O esconderijo da garota invisível

“Às vezes, tudo o que a gente quer é um canto onde ninguém veja a bagunça que somos por dentro.”

Eu simplesmente me sento no fundo daquela biblioteca. Aquele meu esconderijo. Sei que ali ninguém vai me encontrar. Enquanto eu almoço, abro meu livro preferido: Corte de Asas e Ruínas. As letras parecem dançar sob meus olhos, não por beleza, mas por fuga. Fugir do barulho, da zombaria, das vozes que me lembram o tempo inteiro que eu não sou como as outras meninas.

Minha marmita cheira a comida de verdade. Nada de salada fitness ou lanches caros de cantina. Mas ali, no silêncio acolhedor da biblioteca, com as páginas de Prythian me envolvendo, é o único lugar onde não me sinto errada.

Então, ouço passos.

Lentos, determinados. Passos que fazem meu coração acelerar de medo. Medo de ser descoberta. Medo de ser motivo de piada — de novo. Ergo o olhar, cautelosa.

Não. Não pode ser.

Lorenzo.

O menino mais bonito da escola. O tipo de beleza que deveria vir com alerta. Olhos de tempestade e sorriso de comercial de pasta de dente. Ele está ali, parado na minha frente, como se aquele fosse o lugar mais natural para ele estar.

— Eu estava te procurando... onde é que você se esconde no intervalo? — ele pergunta, com a voz baixa, mas segura.

Pisco. Uma. Duas vezes. Será que eu ouvi certo? Eu?

— A escola toda sabe. — murmuro, tentando manter minha postura. — Ou eu tô no banheiro... ou na biblioteca. Não é segredo pra ninguém.

Talvez minha voz tenha saído um pouco ríspida. Não é culpa minha. Eu já aprendi a manter as pessoas longe.

Ele não parece se importar. Simplesmente se senta na cadeira à minha frente. Fica olhando pro meu livro, como se aquilo fosse o mais interessante do mundo.

— Eu não acredito... — ele diz, com um sorriso no canto da boca. — Você gosta da saga ACOTAR?

Franzo o cenho.

— Gosto.

— Sério? Eu amo essa autora... como é mesmo o nome dela?

— Sarah J. Maas. — respondo sem hesitar.

Ele dá um pequeno tapa na própria testa, teatral.

— Isso! Sarah J. Maas. Gênio demais. Tipo... o que ela fez em Corte de Névoa e Fúria foi...

— Perfeição. — completo, meio sem querer.

E, por um instante, Lorenzo sorri. Mas não é aquele sorriso de galã. É um sorriso genuíno. Um sorriso de alguém que se empolga falando de algo que ama.

— Qual é seu personagem favorito? — ele pergunta, apoiando o queixo na mão.

— Azriel.

Ele arqueia uma sobrancelha.

— Jura? Pensei que fosse o Rhysand.

Dou de ombros.

— Todo mundo ama o Rhys... mas tem algo no Azriel. Ele observa. Ele escuta. Ele sente, sem precisar ser o centro.

Lorenzo me encara. Mas não como quem julga. Como quem tenta entender. Seus olhos descem lentamente até meu rosto, e então ele diz algo que me faz congelar.

— É que... sei lá, seus olhos me lembram os dele. Meio... lilás.

Meus olhos.

Quase ninguém nota isso. Só minha bisavó dizia que herdei dela. Uma cor rara, estranha. E ali estava ele, reparando na coisa mais invisível de mim.

Antes que eu possa reagir, Lorenzo estende a mão e tira meus óculos.

— Posso? — sussurra.

Fico imóvel. Sinto o calor dele tão perto. O perfume dele invade meu espaço — amadeirado, doce e forte. Meu coração bate descompassado.

Ele segura meus óculos com cuidado e se aproxima ainda mais.

— Incrível... seus olhos são realmente lindos.

Fica vermelho. Ri de leve, como se percebesse que passou dos limites.

— Desculpa, foi meio estranho isso, né?

Tomo meus óculos de volta, quase rindo também.

— Um pouco.

O sinal toca.

— Se você quiser, eu tenho o box todo da saga. Até Chamas Prateadas. Posso te emprestar qualquer dia desses.

Fico surpresa. Emprestar algo assim? Pra mim?

— Eu aceitaria.

Levantamos. Seguimos juntos até a sala. Passamos pelo corredor onde tudo ecoa — os passos, os sussurros, as piadas. E elas vêm.

— Olha lá, a nerd pegando o galã!

— Aposto que ela tá fazendo o dever dele.

— Deve ter amarrado ele com alguma simpatia.

Mas, pela primeira vez, não me importo. Sinto meu rosto quente, mas não de vergonha. É algo diferente. Um orgulho pequeno, um calor novo.

Eduardo, o melhor amigo de Lorenzo, passa por nós e franze o nariz.

— Bela orelha. — diz, piscando para Lorenzo.

Não entendo. Lorenzo não responde. Só engole seco.

Ainda não sabia... mas aquela piscadela era o prenúncio do fim.

E o começo de algo que, por mais que doesse, ia me transformar.

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