Do fundo do meu coração escuro

ISAAC

O garoto golpeou furiosamente o tronco da árvore, fazendo cortes profundos na casca. Sua raiva era palpável, como se estivesse tentando descontar todas as suas frustrações naquela coisa inocente. Isaac e Neuber, seu parceiro, estavam sobre um galho grosso de uma árvore próxima, observando a cena com uma mistura de curiosidade e preocupação. Neuber, que estava bebendo de um cantil, tentava não cair enquanto ingeria mais álcool.

Isaac, por outro lado, parecia indignado. Como todos eles conseguiam seguir em frente com tanta facilidade? Pensou o garoto, não tinha como simplesmente ignorar o fato de que a rainha havia roubado tudo deles, sua riqueza e família. Ela os jogou no inferno enquanto o reino inteiro penteava suas asas angelicais.

Ele fincou a lâmina da faca no espaço que o separava de seu parceiro. Neuber pegou a faca e a olhou de perto.

— Com o tanto de dinheiro que consegue, já poderia ter comprado algo melhor. — Neuber virou de vez o álcool do cantil na boca.

Isaac rapidamente o agarrou pelo cabelo com a mão esquerda, puxando sua cabeça para trás, e com a direita, recuperou a faca e pôs na garganta de Neuber em uma bruta ameaça.

— Não toca...

— Calma lá, amigo, somos parceiros, lembra? — a voz dele parecia trêmula.

Um verme daqueles ainda se dizia assassino, patético.

— Isso é mais valioso do que qualquer arma. — Isaac o soltou e ficou olhando para a faca torta com o cabo de madeira parafusado.

— O que tem de importante nessa porcaria?

— Foi com ela que eu comecei — Isaac girava a faca lentamente entre os dedos, sentindo a nostalgia o perfurar de maneira agonizante. — Meu pai sempre estava descontando tudo nela, e na gente também. Alguém tinha que fazer alguma coisa.

— A triste história do filho que mata o próprio pai estúpido, isso é mais comum do que você pensa. Por que não está orgulhoso?

— Orgulho, é? — Isaac o entregou um olhar frio.

Uma interrogação brotou no rosto idiota de Neuber e ele deu de ombros.

— Não foi só uma facada, aquela escória levou muito mais... — seus lábios se contraíram em um sorriso meio melancólico. — Helena tentou me parar, mas o garotinho assustado havia morrido, restando apenas uma coisa vazia.

Neuber engoliu em seco e desviou o olhar, parecia surpreso. Isaac nunca o viu em ação, provavelmente não era nem metade do que dizia ser. Neuber virou o cantil de vez, balançou a cabeça e voltou a encarar Isaac.

— Na primeira vítima de um assassino, ele sempre perde o controle. Aconteceu com você também, certo? Esse é o modo de sobrevivência humana, meu amigo.

— Até que você não é tão burro. — Isaac disse, com um sorriso irônico. Falar tais coisas para um bêbado era normal para o garoto. Afinal, ele evitava sentir qualquer coisa que não fosse prazer e ódio. E acordar diariamente sabendo que a culpada por sua desgraça continuava serena e inquebrável o deixava furioso.

O sol se punha lentamente, levando consigo a claridade do dia e dando espaço para a escuridão, a melhor parte do dia. Os dois ficaram ali por um bom tempo, escutando o vento lamber o matagal e as folhas das árvores, escutando até o último pássaro bater as asas.

De repente, dois guardas passaram por ali. Aquele era considerado um local perigoso entre a parte alta da cidade libriana e a parte baixa. Então não era incomum os ver rondando por aí qualquer hora do dia. Um deles se dirigiu ao local mais escuro para se aliviar, enquanto o outro se agachou e puxou a espada para apenas admirá-la.

O uniforme idiota dos guardas era completamente cinzento e possuía o brasão do reino no centro do peito representando um sol e uma lua. Eles estavam bem embaixo do garoto, seria divertido se Neuber caísse em cima de um deles e começasse uma batalha estúpida, mas Isaac preferiu só observar duas presas conversarem.

— Ficou sabendo que daqui a alguns dias a rainha irá sair da capital? — disse o guarda que estava no canto escuro.

— Sério? Faz dois meses desde a última vez que ela colocou o rosto para fora do castelo.

— Pois é, deve estar mais deliciosa do que nunca. — O primeiro guarda se aproximou do que estava agachado. Eles gargalharam.

Guardas eram tão inúteis, mostravam sua autoridade e violência para com a plebe, mas se mijariam e comeriam merda se qualquer nobre com alto status social ordenasse.

— Vamos voltar logo, amanhã teremos que escoltar a princesa para aquelas festas inúteis dos jovens. — Os guardas se retiraram.

Isaac enfiou a mão no bolso e puxou o mesmo papel amarelado que fora um dos assuntos da discussão com Finn. Seu planejamento de três anos. Só lhe restara a vingança.

No papel estavam todas as informações que precisava. A rainha saía para resolver qualquer porcaria política há cada três meses, às vezes dois. O garoto a observou por três malditos anos, como um caçador paciente espia seu alvo sem fazer nenhum barulho.

Ele sabia quantos guardas a acompanhavam, quanto tempo teria para assassiná-la, até porque uma mulher que existia apenas pela beleza não saberia como sobreviver por si mesma.

Para Isaac Saints só restara a vingança. Não havia nenhum motivo para estar ali, para viver ali. Por isso, ele declarou esse como seu último desejo suicida. A vingança seria sua redenção, sua libertação. E ele estava disposto a fazer qualquer coisa para alcançá-la.

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