Cheguei em casa ainda com o sorriso bobo no rosto, revivendo cada detalhe do encontro com Azirrel. A sensação de algo novo e promissor pairava sobre mim, como se o mundo tivesse ganhado novas cores. Mas, assim que abri a porta da sala, tudo isso desmoronou.
Lá estava ele, meu pai, sentado no sofá. Ao lado dele, uma mulher. Ela era mais jovem, talvez na casa dos 30, com um sorriso forçado e roupas que pareciam escolhidas para impressionar. Eles riam juntos, de algo que ela disse, como se fosse a coisa mais natural do mundo. Meu coração disparou, mas dessa vez não era por encanto, e sim por raiva.
— O que está acontecendo aqui? — minha voz saiu alta, trêmula.
Meu pai olhou para mim, surpreso, talvez chocado por eu ter chegado tão cedo. Ele tentou falar, mas nenhuma palavra saiu. A mulher ficou visivelmente desconfortável, ajeitando o cabelo nervosamente.
— Quem é ela, pai? — perguntei, sem conseguir conter o tom de acusação.
— Laís, calma... Não é o que você está pensando — começou ele, mas a desculpa soou vazia, como todas aquelas frases prontas que só pioram a situação.
Eu ri, mas foi um riso amargo, cheio de incredulidade.
— Não é o que eu estou pensando? Então por que ela está aqui? Por que você está rindo com ela, como se fosse normal?
Ele abriu a boca para responder, mas eu não esperei. Senti as lágrimas queimarem meus olhos, mas não as deixei cair. Apenas subi correndo as escadas, batendo a porta do meu quarto com força suficiente para fazer a casa tremer.
Do lado de dentro, joguei minha mochila no chão e me sentei na cama, o coração martelando no peito. Aquela cena não fazia sentido. Não era o meu pai, o homem que sempre admirei, que sempre parecia tão dedicado à minha mãe, à nossa família.
Alguns minutos depois, ouvi passos no corredor. Meu pai bateu na porta, com suavidade, como se isso pudesse apagar o que tinha acontecido.
— Laís, posso entrar? — ele perguntou, a voz baixa, quase um sussurro.
— Não! — gritei de volta.
Mas ele entrou mesmo assim, fechando a porta atrás de si. Ele parecia cansado, a culpa estampada no rosto.
— Laís, por favor, me escuta. Eu... Eu cometi um erro.
— Um erro? — eu rebati, encarando-o. — Um erro é esquecer um compromisso, pai. Isso... Isso é trair a mamãe.
Ele suspirou, passando a mão pelo rosto, e sentou-se na beirada da cama.
— Eu sei. E eu não estou tentando justificar o que fiz. Foi um momento de fraqueza, algo que nunca deveria ter acontecido.
— Então por que aconteceu? — eu perguntei, tentando manter a voz firme, mas sentindo as lágrimas ameaçarem cair.
Ele ficou em silêncio por um momento, como se procurasse as palavras certas.
— Eu não sei, Laís. Mas o que eu sei é que sua mãe não pode saber disso. Não agora. Não desse jeito.
Eu o encarei, incrédula.
— Você quer que eu minta para ela?
— Não estou pedindo para mentir — ele respondeu rapidamente. — Só... Só para me dar tempo. Para consertar as coisas.
Houve um silêncio pesado entre nós, e eu finalmente desviei o olhar.
— Eu não prometo nada, pai.
Ele assentiu, levantou-se devagar e saiu do quarto. Assim que a porta se fechou, me joguei na cama, abraçando o travesseiro como se pudesse afogar nele todo o turbilhão que sentia. Meu pai não era o herói que eu pensava. E, pela primeira vez, percebi como a vida real podia ser tão complexa e dolorosa quanto qualquer história de livro.
Ainda sentada na cama, depois que meu pai saiu, minha mente estava em caos. Respirei fundo e, quase por reflexo, peguei o celular na mochila. O aplicativo de chat estava aberto na última conversa que eu havia iniciado com Azirrel, quando trocamos nossos números. Senti uma ponta de esperança ao abrir a tela, esperando que talvez ele tivesse mandado alguma mensagem, algo simples, mas que me tirasse daquele turbilhão.
Nada. Nenhuma mensagem.
Suspirei, tentando não me sentir tola por esperar tanto de alguém que mal conhecia. Coloquei o celular ao meu lado e fiquei olhando pela janela, vendo o dia escurecer lentamente. As luzes da rua se acenderam, uma a uma, enquanto a noite tomava conta.
Pouco depois, ouvi o barulho da porta da frente se abrindo. Era minha mãe, finalmente voltando do trabalho. Ela é policial da Guarda Civil, e as horas no turno eram sempre longas. Mas, mesmo cansada, ela nunca deixava de sorrir quando entrava em casa.
— Laís? — chamou, e logo em seguida subiu as escadas. Quando abriu a porta do meu quarto, aquele sorriso que eu conhecia tão bem estava lá, iluminando seu rosto.
— Oi, mãe — respondi, me levantando da cama.
Ela me abraçou forte, como sempre fazia, mas, ao se afastar, franziu a testa.
— Você está estranha. Aconteceu alguma coisa?
Por um momento, hesitei. Não queria ser eu a responsável por trazer mais problemas para ela. Mas aquele nó na garganta estava me sufocando, e, antes que eu pudesse me conter, as palavras saíram.
— Mãe, eu... Eu vi o pai com outra mulher hoje. Aqui em casa.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, mas para minha surpresa, não pareceu chocada. Na verdade, ela suspirou, como se estivesse aliviada por finalmente ouvir isso de mim.
— Eu sei, Laís. Já sei disso há algum tempo.
