Luiz estava no escritório de casa, cercado por papéis, mas sua mente vagava distante. A luz do abajur projetava sombras suaves nas paredes, enquanto os ponteiros do relógio insistiam em lembrá-lo do tempo passando. Ele tentava, em vão, revisar o relatório da agência — mas as palavras pareciam embaralhadas, como se estivessem numa língua que ele já não compreendia.
Do quarto ao lado, a voz de Andressa embalava Elisa com uma música de ninar. Era uma cena que deveria trazer paz. Mas tudo em Luiz parecia inquieto.
Como num impulso, levantou-se da cadeira e foi até a estante dos fundos, onde caixas antigas repousavam há anos, intocadas. Estavam cobertas por uma fina camada de poeira, lembranças de um tempo que ele mesmo não sabia dizer quando havia começado a esquecer.
Ao abrir uma das caixas de papelão, encontrou cadernos de faculdade, uma camiseta da atlética com seu nome bordado, uma foto em preto e branco rasgada ao meio. Mas o que mais chamou sua atenção foi um chaveiro metálico, velho, com o formato de um capacete de moto estilizado. Na parte de trás, uma inscrição quase apagada gravava em letra cursiva:
“Pra sempre nós, B.”
Ele franziu a testa, confuso.
— “B…?” — sussurrou, girando o chaveiro entre os dedos.
Sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquilo despertava algo — mas não conseguia nomear o quê. Era como se uma memória estivesse ali, atrás de uma porta trancada. Sabia que já tinha sentido aquele objeto antes. Aquela gravação parecia íntima, promissora. Mas ao mesmo tempo, era um completo mistério.
Ele apertou o chaveiro na palma da mão e respirou fundo. Uma leve dor de cabeça se formou, pulsando atrás dos olhos. O vazio dentro dele cresceu — e com ele, uma sensação amarga de perda.
"Por que isso, que deveria ser só um objeto velho, me faz sentir como se estivesse perdendo algo..."
Sem dizer nada, guardou o chaveiro no bolso da calça. Tinha algo ali. E mesmo sem entender o porquê, precisava mantê-lo por perto.
Sede da Polícia Federal – Auditório Central
No dia seguinte, Luiz caminhava pelos corredores da sede da PF com passos firmes, mas a mente ainda em torvelinho. A reunião interagências prometia ser longa e repleta de protocolos. Agentes da Europol, Interpol, representantes do FBI, delegados federais… todos reunidos para discutir avanços nas investigações conjuntas sobre atividades de crime organizado transnacional.
O ambiente era formal, tenso. Ele cumprimentou alguns colegas, manteve-se discreto. Tentava concentrar-se, afastar os pensamentos desconexos da noite anterior.
Estava prestes a se sentar quando a porta dupla se abriu e uma nova equipe entrou.
E então, como se o tempo tivesse congelado por um instante, Luiz olhou.
Seus olhos encontraram Braian.
O mundo silenciou ao redor. A respiração ficou presa. O corpo congelou.
Braian também parou. Ficou imóvel na porta. Seu olhar pousou em Luiz como uma flecha certeira. Ele sequer piscava. O coração dele batia forte demais, e o chão parecia ter sumido sob seus pés.
Para Luiz, foi como se um raio atravessasse seu peito. Não havia reconhecimento imediato. Mas havia algo. Algo visceral.
"Por que ele está olhando assim pra mim...? E por que o olhar desse homem me dá a sensação de que... estou prestes a lembrar de um sonho esquecido?"
Braian engoliu seco. O Luiz à sua frente não era o mesmo homem que beijara sob a chuva anos atrás, nem o que dividiu noites de carinho e fugas. Era outro. Mas ainda assim, ele estava ali. Vivo. Respirando. E o cheiro... Deus, o cheiro ainda era o mesmo.
A reunião começou, mas ninguém prestava atenção de verdade.
Olhares se cruzavam. Breves, tensos. Braian evitava contato direto, com medo de explodir por dentro. Luiz tentava entender por que aquele desconhecido despertava tanta inquietação em seu peito.
Parte 3 – O Sentimento Desconhecido
Corredor – após a reunião
Luiz caminhava distraído pelos corredores quando parou diante da máquina de café. Ao lado, Braian.
Por um segundo, o silêncio foi tão denso que se podia ouvir o som da máquina preparando o café como um trovão.
— "Advogado Luiz Felipe," disse ele, estendendo a mão, tentando soar formal.
Braian virou o rosto devagar. Havia um leve tremor em seu corpo.
— "Braian Vieira, Interpol."
O toque entre as mãos foi breve, mas algo os atravessou. Como uma faísca elétrica que percorreu o corpo de ambos. Luiz ficou estático. Um calor subiu por dentro, inexplicável.
Ele tentou disfarçar, mas falhou.
— "Nós… já nos vimos antes?" — perguntou Luiz, olhando fixamente nos olhos de Braian.
Braian hesitou. Seus olhos brilhavam, carregados de tudo o que não podia dizer.
— "Talvez em outra vida."
Luiz sorriu de forma nervosa, sem saber o porquê. Algo doía. Algo ecoava no fundo do peito.
"Se é isso que chamam de déjà vu, então por que dói tanto?" — pensou.
"Ainda é você…" pensou Braian.
Terraço da Sede da PF – fim da tarde
O vento soprava morno, balançando suavemente a camisa social de Braian. O sol tingia o céu de tons dourados e laranjas, mas o coração dele batia como se estivesse no meio de uma tempestade.
Ele se apoiou no parapeito do terraço, olhando o horizonte distante.
A dor o consumia.
"Ele está vivo."
"Luiz."
Mas não era mais o seu Luiz. O olhar era o mesmo — mas vazio. A ausência de reconhecimento machucava mais do que qualquer luto que já sentira.
As mãos tremiam. O corpo parecia frágil, como se prestes a despencar.
Respirou fundo. Fechou os olhos.
— "Você está mesmo aqui, né?" — murmurou para o céu. — "Mas e eu? Onde eu fiquei em você?"
A lembrança do toque voltou como uma descarga. O modo como os dedos de Luiz tremeram ao encostar nos seus. O olhar perdido, como se procurasse algo... que ele mesmo não sabia.
E Braian estava ali. Sempre esteve.
As lembranças voltaram em avalanche:
O sorriso de Luiz deitado no sofá, a risada dele após o primeiro beijo atrapalhado. A cicatriz no ombro direito. A forma como o abraçava durante as noites frias, como se ele fosse o lar.
E agora, tudo aquilo parecia ter sido deletado da vida dele.
— "Será que, se eu tocar mais uma vez... ele lembra?" — sussurrou.
Seu corpo inteiro gritava para correr até ele, segurá-lo, implorar que se lembrasse. Mas sua mente o segurava. Ele precisava ser racional. Profissional. Forte.
Mas a dor... era outra coisa.
— "Eu pensei em você todos esses anos... e agora que te vejo, é como se eu fosse só mais um rosto desconhecido no seu caminho."
Fechou os olhos novamente, pressionando os punhos contra o concreto frio do terraço. Lutava contra as lágrimas.
A voz dele ainda ecoava em sua mente:
— "Nós… já nos vimos antes?"
Sim, Luiz. Você já me viu antes. Você me amou antes.
E eu… nunca deixei de te amar.
E pela primeira vez em anos, Braian não sabia o que fazer.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Maria Silva
aí que sofrimento /Sob/
2025-04-24
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