A melodia se dissipou no ar, deixando um rastro de silêncio confortável entre os dois. Hana sentia o coração desacelerando aos poucos, como se a música de Yukio tivesse a capacidade de acalmar até mesmo as tempestades internas.
Ele parou de tocar, apoiando o violão ao lado da cadeira, e então se levantou, espreguiçando-se levemente.
— Acho que vou fazer um misto quente — disse, passando a mão pelos cabelos. — Tem o suficiente pra dois, se quiser.
Hana sentiu um impulso imediato de aceitar, mas a timidez a venceu antes que pudesse abrir a boca.
— Ah… não precisa, obrigada — respondeu rápido demais, cruzando os braços sobre as pernas.
Yukio arqueou uma sobrancelha, como se percebesse algo, mas não insistiu.
— Certo. Eu volto já.
Ele entrou na casa, deixando-a sozinha na varanda.
O vento noturno soprou de leve, e Hana suspirou, apoiando o queixo nos joelhos. Seus olhos vagaram pelo quintal, mas sua mente estava dentro da casa, ouvindo os barulhos da cozinha.
Primeiro, o som dos armários sendo abertos.
Depois, o barulho metálico de uma faca raspando levemente em algo.
O estalo do fogão acendendo.
O farfalhar do pão sendo desembrulhado.
Hana fechou os olhos por um instante, tentando afastar a sensação incômoda que surgiu em seu peito. Ela queria dizer "sim". Queria entrar na cozinha e se apoiar no balcão enquanto ele preparava o lanche, rir de algum comentário bobo, sentir o cheiro do queijo derretendo e compartilhar aquele momento. Mas recusou.
Por quê?
Talvez fosse a vergonha de comer na casa dele. Talvez fosse medo de parecer inconveniente. Ou talvez… fosse apenas o receio de se permitir algo tão simples e íntimo como dividir um lanche tarde da noite com alguém que estava começando a significar algo para ela.
O cheiro do misto quente começou a se espalhar, quente e convidativo, e Hana sentiu o arrependimento crescer.
Ela mordeu o lábio, hesitante. Ainda dava tempo de mudar de ideia?
Talvez…
Ela se levantou lentamente e deu um passo em direção à porta.
Mas então Yukio voltou.
Ele segurava um prato com um misto quente dourado e crocante, e na outra mão, um copo de suco de laranja. Ele se sentou novamente, sem dizer nada, e deu a primeira mordida.
Hana engoliu em seco.
O som do pão crocante quebrando sob os dentes dele era quase torturante.
— Está bom? — ela perguntou, casual, tentando parecer indiferente.
Yukio a olhou de soslaio, mastigando devagar. Depois de engolir, arqueou a sobrancelha, um brilho de diversão nos olhos.
— Você quer, né?
Hana arregalou os olhos, sentindo o rosto esquentar.
— O quê?! Não! Eu disse que não estava com fome!
— Não foi isso que eu perguntei. — Ele segurou o misto quente na altura dos olhos dela, como se fosse um prêmio. — Você quer. Eu sei que quer.
Ela bufou, cruzando os braços.
— Você é muito convencido.
Yukio riu e, sem dizer nada, partiu o sanduíche ao meio.
Antes que ela pudesse protestar, estendeu uma metade para ela.
— Aqui. Sem desculpas.
Hana hesitou por um segundo, mas então suspirou e pegou o lanche das mãos dele.
— Você é insuportável — resmungou, mas o canto da boca tremia em um sorriso.
— Eu sei — ele respondeu, divertido.
Ela deu a primeira mordida, e o sabor quente e amanteigado explodiu em sua boca. O queijo derretido puxou um fio longo, e ela teve que puxá-lo com os dedos.
— …Nossa.
Yukio riu.
— Bom, né?
Hana fingiu que não ouviu. Apenas continuou comendo, sentindo o arrependimento de antes desaparecer a cada mordida.
Eles ficaram assim por um tempo, sentados na varanda, dividindo o silêncio e o sabor de algo simples, mas que parecia mais significativo do que deveria.
E Yukio, de tempos em tempos, olhava para ela daquele jeito novamente. Como se gostasse da presença dela ali. Como se, talvez, ele quisesse que ela ficasse um pouco mais.
O lanche foi devorado em silêncio, mas não havia nenhuma desconexão no ar. Era como se aquele momento simples, compartilhado com alguém tão inesperado quanto Yukio, tivesse a capacidade de criar uma nova conexão entre eles. Hana, agora satisfeita, levou a última mordida do misto quente e se recostou na cadeira, sentindo o peso da noite sobre ela, mas de uma forma confortável, quase acolhedora.
Yukio, por sua vez, limpava os lábios com a ponta do dedo, e, sem pressa, pegava o copo de suco. Os olhos dele, sempre atentos, pareciam se perder nos próprios pensamentos, mas também não podiam deixar de lançar olhares discretos para Hana.
Quando ele terminou o lanche, pousou o prato na mesa com um leve suspiro.
— Bem, agora que me empanturraram de comida… — Ele sorriu, como se aquilo fosse um segredo compartilhado. — Acho que já é hora de você ir, não?
Hana se levantou, ajeitando a saia e tentando evitar o olhar dele que parecia ainda estar fixado nela, como se quisesse mais daquilo, mais daquela noite, mais da presença dela.
Ela sorriu, um sorriso tímido e um pouco forçado, tentando disfarçar o desconforto que sentia por estar prestes a sair daquele espaço tão aconchegante.
— É, já está tarde, e amanhã tenho que acordar cedo.
