Capítulo 03

Cresci em um lar descomunal, onde meu pai nos privava da vida enquanto minha mãe fazia o possível para que vivêssemos. Eu, Deniel e Ella tivemos uma infância incrível, mas conforme fomos crescendo, tudo mudou. Na adolescência, meu pai começou a se rebelar contra qualquer resquício de liberdade que tentássemos ter.

Sempre soube que Deniel era o preferido dele, mas nunca dei importância. Mamãe compensava isso, nos dando amor em dobro, especialmente para mim e Ella. Eu era a mais velha, Deniel tinha dois anos a menos e Ella, sete.

Quando entrei na faculdade aos 18 anos, tudo ficou ainda mais difícil. Meu pai vivia dizendo que eu só estudava e não procurava um emprego, como se buscar uma formação não fosse um investimento no meu futuro. Alegava que duas pessoas não podiam sustentar cinco, mas ao mesmo tempo dava dinheiro para Deniel sem questionar nada. Ele não trabalhava, não estudava, e ainda assim recebia uma mesada diária. Enquanto isso, eu contava moedas para o ônibus e, muitas vezes, ia a pé para a faculdade.

Foi um tormento.

Mas eu resisti. Engoli cada humilhação, cada olhar de desprezo, e me formei. Finalmente, conquistei meu diploma e, com ele, uma oportunidade que mudaria minha vida para sempre.

Foi nesse momento que eu o conheci.

Meu talento me levou até a linha de frente de uma das maiores empresas de arquitetura e engenharia do país. Um sonho que, até pouco tempo, parecia inalcançável. Mas ali estava eu, pronta para me provar.

E foi ali que Fabrizio Salvatore entrou na minha vida.

E mudou tudo.

Até dois meses atrás, eu acreditava conhecer cada detalhe do homem com quem estava prestes a me casar. Mas então, depois de dois anos juntos, Fabrizio decidiu que era a hora certa para me contar que fazia parte de uma das maiores máfias dos Estados Unidos.

E, como se isso já não fosse devastador o suficiente, ainda jogou na minha cara que eu fui subornada para convencê-lo a assinar um contrato.

Sim, eu fiz isso. Mas não porque quis.

Eu fiz porque meu pai me obrigou. Porque ele usou as palavras certas para me manipular, porque me convenceu de que era a única maneira de proteger minha mãe e minha irmã.

Sessenta mil dólares. Foi esse o preço da minha traição. Um dinheiro que deveria servir para pagar as contas e nos tirar do sufoco, mas que meu pai desperdiçou entre cachaça e apostas, como sempre fazia.

E agora, tudo estava desmoronando.

Atravessei o estacionamento da University of Chicago (UChicago) em direção ao meu carro, o vento gelado da tarde bagunçando meus cabelos. Estava exausta depois de mais um dia intenso no meu doutorado em Arquitetura e Urbanismo, mas satisfeita. Cada passo que eu dava nessa jornada acadêmica era a prova de que eu conseguira construir minha vida com minhas próprias mãos.

— Sophia! — A voz animada de Kiara me chamou, me fazendo virar.

— Oi, Kie.

— Preciso de uma carona até a estação. Tenho que chegar em casa antes das sete. É a festa surpresa do papai. Você vai, né?

— Claro. Mas antes preciso de um banho, ou eu realmente te deixaria lá. Ah, e tenho que comprar um presente.

— Sophia, não precisa! Ele não vai se importar.

— Mas eu faço questão.

Entramos no carro, e eu liguei o motor, sentindo o conforto familiar do meu espaço. Nunca fui de ostentar, mas desde que me formei e conquistei minha independência, sempre fiz questão de aproveitar os frutos do meu trabalho. No entanto, isso nunca impediu os comentários maldosos.

Diziam que eu era egoísta. Que eu aproveitara a primeira oportunidade para dar o bote em um homem rico.

Como se eu não tivesse passado noites em claro estudando. Como se cada conquista minha não tivesse sido resultado de suor e esforço.

A verdade?

Eu nunca precisei de Fabrizio para ter os meus luxos. Tudo que eu tenho foi fruto do meu próprio trabalho árduo.

— Meu Deus! Quem me dera ter um desses. — Kiara suspirou, relaxando as costas no banco e deslizando as mãos pelo couro macio do assento.

Ela sempre foi assim—brincalhona, espontânea. Era minha amiga desde o prezinho, uma das poucas pessoas que estiveram ao meu lado em todos os momentos, bons e ruins. Crescemos juntas no mesmo bairro e, apesar de termos seguido caminhos diferentes, nossa amizade nunca mudou.

Ela chegou a se mudar para um apartamento próprio há algum tempo, mas precisou voltar para a casa dos pais quando o pai adoeceu.

— Calma, um dia você chega lá. — Falei, focando na estrada enquanto saía do estacionamento.

— Se Deus quiser, né? Porque só Ele na causa.

Sorri, balançando a cabeça.

— Se quiser, pode colocar uma música.

— Agora sim estamos falando a mesma língua. — Ela pegou o celular e conectou ao Bluetooth, logo enchendo o carro com uma batida animada.

Eu ri. Com Kiara, até um simples trajeto de carro se tornava mais leve.

Kiara mexia no celular, alternando entre as músicas, até que, em meio à batida suave de um R&B qualquer, sua voz veio baixa, mas cheia de curiosidade:

— E o Fabrizio?

Meu corpo ficou tenso no mesmo instante. Mantive os olhos na estrada, mas suspirei, já prevendo a conversa que estava por vir.

— Não sei, Kiara. Não nos falamos há semanas.

— Sério? Tipo, nada, nadinha?

— Nada.

Ela franziu a testa, me analisando pelo canto do olho.

— Sophia, vocês não podem ficar assim pra sempre. Alguém precisa dar o primeiro passo.

Soltei uma risada sem humor.

— E como exatamente eu faço isso? Ele já está tão distante… Parece que nem quer ser encontrado.

— Talvez ele só esteja esperando que você tente.

Balancei a cabeça.

— Ou talvez ele esteja tentando me esquecer.

A verdade era que, por mais que eu sentisse falta dele, eu não sabia como me aproximar. Eu precisava de uma chance para consertar as coisas, mas… e se Fabrizio não quisesse mais isso?

O silêncio tomou conta do carro por alguns instantes, até Kiara soltar um longo suspiro.

— Você ainda o ama, né?

Apertei o volante entre os dedos, sentindo meu coração apertar junto.

— Sempre. — sussurrei.

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