.
Eduardo me arrastou até uma sala de apoio vazia. Provavelmente onde os professores faziam correção de prova. Estava meio escuro, com as persianas abaixadas. A luz de fora entrava só pelas frestas, criando um padrão listrado no chão de cerâmica. Ele fechou a porta com um baque leve e se encostou nela, cruzando os braços com um sorrisinho canalha no rosto.
— Irmão... me explica o que foi aquilo.
— Aquilo o quê?
— Aquilo! — Ele abriu os braços. — Tu passou o intervalo inteiro com a garota que não responde nem bom dia pro porteiro. Eu achei que se alguém ficasse a menos de dois metros dela pegava sarna. Mas tu? Tu conseguiu conversar com ela. Fazer ela sorrir! Eu vi, mano. Eu vi.
Eu dei um sorriso torto, encostando na mesa.
— Foi só conversa. A gente gosta dos mesmos livros.
— Conversa, meu ovo. — Ele riu. — Isso é ouro! Tu não tá entendendo o potencial dessa situação.
— Qual é, Eduardo...
— Não, me escuta. Aposta nova.
— De novo essa porra?
— Relaxa, vai ser divertido. — Ele se aproximou, colocando as mãos nos bolsos. — Já que tu conseguiu quebrar o gelo, que tal subir a parada?
Cruzei os braços. Sabia que vinha merda.
— Vai.
— Quero que ela se apaixone por você.
Ri seco.
— Tu enlouqueceu.
— Sério. Apaixonada mesmo. Olharzinho bobo, coração acelerado, essas coisas de novela. E não para por aí — ele continuou, inclinando-se como se fosse contar um segredo sujo. — Antes do fim do ano... quero que vocês transem. Sem enrolação.
— Tu tá zoando.
— Não tô. — Ele ergueu as mãos como quem jura inocência. — Se tu conseguir, eu... sei lá, vou vestido de Teletubbie no palco da formatura. Danço a coreografia de “As Meninas Superpoderosas” no encerramento do colégio. Pode filmar, pode jogar na internet. Eu não ligo.
Arqueei a sobrancelha, rindo com descrença.
— E se eu não conseguir?
— Aí tu vai ter que subir no palco e declarar, em voz alta, que Joyce partiu teu coração. Com direito a serenata cafona e tudo. De preferência com uma rosa na boca.
Suspirei, passando a mão pelos cabelos.
— Isso é babaca, Eduardo.
— É genial. Tu sempre gostou de um desafio. Não me vem com moralismo agora. Tu começou esse jogo.
Eu encarei a janela. A luz filtrada formava riscos dourados nas paredes.
A verdade é que sim... eu comecei. Mas também era verdade que alguma coisa nela já tava me puxando pra esse abismo antes mesmo da primeira aposta.
— E aí? Vai correr?
Engoli em seco. Algo lá dentro me dizia que isso era errado. Que brincar com os sentimentos de alguém não era um jogo.
Mas tinha orgulho demais no meio.
E o problema era... eu já tava envolvido. Desde os olhos lilases, desde o jeito que ela falava do Azriel, desde o sorriso que ela tentou esconder quando me devolveu os óculos.
— Tá bom — falei baixo. — Até o fim do ano.
— Isso! — Eduardo deu um soquinho no ar. — Quero ver esse coraçãozinho de gelo derretendo por você. Missão seduzir: ativada.
Eu me afastei dele, sem sorrir.
— Isso não é sobre ela — sussurrei. — É sobre eu não perder. Só isso.
Eduardo não percebeu o tom. Só deu risada e me seguiu pelo corredor, ainda fazendo piada.
Mas eu sabia.
Sabia que já tinha ido longe demais. E o pior? Nem tinha começado ainda.
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Atualizado até capítulo 24
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