Por um segundo, eu não entendo.
Esse menino — um garoto que nunca me olhou nos olhos antes — simplesmente se encolhe ao lado do Lorenzo Fontes, o popular, o bonitão da escola. Ele parece um anjo saído de um daqueles comerciais de pasta de dente: sorriso branco demais, cabelo bagunçado na medida certa, roupas que parecem estar sempre novas, mesmo quando não estão. Ele é o tipo de pessoa que parece não se esforçar pra ser adorada. As coisas só... acontecem pra ele.
Claro que ele só se aproximou por uma brincadeira. Um jogo. Um deboche. Nada além disso. Eu não sou a garota que atrai atenção. Sou a garota dos blocos de espinha, do cabelo preso sempre num rabo de cavalo frouxo. O tipo de cabelo que embaraça fácil demais e exige muito pra ficar solto. Eu raramente deixo. E, com a rinite que tenho desde criança, meu cheiro deve ser uma mistura de livro velho e Vick Vaporub.
Mas ele tá ali. Sentado ao meu lado.
A aula continua. Ele não fala nada. Nenhuma piada, nenhuma provocação.
Só... fica.
Meu coração bate acelerado, como se já soubesse que aquilo não era real. Que era só questão de tempo até alguém rir. Até ele mesmo rir. Mas, por enquanto, ele tá calado. E isso, de algum jeito, é mais perturbador.
Até que a porta se abre.
Eduardo entra. Melhor amigo de Lorenzo. O tipo de pessoa que se acha mais engraçado do que realmente é. Sempre rindo alto demais, falando alto demais, achando que todo comentário idiota é uma obra-prima de humor. Ele vê o amigo sentado ao meu lado e ergue uma sobrancelha, antes de se aproximar com aquele sorriso torto que me dá enjoo.
— "Ué, Fontes... Tá com problema de visão, é? Sentou no lugar errado, parceiro?"
Eu fico imóvel. Fingindo que não ouvi. Eu sempre finjo que não ouço.
Lorenzo dá um risinho discreto, mas não responde.
— "Ou será que vai pedir umas dicas de como virar nerd agora? Quer que ela resolva a prova de matemática pra você também?" — Eduardo ri sozinho da própria piada.
— "Cala a boca, mano." — Lorenzo diz, baixo. Não é um protesto. Não é defesa. É só o suficiente pra não parecer cúmplice, mas não o bastante pra me proteger.
Eduardo dá de ombros e vai sentar duas fileiras atrás.
A aula segue. E eu tento me afundar nos meus próprios ombros, como se pudesse desaparecer. Mas aí vem ele.
Lorenzo se inclina levemente.
— "Hey... cê entendeu essa parte aqui da fórmula? Tô meio perdido."
Eu engulo seco. É uma pergunta real? Ele tá me perguntando de verdade?
— "É... é só substituir o valor do X. Aqui, ó... vê." — mostro no meu caderno, onde já resolvi a questão. — "Você tem que isolar o Y primeiro."
Ele observa, e seus olhos seguem meus dedos.
— "Entendi. Valeu."
Silêncio.
Mais cinco minutos, ele volta:
— "E essa aqui? É igual?"
— "Quase. Só muda o sinal ali..."
E assim vai. Durante a aula toda. Sempre com aquele tom neutro. Sem ironia. Sem aquele veneno escondido nas palavras. E por mais que eu me diga, mentalmente, que ele tá só brincando, que isso é parte de alguma aposta idiota, meu coração idiota começa a pensar outra coisa.
Mas eu sei melhor. Eu sempre soube.
Por isso, quando toca o sinal do intervalo, eu não vou pro banheiro.
Porque é assim que acontece: toda vez que abro a porta, encontro alguma crueldade me esperando. E naquele dia, escuto antes mesmo de entrar.
— "Aposto que ela dorme com aquele moletom velho todo dia. Credo, tem cheiro de armário mofado."
— "Você viu o tênis dela? Parece que sobreviveu a um apocalipse zumbi."
— "Ela deve achar que o cabelo preso esconde o rosto... não esconde, não."
A porta permanece fechada. Eu me afasto. Não porque sou fraca. Mas porque cansei de ser machucada por gente que nunca vai me conhecer de verdade.
Com o lanche ainda embrulhado no papel alumínio, caminho até a biblioteca. Meu esconderijo.
A bibliotecária, dona Lucinda, me dá um aceno silencioso. Ela já sabe: ali no fundo, entre as estantes de livros de história e romances antigos, é meu canto. Meu pedaço de invisibilidade.
Me sento no mesmo lugar de sempre, onde a luz da janela entra de lado e ninguém me vê. Lá, tiro o lanche. Um pão com queijo. E respiro fundo. Na biblioteca, não preciso provar nada pra ninguém. Não preciso esconder meu jeito, nem meu cheiro, nem meu silêncio. Sou só... eu.
E por mais solitário que isso pareça, é mais seguro do que fingir que alguém como ele pode se importar de verdade.
Porque por mais que Lorenzo tenha sorrido. Por mais que tenha pedido ajuda com a matéria.
Eu sei.
Eu sei que meninos bonitos não se sentam ao lado de meninas como eu... sem motivo.
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Atualizado até capítulo 24
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