O tempo, na Amazônia, não é apenas uma estação — é um presságio.
Quando a seca chega, não traz apenas a ausência da chuva, mas também o cheiro forte da terra rachada, o lamento dos peixes apodrecendo nas margens e o gemido triste das árvores, cujas raízes mendigam por água.
A floresta, tão vibrante durante as cheias, agora parecia um bicho ferido, deitado no chão quente, esperando em silêncio pela misericórdia dos céus.
Anaí também secou por dentro.
Desde a noite em que Caetano foi levado, algo dentro dela murchou.
Os dias se arrastavam como um rio preso em pedras. O trabalho no roçado, as tarefas na feira, os rituais na capela da vila — tudo era feito no automático. Seu corpo permanecia ali, mas sua alma parecia ter partido junto com o barco que carregou Caetano para longe.
As notícias eram poucas e sempre dolorosas.
Sussurros diziam que Caetano fora levado a uma vila ribeirinha distante, acusado injustamente de crimes que não cometeu. Que trabalhava dia e noite como um escravo, pagando uma dívida inventada por aqueles que o invejavam.
Anaí não sabia o que doía mais: a saudade ou a impotência.
Num final de tarde, em meio ao calor impiedoso da feira, Anaí ouvia as conversas soltas dos mais velhos.
Falavam em acordos, em terras, em promessas velhas. Diziam que o pai dela planejava casá-la com o filho de um fazendeiro da outra margem, um homem de posses, mas sem amor nos olhos.
Um arranjo, puro e seco como o leito do rio que já não sabia mais cantar.
Anaí sentiu a garganta apertar. O suor que escorria pelo rosto não era apenas do calor.
Em casa, tentou se rebelar. Tentou gritar, se fazer ouvir. Mas as palavras morreram antes mesmo de nascerem.
No olhar duro do pai, ela viu a sentença já traçada.
Nos olhos baixos da mãe, encontrou apenas o silêncio pesado de quem já fora vencida pela vida muitas vezes.
Naquela noite, Anaí caminhou até a beira do rio.
O vento quente soprava poeira e lamentos. Ela tirou do bolso a velha fita vermelha, desbotada pelo tempo e pela saudade, e amarrou-a num galho de açaizeiro.
Fechou os olhos e falou baixo, como quem reza:
— Se for pra ele voltar, que volte livre. Se não, que minha lembrança chegue até ele.
A fita balançou no vento, como um sussurro perdido na noite.
Na Amazônia, dizem que quem amarra seus desejos às árvores chama a atenção dos encantados — seres antigos que vivem entre mundos.
Às vezes, eles atendem.
Mas nunca da forma que esperamos.
Enquanto a seca apertava e o chão abria suas feridas, Anaí se preparava para ser entregue a um destino que não escolhera.
O amor, para ela, parecia tão distante quanto as estrelas quebradiças que se refletiam nas águas rasas do rio.
Mas o rio, esse mesmo que carrega segredos e promessas, nunca esquece.
E o destino de Anaí e Caetano ainda sussurrava nas margens, esperando o momento certo para reescrever sua história.
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Atualizado até capítulo 73
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