Ela deu um passo em direção à porta da varanda, mas, antes que pudesse abrir a porta, ouviu a voz dele novamente.
— Espera.
Ela parou, os dedos paralisados na maçaneta, e olhou por cima do ombro.
— Hã?
Yukio estava se levantando da cadeira, já com o casaco nos ombros, e com um sorriso no rosto.
— Eu vou te levar para casa. Não vou deixar você ir sozinha nessa hora.
Hana ficou parada por um segundo, sem saber o que responder. Sentiu seu coração dar um salto no peito, quase como se ele tivesse parado por um instante. Ele iria levá-la para casa?
O sorriso dela se alargou instantaneamente, sem que ela conseguisse esconder a sensação boa que invadiu seu peito. Algo naquele gesto, tão simples, fez com que ela se sentisse importante, como se sua presença fosse valorizada.
Ela se virou lentamente, tentando disfarçar a surpresa, e olhou para Yukio.
— Você… você não precisa fazer isso, Yukio. Eu moro perto, é só uma caminhada.
— Eu sei. Mas é noite, e eu não me sentiria bem se deixasse você ir sozinha. Além disso, você tem uma bicicleta, e eu posso te acompanhar. Não tem problema.
Hana engoliu em seco. Ele estava tão tranquilo, tão natural ao fazer aquele gesto. Nada parecia forçado ou exagerado. Era simplesmente o que ele queria fazer, e ele não parecia esperar nada em troca.
— Tá bom, então… Obrigada — respondeu, com um sorriso genuíno.
Yukio pegou as chaves de sua bicicleta e, sem mais palavras, abriu a porta para ela.
— Vamos lá.
Hana sentiu uma onda de gratidão crescer dentro de si. E enquanto eles saíam para a noite, ela não pôde deixar de pensar no quão diferente aquele momento parecia. Era como se, apesar de todas as razões para que o encontro entre eles fosse apenas uma coincidência passageira, algo maior estava começando a tomar forma. Algo que, ao menos por enquanto, parecia ser só deles.
Enquanto caminhavam juntos pela rua estreita e silenciosa de Kyoto, o som das suas passadas se misturava ao som suave da brisa noturna. A lua se ergueu por trás das nuvens, iluminando o caminho à frente deles, e a sensação de tranquilidade preenchia o ar.
Hana olhou para ele discretamente. Yukio estava à sua frente, com a postura relaxada, os cabelos um pouco bagunçados pela brisa, e a expressão leve, como se aquilo fosse algo totalmente natural para ele.
— Eu nunca pensei que algo assim fosse acontecer — disse ela, sem pensar muito nas palavras, apenas seguindo o fluxo da conversa.
Yukio olhou para ela, um sorriso leve dançando em seus lábios.
— O que você quer dizer com isso?
— Bem… nos conhecemos de forma tão… inesperada. E agora estou aqui, indo para casa com você. — Ela riu, se sentindo um pouco nervosa com a sinceridade de suas palavras. — Não sei… parece tão simples, mas ao mesmo tempo… especial.
Ele a olhou, o brilho nos olhos refletindo algo que ela não conseguia identificar.
— Acho que às vezes as coisas boas da vida acontecem quando a gente menos espera. — Ele fez uma pausa, como se ponderasse sobre suas próprias palavras. — E talvez as melhores coisas venham das coisas simples.
Hana sorriu, sentindo um calor estranho se espalhar por dentro. Ele falava de uma forma tão calma, tão confiante, que até parecia que ele sabia exatamente o que ela estava pensando.
O caminho até sua casa foi curto, mas parecia que o tempo estava se arrastando, como se aquele simples passeio tivesse o poder de estender a noite para sempre. Quando chegaram ao portão da sua casa, Hana hesitou por um segundo, não querendo que a noite terminasse ali.
— Bem… — ela começou, tentando disfarçar a timidez. — Aqui é onde eu moro.
Yukio parou ao lado dela e olhou para o portão. Ele se virou para ela e, com um sorriso suave, disse:
— Eu espero que a gente possa fazer isso mais vezes.
Hana olhou para ele, com o coração batendo mais rápido, e sentiu uma mistura de emoção e felicidade. Era um momento simples, mas algo em sua alma dizia que o que quer que acontecesse a partir dali, a vida dela estava começando a tomar um rumo diferente, um rumo que envolvia mais de Yukio do que ela jamais imaginara.
— Eu também espero. — Ela respondeu, a voz suave.
Ele sorriu mais uma vez, e, antes que ela pudesse se afastar para abrir o portão, ele fez algo inesperado.
Ele deu um passo à frente e a abraçou, de forma rápida, mas apertada o suficiente para que ela sentisse o calor do corpo dele. O cheiro dele, uma mistura de chuva e algo mais, invadiu suas narinas.
— Boa noite, Hana. Fica bem.
Ela fechou os olhos por um momento, absorvendo o abraço.
— Boa noite, Yukio.
E com um sorriso tímido, ela se afastou, abrindo o portão e entrando em sua casa. Quando olhou para trás, Yukio ainda estava ali, parado na calçada, olhando-a. Ela acenou rapidamente, e ele acenou de volta, antes de virar e caminhar de volta para sua bicicleta.
Hana fechou a porta atrás de si, apoiando a testa na madeira fria. O coração ainda batia acelerado, e ela sentia como se a noite tivesse sido algo além de apenas uma noite comum. Algo havia mudado ali, em silêncio, nas pequenas coisas. E ela mal podia esperar para descobrir onde tudo aquilo a levaria.
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Atualizado até capítulo 20
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