Meu nome é Braian Vieira. Tenho trinta e cinco anos, sou especialista em tecnologia cibernética e atuo como agente da Interpol em Washington. Trabalhar aqui não foi um plano. Foi uma fuga. Há dez anos, deixei tudo para trás. Ou melhor… tudo o que restou.
Sou bom no que faço. Hackers, sistemas invadidos, rastreamento digital — esse é meu território. Posso decifrar códigos complexos em minutos, rastrear alguém com um único IP e derrubar servidores inteiros com apenas alguns comandos. Mas, por mais que eu domine o mundo virtual, não consigo controlar o que sinto sempre que fecho os olhos e volto para aquele dia.
Aquele maldito dia.
Hoje o escritório estava mais silencioso que o habitual. O ar parecia pesado, como se algo estivesse prestes a acontecer. Os teclados digitaram com mais leveza, quase como um sussurro em meio ao vazio. Sentado à minha mesa, entre telas, cabos e códigos, revisava um relatório sobre um grupo de traficantes de dados que andava movimentando informações sensíveis na América do Sul. Era rotina, uma rotina perigosa — mas que me mantinha longe de pensar em mim mesmo.
Até que meu celular vibrou.
Notificação: Reunião urgente – Sala 7. Interpol Global.
Franzi o cenho. Reuniões urgentes não costumam ser um bom sinal.
— Ei, vai dar show na sala da chefia? — brincou Clarice, minha parceira e melhor amiga, com uma caneca de café na mão e os cabelos presos num coque bagunçado.
Sorri de lado, tentando esconder o desconforto.
— Ou vou ser convocado pra me ferrar bonito, como sempre.
— Você adora, Braian — ela revirou os olhos, sentando-se na beirada da minha mesa. — O dia que te colocarem de férias, você surta. Aliás, tem uns três anos que você prometeu viajar comigo pra algum lugar sem internet. Nunca cumpre.
— Um hacker viciado em rede sem internet? Prefiro uma missão suicida.
Ela riu. Um som leve que por um momento me fez esquecer da tensão. Mas foi por pouco tempo.
Levantei, peguei meu tablet e fui para a tal sala. No caminho, os corredores pareciam mais longos. Cada passo meu ecoava de forma incômoda. Lá dentro, dois diretores me aguardavam. Um telão com gráficos criptografados piscava suavemente, enquanto pastas com selos vermelhos estavam espalhadas sobre a mesa. O clima era sério. Quase tenso demais.
— Temos uma missão para você — começou o mais velho, com expressão grave. — Brasil. Operação em parceria com a Polícia Federal. Envolve tráfico de dados e possíveis ligações com agentes federais internos.
Brasil.
O coração deu um salto estranho no peito. Uma batida fora do compasso.
Brasil.
Por fora, mantive a pose. Frio. Profissional. Por dentro, meu mundo cambaleava.
— Quando embarco?
— Em três dias. Você será o responsável pela parte tecnológica da operação. Já estamos rastreando as movimentações do grupo, mas a rede é sofisticada. Acreditamos que há envolvimento com uma organização ainda maior, que pode estar operando em vários países, inclusive aqui.
Assenti. Nada no meu rosto denunciava a tempestade que me rasgava por dentro.
Voltei para minha sala em silêncio. Clarice me seguiu, passos rápidos atrás de mim. Ela me conhecia bem demais para deixar passar.
— E então? — perguntou, cruzando os braços ao encostar-se na mesa.
— Vou ao Brasil.
Ela arqueou as sobrancelhas. Não... não de surpresa. Mas de preocupação. Ela sempre soube o que aquele nome significava pra mim.
— Braian…
— Eu estou bem. É só mais uma missão.
— É o país onde ele…
— Eu sei.
Silêncio.
Ela se aproximou, tocou meu braço com delicadeza. O toque certo, na hora certa.
