Carta da Vida

Você ainda se lembra de mim?

Sou aquela que você vê de relance entre uma notificação e outra.

A que pulsa quando você respira fundo sem motivo.

A que sussurra quando você silencia.

Você me procura em conquistas,

mas eu estou nas pausas.

Nos olhos de quem te ouve sem pressa.

Nos segundos que você acha que perdeu,

mas que, na verdade, eram meus presentes mais delicados.

Eu estive lá quando você riu sozinho.

Quando chorou escondido.

Quando desligou o celular só pra sentir o barulho da chuva.

Tenho tentado falar com você.

Nas flores que insistem em nascer no concreto.

Nos cães de rua que abanam o rabo sem motivo.

Nos velhos que sorriem devagar.

Nas crianças que ainda sabem brincar com o nada.

Mas você não me ouve.

Corre atrás de um futuro que nunca chega,

alimenta fantasmas de sucesso que nunca saciam,

se mede por algoritmos,

se define por curtidas,

se perde em telas,

e me perde junto.

Você chama isso de progresso.

Eu chamo de ausência.

Estou aqui, ainda assim.

Esperando o dia em que você vai lembrar que viver é mais do que vencer.

Que sentir vale mais do que mostrar.

Que tocar alguém é mais eterno do que segui-lo.

Não sou um objetivo.

Sou o caminho.

Com carinho,

A Vida.

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O Homem Que Parou

Ninguém sabia seu nome.

No crachá, havia uma sigla e um número.

Na porta da sala, apenas o cargo.

Na casa, um silêncio morno e uma televisão sempre ligada.

Durante anos, ele acordou às 6h,

pegou o mesmo ônibus,

trabalhou com exatidão,

almoçou em silêncio,

voltou para casa,

dormiu cansado demais para pensar.

Chamavam isso de rotina.

Ele chamava de sobrevivência.

Já não lembrava o que sonhava quando era menino.

Aquele tempo estava guardado em alguma gaveta que ele trancou e perdeu a chave.

Até que, numa segunda-feira como outra qualquer,

o corpo não respondeu.

Não levantou da cama.

Não quis.

Não conseguia mais fingir força onde havia cansaço crônico.

O médico disse: esgotamento.

A psicóloga falou em burnout.

Ele apenas pensava:

"Fui me apagando e nem percebi."

Foi durante os dias em casa — longe dos ruídos, do relógio, do desempenho —

que ele começou a ouvir algo diferente.

O próprio silêncio.

Dentro dele, uma voz pequena e antiga começou a crescer.

Sussurrava lembranças que ele havia esquecido propositalmente.

Desenhos que fazia na infância.

Canções que compunham para si mesmo, escondido.

A vontade de ver o mar sem tirar foto.

A vontade de rir sem motivo.

Chorou.

Muito.

Mas foi o choro de quem está voltando.

No fim daquela semana, ele saiu pra caminhar.

Deixou o celular em casa.

Parou na banca de jornal, comprou um caderno simples.

Sentou num banco da praça — aquele que nunca tinha reparado existir.

E começou a escrever.

Não sabia bem o quê.

Mas escrevia.

Palavras tortas, frases curtas, pedaços de si.

Aos poucos, foi percebendo:

não era ele quem tinha parado.

Era o mundo que nunca tinha esperado ninguém.

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Sobre o Que Ainda Resiste

Há uma luz pequena acesa em algum lugar.

Ninguém vê.

Mas ela está ali.

Num mundo que corre, que se afoga em excesso,

que grita sem escutar,

que consome mais do que sente —

ela brilha, tímida, como quem pede licença para existir.

É a esperança.

Não a que espera sentada.

Mas a que tropeça e continua.

Ela mora nos gestos esquecidos:

num “bom dia” sincero,

num olhar que se detém,

num café passado com calma.

Está na risada de quem perdeu tudo e ainda assim dança,

no toque de quem cuida sem câmeras por perto,

no abraço que dura mais do que cinco segundos.

Ela se disfarça de fragilidade,

mas é feita de aço invisível.

A esperança de que ainda dá tempo.

De voltar pra casa.

De pedir desculpas.

De aprender a desacelerar.

De reaprender a ouvir — a si, aos outros, ao mundo.

A esperança que não vive nos discursos bonitos,

mas no silêncio que acolhe.

Na dúvida que não finge certeza.

No “eu não sei, mas estou aqui”.

Se você está lendo isso,

ela ainda respira em você.

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