Do outro lado da cidade…
A casa estava finalmente silenciosa.
Antonella esperou mais alguns minutos deitada, certificando-se de que o pai e Morgana realmente haviam saído. Mesmo assim, não relaxou. O corpo ainda estava tenso, como se a qualquer momento pudesse ouvir os passos pesados do pai voltando pelo corredor.
Mas ele não voltaria tão cedo.
Com cuidado, sentou-se na cama e respirou fundo. O estômago roncou em protesto, lembrando-a de que não comia desde cedo. Seus músculos estavam fracos, o corpo leve demais, como se a qualquer momento fosse desmaiar.
Ela se levantou devagar, apoiando-se na parede para não cambalear.
Abriu a porta com cuidado e espiou pelo corredor. As luzes da sala ainda estavam acesas, e o barulho de notificações de celular indicava que Nora ainda estava acordada.
Antonella sentiu um gosto amargo na boca.
Sempre preferia que ninguém estivesse por perto quando ia comer. Mas não tinha escolha.
Respirou fundo e caminhou até a cozinha.
A mesa ainda tinha os restos do jantar, os pratos sujos largados como se alguém esperasse que ela fosse limpá-los mais tarde. O cheiro da comida era quase cruel, tão próximo, mas sempre fora de seu alcance quando os outros estavam por perto.
Ela pegou um prato e abriu a panela no fogão. Ainda havia um pouco de comida.
Serviu-se rapidamente e se sentou na ponta da mesa.
Começou a comer em silêncio, tentando ser o mais discreta possível. Mas não demorou muito para ouvir a voz irritante de Nora.
NORA: (desdenhosa, sem tirar os olhos do celular) — Você parece um rato esperando o lixo ficar livre pra atacar.
Antonella sentiu o garfo tremer em sua mão, mas não respondeu.
Nora bufou, claramente irritada com a falta de reação.
NORA: (arqueando uma sobrancelha) — Não vai dizer nada?
Antonella continuou mastigando, sem levantar o olhar.
NORA: (revirando os olhos) — Tanto faz.
O silêncio voltou, mas o desconforto ficou.
Antonella terminou de comer o mais rápido que pôde, lavou o prato sem fazer barulho e voltou para o quarto, sem olhar para a meia-irmã.
Não importava o que Nora dissesse ou fizesse.
Ela já estava acostumada a ser invisível naquela casa.
O puxão brusco em seu braço foi a primeira coisa que Antonella sentiu.
Seus olhos se abriram em um sobressalto, o coração disparando no peito antes mesmo de sua mente entender o que estava acontecendo. A escuridão do quarto foi rapidamente tomada pela silhueta rígida e intimidadora de seu pai, parado ao lado da cama, os dedos apertando seu braço com força.
PAI: (duro, com voz grave) — Quem te deu permissão para comer?
O medo subiu pela espinha de Antonella como um choque.
Seus lábios estavam secos, e o gosto amargo do medo se misturava com a lembrança do jantar que, até poucos minutos atrás, parecia algo insignificante.
Então, ela entendeu.
Nora.
Claro que fora Nora.
A garota devia ter esperado até que o pai voltasse para abrir a boca, se deliciando com a ideia de ver Antonella pagar pelo “erro” de se alimentar.
Antonella tentou puxar o braço, mas a força do pai era esmagadora.
ANTONELLA: (baixo, tentando manter a calma) — Eu… eu só comi o que sobrou.
A resposta não ajudou.
O pai apertou ainda mais o braço dela, fazendo-a soltar um pequeno gemido de dor.
PAI: (sussurrando, ameaçador) — A comida dessa casa não é para você pegar quando bem entender.
Antonella sentiu a respiração acelerar, a impotência queimando dentro dela.
Não adiantava argumentar. Nunca adiantava.
Ele finalmente soltou seu braço com um empurrão que a fez cair de lado na cama.
PAI: (frio, distante) — Da próxima vez, passe fome.
Sem mais nada a dizer, ele saiu do quarto, fechando a porta com força atrás de si.
Antonella permaneceu ali, deitada, os olhos fixos no teto.
O peito subia e descia rapidamente, o coração batendo descontrolado.
No outro lado da casa, ela ouviu Nora rir baixinho.
A humilhação queimou sua pele como fogo.
Ela cerrou os punhos, sentindo a raiva se misturar com o cansaço.
Era sempre assim.
Mas um dia…
Um dia, ela sairia daquela casa.
E quando isso acontecesse, nunca mais olharia para trás.
Sentada na sua cama, Antonella se pega lembrando de sua mãe olhando sua foto o pensamento a corroía há anos, mas Antonella nunca ousara dizê-lo em voz alta.
Sua mãe não tinha se suicidado.
Ela sabia disso.
Desde criança, ouvira sussurros, comentários cortados no meio, olhares de pena que ninguém queria lhe explicar. E, no fundo, sempre soube que seu pai estava envolvido.
Ele sempre fora agressivo. Violento. Não importava se era ela ou sua mãe que estava em sua frente—ele não precisava de um motivo para machucar.
A diferença era que sua mãe ainda tentava protegê-la.
E agora, ela não estava mais ali.
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Atualizado até capítulo 80
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