— Você não precisa ser forte o tempo todo, sabe? Já faz dez anos.
Dez anos desde que perdi Luiz. Desde aquele acidente. Desde que vi minha vida virar pó.
— Às vezes eu acho que se tivesse ido atrás dele… — minha voz falhou por um segundo. — Talvez…
— Braian. — Clarice me interrompeu, firme, porém gentil. — Você fez o que pôde com o que sabia. Com o que sentia. E você teve o direito de fugir. Mas talvez agora…
— Talvez agora seja a hora de encarar o passado — completei, com um sorrisinho amargo. — Ou talvez ele me engula vivo.
Ela apertou minha mão, firme.
— Então eu vou estar aqui quando você voltar. Inteiro ou em pedaços.
Sorri, dessa vez com sinceridade. Porque Clarice era isso. Meu porto seguro desde que deixei tudo para trás.
Naquela noite, fiquei até tarde revisando arquivos do caso. Mapas, perfis suspeitos, movimentações bancárias. Mas minha mente vagava.
Imagens que eu tentava esquecer vinham à tona. O som do riso dele. A maneira como ele dizia meu nome, sempre com ironia e doçura misturados. O toque quente, o beijo urgente. As noites sem sono. As promessas sussurradas entre lençóis e segredos.
E o acidente.
Voltar ao Brasil era como abrir um baú selado com dor, amor e lembranças demais.
Mas eu iria.
E algo me dizia que o passado estava prestes a bater de frente com o presente.
O apartamento estava escuro, silencioso. Apenas a luz da cidade entrava pelas janelas altas, pintando linhas suaves no chão de madeira. Tinha um cheiro de eletrônicos e solidão no ar.
Joguei a jaqueta no sofá, larguei o celular sobre a bancada da cozinha e fui direto ao meu quarto, sentindo cada passo como um eco do que deixei para trás.
Ainda estava com a mente agitada depois da notícia.
Brasil.
Luiz.
Suspirei fundo, tentando ignorar o aperto familiar no peito. Mas naquele silêncio… era impossível.
Abri a porta do armário e alcancei uma caixa de papelão no alto da prateleira. Era velha, desgastada, com a lateral escrita à mão: “Coisas que não devo mexer”. Sorri sem humor. Sempre fui irônico com meus próprios sentimentos.
Sentei na beirada da cama e abri a tampa devagar. Dentro, pedaços de um tempo que tentei apagar. Cartas antigas, ingressos de cinema, um chaveiro quebrado em forma de raio… E então, lá estava ela.
A foto.
A única que sobreviveu àquele tempo.
Eu e Luiz. Sentados na grama de uma universidade qualquer, ele de óculos escuros, me olhando com aquele sorriso preguiçoso e charmoso. Eu estava com o braço em volta da cintura dele, como se fosse a coisa mais natural do mundo.
E era.
Nós éramos isso. Naturais. Intensos. Inseparáveis.
Até que não fomos mais.
— Você ainda vive em mim, sabia? — murmurei, olhando para aquele rosto congelado no tempo. — Por mais que eu tente seguir em frente… ninguém nunca foi você.
O celular vibrou na cozinha. Não fui ver. Nada importava agora além daquela lembrança. Abaixei a cabeça, encostei a testa na moldura da foto e fechei os olhos.
Como pude sobreviver a te perder?
Fiquei assim por alguns minutos, em silêncio absoluto. Só o som do meu coração e a respiração pesada. Até que algo dentro de mim se moveu. Um tipo de agitação estranha, como se um fio invisível tivesse sido puxado.
Brasil.
Algo me dizia que aquela viagem não era apenas uma missão.
Era um reencontro.
Mesmo que com fantasmas.
Ou talvez…
Talvez com algo que eu pensava estar morto.
Mas que, no fundo, nunca deixou de respirar dentro de mim.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Nadir Oliveira
autora deixe de suspense estou anciosa
2025-04-23
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