O sol mal havia nascido quando Lyra saiu de casa. O céu ainda estava tingido de um azul pálido, com os últimos resquícios de estrelas desvanecendo-se lentamente. O frio da manhã a envolveu, mas o peso do que carregava dentro de si era ainda mais avassalador.
Ela não conseguira dormir. As palavras da profecia ecoavam em sua mente como um feitiço inquebrável. A silhueta encapuzada em seu sonho, o fogo, o sorriso cruel... tudo parecia um aviso.
A vila de Valderis ainda dormia, mas ela sabia que os anciões não. Eles certamente já estavam reunidos no templo, decidindo qual seria seu próximo passo. O Véu a escolhera, e agora todos esperavam que ela assumisse um papel que não compreendia completamente.
Suas botas pisavam no chão de terra úmida conforme caminhava pela trilha que levava ao centro da vila. Ao longe, os primeiros sinais de vida começavam a surgir: um ferreiro acendendo sua forja, uma mulher pendurando ervas para secar, algumas crianças correndo entre as casas, seus risos ainda envoltos na inocência da manhã.
Ela parou diante do templo dos anciões. A estrutura de pedra escura erguia-se imponente diante dela, as portas entalhadas com símbolos antigos que pareciam pulsar com energia própria. Inspirou fundo antes de empurrá-las, sentindo o ar carregado de incenso e magia envolver seu corpo.
Os anciões já estavam reunidos. O Ancião Edros, como sempre, ocupava o centro da sala, sua expressão grave. Nymeron estava ao seu lado, o olhar afiado como lâminas de obsidiana. Outros três anciões completavam o círculo, murmurando entre si antes de silenciarem quando Lyra entrou.
— Vejo que não perdeu tempo — comentou Nymeron, avaliando-a de cima a baixo.
— Não há tempo a perder, não é? — Lyra retrucou, cruzando os braços.
Edros assentiu.
— O Véu a escolheu. Agora é hora de entender por quê.
Ele fez um gesto e um dos anciões aproximou-se, trazendo um livro envelhecido com capas de couro desgastadas. Lyra observou enquanto ele o depositava no altar. Os símbolos dourados na capa pareciam brilhar levemente sob a luz das tochas.
— O Livro do Véu — explicou Edros. — Nele, estão registradas todas as profecias passadas. E todas as consequências que se seguiram.
Lyra franziu o cenho.
— Consequências?
— O Véu nunca escolheu ninguém sem um propósito — disse Nymeron, folheando as páginas com cuidado. — Mas aqueles que foram escolhidos... pagaram preços altos.
A bruxa mais velha virou o livro para que Lyra pudesse ver. Gravuras detalhadas mostravam figuras envoltas em sombras, algumas caídas de joelhos, outras cobertas de chamas. Em uma das páginas, um homem segurava o Véu com ambas as mãos, o rosto contorcido em desespero.
— O que aconteceu com eles? — Lyra perguntou, sentindo um nó se formar em sua garganta.
Nymeron fechou o livro.
— Alguns foram consumidos pelo Véu. Outros tentaram usá-lo para mudar seus destinos e acabaram destruindo tudo o que amavam.
Lyra sentiu um arrepio.
— Então... é uma maldição?
Edros a observou por um momento antes de responder:
— Não. Mas também não é um presente. É uma responsabilidade.
Ela desviou o olhar para o altar, onde o pergaminho com a profecia ainda repousava. Sentia sua presença como se fosse uma entidade viva.
— Como posso evitar isso? — perguntou, mais para si mesma do que para eles.
— Aprendendo — disse Nymeron. — Dominando o Véu antes que ele a domine.
O silêncio caiu entre eles. O peso daquelas palavras era quase sufocante.
Lyra sabia que não tinha escolha.
Ela precisava aprender a controlar aquele poder. Ou seria consumida por ele.
***
O treinamento começou naquela mesma tarde.
Nymeron a levou para as catacumbas sob o templo, um labirinto subterrâneo onde a magia antiga ainda permeava as paredes de pedra. O ar era denso, carregado com o cheiro de velas queimadas e pó ancestral.
— O Véu é uma ponte entre o presente e o futuro — explicou Nymeron, acendendo tochas ao longo do corredor. — Mas o futuro não é fixo. Ele muda conforme as escolhas são feitas.
Lyra seguiu a anciã até uma câmara circular no final do corredor. No centro, um pedestal de pedra segurava um espelho negro, sua superfície ondulante como água parada.
— O que é isso? — perguntou Lyra, aproximando-se com cautela.
— Um espelho de vislumbre — respondeu Nymeron. — Ele permite ver fragmentos do que está por vir.
Lyra olhou para seu próprio reflexo distorcido no vidro.
— E o que eu devo fazer?
Nymeron ergueu uma das mãos e murmurou uma palavra em uma língua antiga. O espelho brilhou intensamente, e a imagem de Lyra desapareceu, substituída por algo que fez seu sangue gelar.
Chamas.
Valderis estava em chamas.
Pessoas corriam, gritos ecoavam. Soldados marchavam pelas ruas, suas lâminas brilhando à luz do fogo. No centro do caos, uma figura encapuzada segurava o Véu.
Lyra.
Ela viu a si mesma, olhos brilhando com uma energia que não reconhecia, os lábios curvados em um sorriso que não era seu.
— O que... o que é isso? — perguntou, recuando.
Nymeron observava atentamente.
— Um possível futuro.
Lyra negou com a cabeça.
— Não. Eu nunca faria isso.
— Você pode nunca querer — disse Nymeron. — Mas o Véu não apenas mostra o futuro. Ele pode moldá-lo.
O desespero cresceu dentro de Lyra.
— Então o que devo fazer?
A anciã a encarou, a expressão séria.
— Descobrir se esse é um destino inevitável... ou se você pode mudá-lo.
Lyra olhou novamente para o espelho.
As chamas ainda dançavam diante de seus olhos.
E, no fundo de sua mente, uma pergunta ecoava:
*"O Véu escolheu você... mas será que você pode escolher seu próprio destino?"*
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Atualizado até capítulo 27
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