— O quê? — perguntei, completamente atônita. — Você sabia? E não fez nada?
Ela sorriu, mas não era um sorriso alegre. Era triste, resignado. Sentou-se ao meu lado na cama e segurou minha mão.
— Laís, o amor entre mim e seu pai acabou há muito tempo. Nós tentamos, por você, pela família. Mas, no fundo, eu sabia que não havia mais nada ali. Ele é um bom homem, alguém que sempre esteve presente, mas... Não é mais meu parceiro.
Fiquei em silêncio, tentando processar aquilo. Era estranho ouvir essas palavras saindo da boca dela, porque sempre imaginei que eles eram... perfeitos juntos.
— Por que você não mandou ele embora? — perguntei finalmente, com a voz baixa.
Ela deu de ombros, os olhos cheios de algo que parecia ser um misto de cansaço e aceitação.
— Porque, de certa forma, ele ainda é parte da nossa família. E mandar alguém embora não é tão simples, Laís. Às vezes, não é por falta de coragem, mas porque você quer que as coisas continuem funcionando, mesmo que de uma forma diferente.
— Mas você não sente nada por ele? — insisti, tentando entender.
Ela balançou a cabeça, ainda sorrindo.
— Não como antes. O amor que tínhamos... acabou. O que resta agora é respeito, e talvez um pouco de comodidade. Mas eu não espero mais nada dele, nem ele de mim.
Aquilo me atingiu como um choque. Meu pai não era mais o herói, mas agora, minha mãe também não era a vítima que eu imaginei. Eles eram apenas duas pessoas comuns, tentando fazer o melhor que podiam, mesmo quando o "melhor" parecia estar desmoronando.
Naquele momento, percebi que as histórias de amor nos livros que eu tanto lia eram bem diferentes da realidade. O amor, no mundo real, era complicado, cheio de camadas e imperfeições. E, por mais doloroso que fosse, talvez fosse isso que o tornava tão humano.
Minha mãe me olhava com uma mistura de alívio e tristeza, como se finalmente estivesse liberando um peso que carregava há anos. Eu não sabia ao certo o que dizer, mas sabia o que sentia. Respirei fundo, me aproximei e a abracei com força, sentindo sua respiração vacilar por um instante antes de me abraçar de volta.
— Mãe, está tudo bem — sussurrei. — Vocês não precisam viver uma mentira por minha causa. Eu já sou maior de idade, tenho 18 anos. Sei que não é fácil, mas acho que... Acho que vai ser melhor assim.
Ela se afastou, o olhar dela procurando o meu, como se quisesse se certificar de que eu estava realmente bem.
— Você tem certeza, Laís? — perguntou, a voz carregada de preocupação. — Eu não quero que isso machuque você.
— Claro que machuca — confessei. — Mas dói mais ver vocês infelizes juntos. Eu amo vocês dois, e isso não vai mudar. Eu prometo.
Ela fechou os olhos por um instante, como se estivesse absorvendo minhas palavras. Quando abriu, o sorriso dela era genuíno, ainda que melancólico.
— Você é mais forte do que eu imaginava, Laís.
Antes que eu pudesse responder, ouvimos passos no corredor. Meu pai estava ali, parado na porta do quarto, com uma expressão incerta, como se não soubesse se devia entrar ou sair.
— Posso... posso entrar? — ele perguntou.
Minha mãe assentiu, e ele entrou, fechando a porta atrás de si. Por um momento, o silêncio entre nós era pesado, mas eu sabia que precisava quebrá-lo.
— Pai, a gente precisa conversar.
Ele suspirou e sentou-se na cadeira ao lado da escrivaninha, parecendo cansado, como se aquele dia tivesse sugado toda a energia dele.
— Eu sei que errei, Laís. E sei que vocês merecem mais do que isso.
— O que a gente merece — comecei, escolhendo as palavras com cuidado — é a verdade. Não precisa fingir mais, pai. Vocês dois não precisam. Eu amo vocês igualmente, mas não acho que seja justo viverem juntos se isso não faz mais sentido.
Minha mãe olhou para ele, e algo silencioso passou entre os dois. Era como se finalmente tivessem chegado a um entendimento que ambos temiam admitir por muito tempo.
— Ela está certa — disse minha mãe, a voz firme. — A gente tentou, mas acabou.
Meu pai abaixou a cabeça, passando as mãos pelos cabelos. Depois de um momento, ele se levantou.
— Vou pegar minhas coisas — disse, a voz rouca.
Ele saiu do quarto, e eu o ouvi abrir o guarda-roupa no quarto ao lado. Minha mãe ficou ali comigo, a mão dela descansando sobre a minha, em um gesto silencioso de apoio.
Pouco depois, ele voltou, uma mala na mão e o olhar pesado.
— Eu vou para um hotel por enquanto — disse. — E vou dar um jeito de organizar tudo depois.
Fiquei em pé, meu coração apertado, mas eu sabia que aquela era a coisa certa a ser feita.
— Pai... — chamei, a voz fraca. Ele se virou para mim.
— Eu amo você, tá? E isso não vai mudar.
Por um instante, ele pareceu prestes a chorar. Ele assentiu, aproximou-se e me deu um abraço apertado.
— Eu também te amo, filha. Sempre.
Com isso, ele saiu pela porta da frente. Eu e minha mãe ficamos na sala, em silêncio, ouvindo o som do carro dele se afastando.
Ela segurou minha mão e olhou para mim.
— A gente vai ficar bem, Laís.
E, naquele momento, apesar da dor, eu soube que ela estava certa. A vida mudaria, mas, de alguma forma, nós ficaríamos bem.
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Atualizado até capítulo 21
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