O amor de Anaí e Caetano floresceu como uma árvore esquecida no coração da mata, crescendo em silêncio, longe dos olhos e julgamentos do mundo. Suas raízes eram profundas, firmes, e, a cada encontro clandestino, seus sentimentos se fortaleciam ainda mais, como uma promessa feita aos espíritos do rio. Eles sabiam, no fundo da alma, que estavam desafiando algo muito maior do que eles mesmos — tradições antigas, medos antigos — mas nem o medo conseguiu impedir que o amor crescesse.
À noite, deitada em sua rede de palha, Anaí ouvia os sons vivos da floresta ao redor. O coaxar dos sapos, o farfalhar das folhas, o bater invisível das asas dos morcegos misturavam-se ao murmúrio do vento e ao ronco distante dos trovões. Fechando os olhos, ela via o sorriso torto de Caetano, seus olhos escuros como o fundo misterioso do igarapé. Era nele que seus pensamentos naufragavam antes de adormecer.
O primeiro beijo deles aconteceu durante a festa de boi-bumbá, uma celebração de cor, música e vida que incendiava o vilarejo à beira do rio. As tochas de andiroba iluminavam o chão batido, e as famílias dançavam ao ritmo frenético dos tambores. No meio da multidão, Anaí e Caetano se encontraram, como se tudo ao redor desaparecesse. Sob a luz trêmula e amarela, ele a puxou com suavidade para um canto escondido, longe dos olhos atentos. Com a timidez de quem sabe o risco que corre, Caetano roçou os lábios nos dela.
— A gente vai ser castigado, Anaí — ele sussurrou, encostando a testa na dela.
— Já tá sendo... — ela respondeu, sorrindo com tristeza, sentindo o peso do mundo nas costas.
Naquela noite, o rio parecia cantar mais alto, como se avisasse ou chorasse.
Mas o segredo deles não ficou guardado por muito tempo. Alguns dias depois, um pescador de língua afiada e coração oco os viu trocando olhares na feira e espalhou a notícia como vento atiçando fogo em capoeira seca.
O pai de Anaí, um homem feito de orgulho e raiva, soube antes que o sol se pusesse. Quando Anaí voltou da beira do rio, encontrou-o de pé na varanda da palafita, braços cruzados, o rosto fechado como pedra.
— Nunca mais quero ver você perto daquele moleque de família amaldiçoada! — ele vociferou, a voz dura como o tronco da sumaúma.
Anaí não respondeu. Engoliu as lágrimas que ardiam nos olhos, tentando segurar a enchente com as mãos vazias. Sabia que qualquer palavra seria inútil. Para eles, o amor dela era uma doença vergonhosa, um veneno prestes a contaminar toda a aldeia.
Mas o coração tem caminhos que nem o curso do rio pode desviar.
E naquela mesma noite, sob o manto cúmplice da floresta, Anaí e Caetano se encontraram novamente, no igarapé escondido entre árvores tão antigas quanto o tempo.
— A gente foge — Caetano disse, com uma coragem que tremia na voz. — Amanhã, antes do sol nascer. Eu juro.
Anaí olhou para ele, para o reflexo da lua partida nas águas negras, e soube: ficar era morrer aos poucos; fugir era arriscar a vida inteira. Mas, ao menos, morreria por amor.
O plano estava traçado.
No entanto, a Amazônia, com seus mistérios antigos e suas vontades próprias, ainda reservava outros caminhos para eles.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Joicy Angelossi
Me vi nesse capítulo anos meu pai não quis que eu me casasse por ser nova o que fizemos fugimos estamos juntos até hoje 30 anos de união.
2025-04-14
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