AZIRREL : Quando o Amor Se Perde
Era uma tarde de outono, daquelas em que as folhas caem das árvores formando um tapete dourado na praça. Eu estava sentada em meu lugar de sempre, sob o carvalho mais antigo, com meu livro favorito entre as mãos. As palavras impressas naquelas páginas me transportavam para mundos tão distantes que, por vezes, eu esquecia onde estava. Foi então que o vi pela primeira vez.
Ele surgiu do outro lado da praça, com passos lentos e distraídos. Era ruivo, o tipo de ruivo que parece arder sob o sol, com a pele branca salpicada por sardas que contornavam seu rosto de maneira curiosa, quase poética. Mas o que mais me chamou atenção foram seus olhos. Eram verdes, de um tom tão profundo que, por um momento, me perdi neles, mesmo à distância.
Ele tinha um sorriso elegante, daqueles que surgem sem esforço, quase como se fosse a forma natural de seus lábios descansarem. Não era um sorriso largo ou exagerado, mas discreto, como se ele soubesse de um segredo que o mundo inteiro ignorava. E eu, pela primeira vez em muito tempo, senti algo diferente.
Não sei explicar exatamente o que foi. Talvez um frio na barriga, uma aceleração do coração ou apenas a sensação de que algo havia mudado. O mundo ao meu redor pareceu desacelerar, e cada detalhe dele ficou marcado em minha memória como uma pintura viva.
Foi quando ele se aproximou que tudo mudou. Ainda segurava meu livro, mas as palavras naquelas páginas haviam perdido o significado. Ele veio caminhando devagar, como se o tempo fosse seu aliado, não seu inimigo. Notei que seus olhos verdes estavam fixos no banco ao lado do meu, e meu coração acelerou como se já soubesse o que estava por vir.
Sem cerimônias, ele sentou-se ao meu lado. Não tão perto que invadisse meu espaço, mas próximo o suficiente para que eu sentisse sua presença. Por um momento, pensei que ele fosse apenas mais um dos muitos frequentadores da praça, alguém que se acomodaria e logo mergulharia em seus próprios pensamentos. Mas ele me surpreendeu.
— Boa tarde — disse ele, com um tom suave, quase musical.
Levantei os olhos do livro e olhei para ele. Sua pele clara refletia a luz do fim de tarde, e as sardas em seu rosto pareciam formar um mapa único, como uma constelação exclusiva. Ele me encarava com um sorriso que parecia ter sido desenhado para desconcertar.
— Boa tarde — respondi, um pouco hesitante, mas incapaz de conter um leve sorriso que escapou de mim.
Houve um breve silêncio, mas não daqueles desconfortáveis. Era como se ele estivesse aguardando, com paciência, o momento certo para continuar.
— Gosta de ler? — perguntou, gesticulando levemente para o livro em minhas mãos.
Assenti, segurando o livro um pouco mais firme, como se aquilo fosse minha âncora.
— Gosto muito. É uma forma de fugir e descobrir ao mesmo tempo — respondi, percebendo que minha voz estava mais suave do que o habitual.
Ele inclinou ligeiramente a cabeça, como se ponderasse sobre minha resposta.
— Isso é fascinante. Fugir para descobrir... Nunca pensei dessa forma, mas faz todo sentido. — Seu sorriso aumentou, e eu senti um calor subir pelo rosto.
E ali estávamos, dois estranhos em uma praça, compartilhando um momento simples, mas que parecia carregado de algo maior. Quando ele voltou a falar, me contou que costumava vir àquela praça para observar as pessoas, imaginar suas histórias, e agora parecia interessado na minha.
Aquele início de conversa poderia ser banal, mas para mim foi o início de algo que, até hoje, não consigo descrever completamente. A sensação era de que ele já fazia parte da minha história, mesmo que eu o tivesse conhecido apenas naquele instante.
Ele parecia curioso, mas sem pressa. Como se cada palavra que eu dissesse fosse uma peça de um quebra-cabeça que ele queria montar. Não era comum para mim me sentir tão à vontade com alguém que acabara de conhecer, mas havia algo nele – talvez o tom calmo da voz, ou a forma como seu sorriso parecia sempre à espreita – que me fazia baixar a guarda.
— Sou Laís — acabei dizendo, estendendo a mão para ele, como se fosse o passo natural naquela conversa.
Ele aceitou meu gesto, apertando minha mão com firmeza, mas sem exagero. Seus dedos eram quentes e ligeiramente ásperos, como quem trabalha com as mãos, talvez escrevendo, talvez pintando.
— Azirrel — respondeu ele, com uma pausa breve, como se quisesse ver minha reação ao nome.
E eu reagi. O som do nome dele era diferente, quase musical, algo que não se ouve todo dia. Minha curiosidade se acendeu instantaneamente.
— Azirrel? — repeti, saboreando o som. — É um nome lindo. Nunca ouvi nada parecido.
Ele deu um sorriso que parecia ainda mais sincero, quase tímido, como se não estivesse acostumado a receber elogios.
— Obrigado. É um nome antigo, um pouco fora do comum, mas gosto dele. E combina comigo, acho.
— Combina, sim — murmurei antes que pudesse me conter. E ele pareceu notar.
Continuamos conversando, o tema logo deslizando para livros e histórias. Descobri que ele tinha uma paixão imensa por literatura, mas não apenas por ler; ele escrevia também. Seus olhos brilhavam enquanto me contava sobre os mundos que criava, personagens que pareciam tão reais para ele quanto as pessoas ao nosso redor na praça.
— E você? — perguntou. — O que gosta de ler?
Contei-lhe sobre meu gosto por romances cheios de emoção, livros que exploravam os pequenos detalhes das relações humanas. Ele ouviu tudo com atenção genuína, intercalando comentários inteligentes, como se estivesse realmente interessado em tudo que eu dizia.
Quando o sol começou a se pôr, o céu pintado de laranja e rosa, ele hesitou por um momento antes de falar:
— Eu adoraria conversar mais com você, Laís. É raro encontrar alguém com quem eu possa compartilhar essas coisas. Posso... — Ele pareceu ponderar como formular a frase, mas depois apenas sorriu de lado. — Posso anotar seu número?
Meu coração acelerou, mas, para minha surpresa, minhas mãos estavam firmes quando peguei meu celular e troquei contatos com ele.
— Quero ouvir mais sobre seus livros, Azirrel — confessei enquanto guardava o aparelho.
Ele levantou-se do banco, pronto para partir, mas não sem antes me lançar um último sorriso.
— Prometo que vamos conversar mais. Foi um prazer te conhecer, Laís.
Enquanto ele se afastava, percebi que havia algo nele – na presença dele, no jeito dele – que parecia ter plantado uma nova história dentro de mim. E, pela primeira vez em muito tempo, fechei o livro em minhas mãos sem sentir pressa para reabri-lo. A vida, naquele momento, parecia mais interessante do que qualquer ficção.
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Atualizado até capítulo 21
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