O sinal do intervalo tocou e eu nem me mexi da cadeira. O caderno aberto à minha frente estava em branco fazia pelo menos vinte minutos, e eu fingia que estava anotando qualquer coisa só pra evitar conversa fiada. Até que escutei a voz do Eduardo antes mesmo de vê-lo.
— Olha só quem voltou da caverna — ele disse, entrando na sala com aquele sorriso de quem nunca tem um pensamento que presta.
E ela vinha atrás dele. A menina nova. A Joyce. Quietinha, com o olhar que parecia atravessar todo mundo e não ver ninguém. Ela entrou e foi direto pro canto, do mesmo jeito de sempre, como se o resto do mundo não fosse digno de atenção.
Eduardo sentou do meu lado, ainda rindo da própria piada, e cutucou meu braço com o cotovelo.
— Tu viu o jeito que ela olha? É tipo... “fala comigo e eu te mato.” — Ele riu. — Mas confessa aí, tu não acha ela bonita?
Revirei os olhos, mas não consegui impedir meu olhar de escorregar até ela, ali no canto, já tirando o livro da mochila. Não era só bonita. Era diferente. Aquele tipo de presença que parece ocupar o ambiente sem esforço.
— Deixa de besteira, cara — falei, tentando parecer indiferente.
— Ah, qual é, tu nunca resistiu a um desafio. E essa aí é um desafio e meio. Aposto contigo — ele disse, se virando de lado, agora me olhando com aquele sorriso safado. — Tu não consegue fazer ela sorrir. Até o final da semana.
Eu bufei.
— Tu é idiota, Eduardo.
— Vai correr? — ele provocou, como sempre fazia. — Vai fugir, Lorenzinho?
Ele sabia como me irritar. E pior: sabia como me pegar. Eu não podia — não ia — perder pra ele. Não quando ele estava tão convencido.
— Beleza — respondi, seco. — E se eu fizer ela sorrir?
— Eu pago o lanche da cantina por uma semana. Com direito a coxinha e refrigerante. Agora... se tu perder, tu vai de cosplay de fada no festival literário da escola. Com asa e tudo.
Arqueei uma sobrancelha.
— Isso é tão infantil.
— Mas tu topou.
Eu devia ter dito não. Devia mesmo. Mas eu já tava dentro. E ela, ali no canto, parecia tão inalcançável que eu pensei: "vai ser só uma brincadeira. Ela vai rir, eu ganho a aposta, e pronto." Nada demais. Só um jogo. E eu nunca perco um jogo.
Quando o sinal do fim do intervalo tocou, eu já tinha um plano simples. E o primeiro passo ia começar na biblioteca. Um lugar silencioso, neutro... e onde ela costumava desaparecer.
A biblioteca era fria e quieta como sempre. Eu entrei devagar, como quem não quer nada, mas por dentro já tava com o coração batendo um pouco mais rápido. Eu não sabia por que, talvez porque fazia tempo que eu não jogava com alguém que realmente me interessava um pouco mais do que o normal.
E lá estava ela. Sentada no chão entre duas estantes, com um livro aberto no colo, completamente alheia ao mundo.
Me aproximei sem fazer barulho. Me apoiei na estante ao lado e disse com um meio sorriso:
— Eu tava te procurando. Onde é que você se esconde no intervalo?
Ela piscou uma vez, me encarando com calma antes de responder:
— A escola toda sabe. Ou eu tô no banheiro ou na biblioteca, não é segredo pra ninguém.
A voz dela saiu um pouco ríspida. Eu percebi. Mas não recuei. Pelo contrário, foi aí que eu notei o livro nas mãos dela. E não era qualquer livro.
— Eu não acredito — falei, já sorrindo de lado. — Você gosta de Acotar?
Ela franziu o cenho. — Gosto.
— Sério? Eu amo essa autora. Como é mesmo o nome dela?
— Sarah J. Maas — ela respondeu, quase sem pensar.
Levei a mão à testa, num gesto exagerado, teatral mesmo.
— Isso! Assada demais. Gênio demais. Tipo... o que ela faz com Corte de Neve e Fúria foi...
— Perfeição — ela disse, antes que eu terminasse.
Sorri. Mas não aquele sorriso de quem tá flertando. Foi um sorriso de verdade, daqueles que escapam quando você encontra alguém que entende algo que você ama.
— Qual seu personagem favorito? — perguntei, apoiando o queixo na mão, curioso.
— Azriel.
Arqueei a sobrancelha, surpreso.
— Jura? Eu pensei que fosse Rhysand...
Ela deu de ombros, e pela primeira vez, me encarou de verdade.
— Todo mundo ama o Rhys, mas... sei lá, o Azriel sente. Ele observa, escuta, entende. Sem precisar sair do centro.
Eu fiquei em silêncio por um segundo, só encarando aqueles olhos.
Meio lilás.
Na mesma hora, algo me pegou por dentro. Porque... era a mesma cor do personagem preferido do livro. A cor que, por algum motivo, sempre tinha me chamado atenção.
— É que... sei lá — falei, quase num sussurro — seus olhos lembram dele. Meio lilás.
Sem nem pensar, estendi a mão devagar e disse:
— Posso?
Ela congelou um pouco, mas não disse não. Peguei os óculos dela com cuidado, como se estivesse tocando uma peça rara, e quando vi os olhos dela sem lente nenhuma entre a gente...
— Incrível. Seus olhos realmente são lindos.
Ela ficou vermelha. E eu percebi. Talvez tenha ido longe demais.
— Desculpa — disse, com um riso nervoso. — Foi meio estranho, né?
Ela pegou os óculos de volta, sorrindo de leve.
— Um pouco.
O sinal tocou. Mas antes que ela se levantasse, falei rápido:
— Se quiser, posso te emprestar a saga toda. Até Chamas Prateadas. Tá inteira lá em casa.
Ela sorriu. Um sorriso de verdade. Pequeno, mas suficiente pra me fazer esquecer por um instante que tudo aquilo começou por uma aposta.
Saímos juntos da biblioteca. Mas no corredor... o mundo real voltou. As risadinhas. As piadinhas. E lá estava o Eduardo, encostado na parede, me lançando um olhar malicioso e piscando o olho com força.
Meu corpo gelou. De cima a baixo.
Eu sabia. Sabia que tinha me metido numa encrenca. Mas não podia voltar atrás agora.
Não ia perder pra ele.
Mesmo que, no fundo, algo em mim dissesse que esse jogo... podia acabar saindo do controle.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 24
Comments