capítulo 02

Capítulo 01: Segunda-feira

Hoje é segunda-feira. O tipo de dia em que o universo parece fazer questão de te lembrar que você não está no controle de nada. O sol entrou direto nos meus olhos através da cortina, e o despertador soou mais alto do que deveria.

Bati na porta do banheiro com a palma da mão, impaciente.

— Anda, Gaziel! Não quero me atrasar pra aula de literatura!

Lá de dentro, veio a voz arrastada e preguiçosa do meu irmão gêmeo:

— Calma, nerd. Vai dar tempo de escrever um soneto sobre isso.

Revirei os olhos.

— Idiota — murmurei, cruzando os braços enquanto esperava.

Quando finalmente consegui tomar meu banho, descemos juntos para a cozinha. Sentamos lado a lado, mastigando torradas enquanto o rádio antigo da mamãe tocava uma música dos anos 90. Ela falava ao telefone, gesticulando com a mão livre, e papai lia o jornal, como se ainda estivéssemos em 1995.

— Vai querer que eu te leve hoje? — perguntou meu pai sem tirar os olhos da manchete.

— Não, pai. Vou com o meu irmão — respondi, engolindo um gole de suco.

Na escola, os corredores estavam do jeito que sempre ficam em uma segunda-feira: barulhentos, cheios de gente correndo, armários batendo e risadas altas. Meus passos ecoavam com uma mistura de ansiedade e rotina.

Logan me esperava no lugar de sempre, encostado no bebedouro, com os fones de ouvido pendurados no pescoço e um sorriso contido.

— E a poeta da família chegou — disse ele, estendendo uma barrinha de cereais. — Preparada pra mais um dia sendo a mais inteligente da sala?

Sorri ao pegar o lanche.

— Preparada pra sobreviver. Já é alguma coisa.

Foi quando ele passou. Axel.

Caminhava entre os colegas do time, rindo de algo que alguém disse. Mas, por um instante, seu olhar encontrou o meu. Um segundo. E ele sorriu. Rápido, quase imperceptível, mas o suficiente para bagunçar tudo por dentro.

Desviei o olhar imediatamente, tentando fingir que meu coração não tinha acelerado.

— Dois anos... — Logan murmurou, tomando um gole de água. — Faz dois anos que vocês estão nessa. Vai falar com ele quando? Em 2050?

— Tchau, Logan. Te amo. — O abracei e me apressei até a sala de literatura, ignorando o calor no rosto.

Era a sala dele. Axel. Pulando um ano, acabei na mesma turma. Como se o universo tivesse um senso de humor particularmente cruel.

Dona Cláudia, nossa professora de literatura, era intensa. Daquelas que recitam sonetos como se estivessem declamando no teatro.

— Hoje, vamos escrever poesia. Inspirem-se em sentimentos reais: amor, raiva, saudade, frustração... o que quiserem. Mas quero verdade. Quero alma no papel!

Suspirei, encarando a folha em branco. Minha caneta pousou no papel com hesitação. Então, as palavras começaram a sair.

Poema

Não gosto do jeito como você finge Que tudo é simples, leve, passageiro. Como se a lembrança de nós Fosse apenas um eco sem importância.

Não gosto quando você sorri desse jeito, Como se nada tivesse mudado, Como se o mundo não tivesse parado Naquele verão.

Me irrita que você me entenda Mesmo quando não digo uma palavra. E que conheça meus silêncios Melhor do que eu mesma.

Mas o que mais me confunde É essa ausência que você deixa Mesmo quando está bem ali, A dois passos de distância.

Quando terminei, não consegui reler. Dobrei a folha e escondi entre as páginas do caderno. Axel estava duas carteiras à frente, rindo com alguém. Talvez ele não tivesse notado. Talvez tivesse.

A verdade é que aquele poema era um grito. Um que eu nunca teria coragem de dizer em voz alta.

Mas estava ali. No papel. E, de certo modo, me senti mais leve.

— Semana que vem tem teste — anunciou Dona Cláudia, ajeitando os óculos. — E será em duplas. Escolham com sabedoria.

O burburinho começou. Senti alguns olhares me analisando. Ser "a nerd da turma" significava que todos queriam me ter como dupla. Mas, como sempre, preferi fazer sozinha.

O sinal tocou. Recolhi minhas coisas rapidamente e saí da sala, com passos mais leves. Não porque estivesse atrasada, mas porque a próxima aula era no meu lugar favorito: o laboratório.

O cheiro familiar de álcool e papel queimado me acolheu assim que entrei. O professor Augusto, um senhor de cabelos brancos e óculos escorregando no nariz, organizava frascos na bancada.

— Senhorita Maverick — ele disse sem nem olhar, reconhecendo meus passos.

— Oi, professor. Será que podemos conversar?

— Claro, claro. Mas antes, me ajude com essa mistura. Confio mais nas suas mãos do que nas minhas — respondeu, empurrando um frasco âmbar na minha direção.

Passei a próxima hora com ele, misturando substâncias, anotando fórmulas e trocando ideias. Falamos sobre física quântica, química molecular, e, como sempre, sobre música.

— Ainda ouvindo aqueles rapazes que dançam e cantam juntos? — ele provocou.

— Backstreet Boys, professor. Ícones. O senhor só não admite porque sabe que eles são bons.

— Hm... Prefiro Beatles. Mas admito que aquela música... como é mesmo? "I Want It That Way"? Não é tão ruim.

Rimos juntos. Era ali que eu me sentia à vontade. Com alguém que entendia meu mundo.

Logo os alunos começaram a entrar, um por um. Axel entrou com o time, rindo alto. As líderes de torcida vieram logo atrás.

Estranhei quando Jayson Frittz, conhecido por ser o engraçadinho da turma, se sentou ao meu lado.

— Tudo bem se eu ficar aqui? — perguntou, meio sem jeito.

— Claro... — respondi, surpresa.

O professor começou a aula, explicando que a atividade seria em dupla. Acabei ficando com Jayson.

Ele parecia perdido diante dos tubos de ensaio e fórmulas escritas no quadro.

— Tá parecendo grego isso aí — confessou.

— Quer que eu te explique?

— Se não for incômodo...

Peguei um papel e desenhei uma molécula, explicando de forma mais leve, com exemplos do dia a dia.

— Pense nessa ligação aqui como... dois amigos segurando uma corda. Se um larga, o outro perde o equilíbrio. Química é assim também.

Ele riu.

— Nunca pensei que ia entender química com uma metáfora de corda. Obrigado, Kiraz.

Sorri. Talvez aquela segunda-feira não estivesse tão ruim, afinal.

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Comments

Dulce Gama

Dulce Gama

tomara que ela não fale no início o poema ele se achar❤️❤️❤️❤️❤️👍👍👍👍👍🌹🌹🌹🌹🌹🎁🎁🎁🎁🎁🌟🌟🌟🌟🌟

2025-04-26

1

Claudia

Claudia

O poema é lindo, será que um dia ela vai falar para ele 🤭🤭♾🧿

2025-04-20

0

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