O relógio marcava quase meia-noite quando Braian entrou em seu quarto de hotel. Os sapatos foram os primeiros a voar para um canto qualquer, seguidos pela gravata frouxa e o paletó jogado displicentemente sobre a poltrona. O espelho o encarava com a frieza de quem sabia demais. O reflexo mostrava um homem cansado, de olhos vermelhos e ombros curvados pelo peso do passado.
Ele caiu sentado na beira da cama, sentindo o dia se espalhar pelos seus ossos. A reunião com a equipe federal brasileira havia sido tensa. Não pela missão em si — a logística era algo que ele dominava com maestria. Mas pela presença de Luiz Felipe. O homem que um dia foi tudo. E que agora… era um completo estranho.
Ou quase.
Braian ainda podia reconhecer os trejeitos. O olhar de desconfiança, o jeito de cruzar os braços quando queria parecer inabalável, mas estava desconfortável. A voz grave, que sempre lhe causou arrepios, mesmo agora que saía carregada de formalidade e distância.
Era como ver um fantasma. Mas um que respirava, andava e... não o reconhecia.
Ele se levantou e foi até a mala. De um compartimento secreto, retirou uma caixinha de madeira escura. Era pequena, simples… mas guardava o que restava de um amor interrompido pelo destino. Memórias que Braian tentava manter vivas, mesmo que só para si.
Sentou-se de volta à cama e abriu a tampa com cuidado. Lá dentro, algumas fotos, um relógio quebrado, e uma pulseira de couro com duas iniciais gravadas: L & B.
Ele pegou uma das fotos com mãos trêmulas. Era sua preferida. Ele e Luiz deitados na grama, rindo, os rostos colados. O sol refletia nos olhos castanhos de Luiz, que olhava para ele com aquela mistura de ternura e desejo que fazia Braian esquecer do mundo.
Passou o polegar sobre o rosto de Luiz na imagem.
— “Você ainda existe dentro de mim, sabia?” — murmurou. — “Cada pedaço meu… ainda é seu.”
Ele fechou os olhos, e os flashbacks vieram como uma avalanche.
Flashback 1:
Luiz o empurrando contra uma parede do corredor da universidade, olhos brilhando de paixão contida.
— “Se continuar me provocando assim, Braian, eu juro que a gente vai perder a aula... de novo.”
Braian sorria, atrevido, puxando Luiz pela gravata.
— “E isso seria um problema?”
O beijo que veio depois foi urgente, faminto, como se soubessem que o tempo que tinham era limitado. A parede testemunha muda de um amor que crescia escondido entre os corredores gelados da universidade.
Flashback 2:
Braian acordando numa madrugada fria, encolhido no sofá pequeno do apartamento deles. Luiz apareceu com um cobertor, de pijama amarrotado, olhos sonolentos.
— “Não gosto de dormir sem você.”
E deitou-se ao lado dele, mesmo que não houvesse espaço suficiente. Dormiram abraçados, apertados, mas felizes. Era simples. Era intenso. Era real.
De volta ao presente.
Braian limpou uma lágrima que escapava. Não chorava com frequência, mas agora... era impossível conter.
O celular vibrou sobre a mesa de cabeceira.
Clarice. Uma chamada de vídeo.
Ele hesitou, respirou fundo e atendeu.
— “Você está com essa cara de quem viu um fantasma.” — disse ela, sem rodeios, como sempre.
— “Mais ou menos isso.” — ele sorriu, cansado, os olhos pesados de lembranças.
— O que ouve?
— "Luiz está vivo, Clarice."
— como assim.... "vivo"?
Braian assentiu, sem falar. O silêncio falou por ele.
Clarice ficou em silêncio por um tempo, apenas observando o amigo com aquele olhar de quem sabia mais do que dizia.
— “Você quer fugir, né?”
— “Pensei nisso o dia todo.” — ele admitiu. — “Mas fugir nunca foi meu estilo.”
