O som do vento acariciava meu rosto enquanto eu caminhava pela trilha de pedras até o orfanato. A brisa leve trazia o cheiro do mar e da terra úmida, e eu podia ouvir o som suave das ondas batendo nas pedras, quebrando como um sussurro distante. Mas, dentro de mim, o burburinho da conversa com o Sr. Antônio não cessava. A história sobre a Fênix ecoava na minha mente, como se fosse algo vivo, se agarrando a cada pensamento.
Quando o nome "Thalor" ressoava em minha cabeça, uma onda de raiva surgia. Eu sentia como se fosse eu mesma a deusa que tinha sido ferida, golpeada de forma injusta por um homem insano. "Não, não podia ser!", pensava. A raiva me tomava, e eu me perguntava como alguém poderia ser tão cruel. Não, não era só uma história. Algo me dizia que aquilo estava bem mais perto de mim do que eu imaginava. Como seria se eu fosse essa Fênix? Como seria ser tão poderosa e, ao mesmo tempo, tão frágil, vítima de um destino cruel? A ideia de ser uma Fênix me incomodava, me enchia de uma sensação estranha e inconfundível, como se a resposta estivesse ao meu alcance, mas eu ainda não soubesse vê-la.
Quando cheguei à porta do orfanato, o aroma acolhedor da comida já estava no ar, e um calorzinho aconchegante tomou conta de mim. Entrei e, ao escutar os sons familiares da cozinha – o tilintar das panelas, o borbulhar da sopa – meu estômago roncou, lembrando-me de que eu também precisava de conforto depois de uma tarde repleta de pensamentos pesados. O cheiro de peixe assado misturado com ervas frescas me fez pensar em quantas vezes, ao longo dos anos, Elara me ofereceu o calor do lar.
A cozinha estava iluminada pela luz suave do final da tarde, e as chamas da lareira crepitavam em um canto, estalando com o fogo que aquecia o ambiente. O som da faca cortando os vegetais se misturava ao som do fogo. O lugar tinha aquele toque familiar, simples, mas acolhedor. As paredes de madeira, envelhecidas pelo tempo, estavam cobertas por pequenas prateleiras repletas de potes de vidro com especiarias e ervas que Elara cultivava com as próprias mãos. A atmosfera era tranquila, mas eu estava inquieta, sentindo que algo grande estava prestes a acontecer. Algo que já estava acontecendo.
Quando Elara me viu entrar, ela levantou os olhos rapidamente da panela onde mexia a sopa. A expressão dela era suave, mas sabia que algo estava diferente. Como sempre, ela tentava disfarçar, mas seus olhos atentos não deixavam nada passar despercebido.
"Você voltou cedo, menina", disse Elara com um sorriso, mas a sua voz tinha um tom de leve preocupação. "O que aconteceu? Parece que tem algo em sua cabeça."
"Ah, é... eu... eu conversei com o Sr. Antônio", comecei, tentando parecer normal, mas a tensão dentro de mim crescia a cada palavra que eu dizia. "Ele me contou uma história, mãe."
O rosto de Elara se fechou, o sorriso dela se desfez por um segundo, e ela simplesmente olhou para mim, aguardando que eu continuasse.
"Uma história? Outra dessas fantasias, como ele sempre conta?" Elara fez uma pausa, pegando a colher e mexendo lentamente na sopa, seu olhar distante. "Você sabe como ele é, né? Sempre com essas histórias malucas."
Eu dei um suspiro, sentindo uma frustração crescer dentro de mim. "Não é como as outras histórias, mãe. É... diferente. Ele falou sobre uma Fênix."
No instante em que pronunciei a palavra, o ar na cozinha pareceu ficar mais denso. Elara congelou por um momento. Ouvi o barulho da colher caindo no chão, o som do metal batendo contra a madeira ressoando no silêncio que se seguiu. Ela olhou para mim, com os olhos arregalados, e por um breve momento, eu vi uma expressão de medo se esconder atrás da máscara de sua serenidade habitual.
"O que... o que ele te contou sobre a Fênix?" Sua voz tremia levemente.
Eu contei tudo. As palavras de Antônio saíram sem que eu sequer pensasse, como se elas precisassem ser ditas, como se algo dentro de mim me obrigasse a compartilhar tudo o que ele havia falado. O golpe, a morte da deusa, a maldição que se espalhou pelo mundo, a busca por uma Fênix verdadeira... e o destino fatal que a aguardava. Quando terminei, Elara me olhou fixamente, como se tentasse ler algo nos meus olhos. Ela se afastou um pouco da mesa, e eu a vi claramente agitar a cabeça, tentando afastar o pensamento que eu sabia que estava surgindo nela.
"Não ouça essas histórias, Joyce", disse ela, sua voz agora mais firme, mais decidida. "É tudo fantasia. Quando eu tinha a sua idade, eu também acreditava em todas essas coisas. Mas olha para mim agora. Fiquei aqui, cuidando dessas crianças, passando minha vida inteira no orfanato. Você sabe que o que importa é a vida real. Não se deixe levar por essas histórias malucas."
"Eu sei", murmurei. "Mas... algo nessa história me tocou, mãe. Algo dentro de mim diz que não é apenas uma história. Eu preciso entender, precisa fazer sentido."
Elara suspirou profundamente, como se estivesse cansada de me ver insistir em algo que ela considerava irreal. "Vá atrás das suas fantasias, então, menina. Mas não se esqueça de que a realidade é bem diferente. Eu vou aqui, fazer a comida para você, enquanto se perde em contos de fadas."
Eu a observei por um momento, sentindo o peso das suas palavras, mas ao mesmo tempo, a sensação de que aquilo tudo tinha mais a ver comigo do que ela poderia imaginar. Fui até ela, dei-lhe um beijo na testa, e ela me deu um tapinha na bunda com aquele carinho maternal. Eu sentia que, sem Elara, eu não seria nada, que ela era a razão pela qual ainda tinha algum rumo, por mais estranho que fosse meu caminho.
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Atualizado até capítulo 57
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