Ela sorriu com ternura. Aquela ternura que só os verdadeiros amigos sabiam oferecer.
— Ele não lembra de mim....
— “Braian, você não precisa fazer nada agora. Só… respira. Mas lembra de uma coisa: o amor que vocês viveram foi real. Mesmo que ele não lembre, você lembra. E isso já diz muito.”
— “Diz que eu ainda amo alguém que não sabe mais quem eu sou.” — ele murmurou, voz embargada.
— “Então faz ele lembrar. Aos poucos, com o tempo, com calma. E se não for possível... pelo menos você tentou.”
Braian olhou para a foto mais uma vez, como se a imagem pudesse guiá-lo de volta a algum lugar seguro.
— “Eu só queria que ele voltasse a olhar pra mim daquele jeito... como se eu fosse o único lugar seguro do mundo.”
Clarice respirou fundo, emocionada.
— “Talvez ele olhe assim de novo. Mas até lá... continue sendo você. Porque esse Braian que ama com tanta força? É impossível de esquecer.”
(Pensamento de Braian):
"Não sei se você vai lembrar de nós, Luiz... Mas eu vou estar aqui. Esperando o momento em que seus olhos cruzem os meus e, mesmo que por um segundo, reconheçam o amor que dividimos. Porque ainda estamos aqui. Nos fragmentos."
Varanda do hotel. Madrugada chuvosa.
Braian estava sentado sozinho na pequena varanda do quarto de hotel, uma xícara de café amargo entre as mãos, enquanto gotas finas de chuva escorriam do toldo acima. A cidade estava mergulhada em silêncio, e ele também.
O vento trazia um cheiro familiar de terra molhada — o mesmo cheiro daquela noite. A noite do acidente. O cheiro ficou gravado em sua memória como um alerta, uma cicatriz olfativa que surgia toda vez que a dor ameaçava voltar.
Ele fechou os olhos devagar, sentindo a dor subir como maré, até engolir tudo.
— "Mesmo se você tivesse morrido… eu não poderia ter seguido em frente, sabia?" — murmurou, olhando o céu nublado. — "Mas você não morreu, Luiz. Você só... esqueceu."
Era isso que doía mais. Luiz estava vivo, mas fora levado por um tipo de morte mais cruel: a do esquecimento.
Braian pegou o celular e abriu a galeria oculta. Havia uma foto ali que ele tinha guardado com zelo quase religioso. Luiz dormindo em seu colo, com um leve sorriso nos lábios. Estavam em um fim de semana qualquer, numa cabana isolada. Sem relógios. Sem pressa. Sem medo.
A felicidade simples estampada no rosto do homem que agora o olhava como um estranho.
Braian deslizou o dedo pela tela, como se pudesse tocar aquele tempo. Como se pudesse voltar para lá.
— "Você costumava me chamar de ‘meu sol particular’… lembra disso?" — riu, com um nó na garganta. — "Dizia que mesmo nos dias nublados, eu fazia você enxergar cor."
O céu trovejou ao fundo, como se o universo ouvisse, ou respondesse. Talvez ambos.
Ele fechou a galeria. Abriu o aplicativo de mensagens. Escreveu para Luiz. Uma, duas, três vezes. Apagou todas.
Mas, na quarta, deixou a mensagem ali, no rascunho:
“Se em algum lugar dentro de você, ainda existir um vestígio de nós… por favor, me ache.”
Ele não enviou. Apenas bloqueou a tela e ficou ali, ouvindo a chuva cair e tentando costurar seu coração com lembranças que já não pertenciam mais ao presente.
E mesmo assim… ele não conseguia deixar de amar.
Porque algumas cicatrizes, mesmo invisíveis, continuam doendo.
E o nome daquela dor… era Luiz Felipo..
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Nadir Oliveira
Agora entendo vamos pra frente espero quer ele lembre dele
2025-04-23
3
Gabi Barbosa
eu vou chorar 😢 que triste
2025-04-28
1