A noite estava inquieta. O vento sussurrava através das árvores de Avonlea como se carregasse histórias antigas, velhas demais para serem lembradas. Depois do encontro com a sombra, Laura não conseguia descansar. Cada vez que fechava os olhos, a voz da entidade ecoava em sua mente:
"O sangue dos Fitzgerald carrega a marca do acordo."
Sentada à escrivaninha de seu quarto, Laura encarava a vela tremulante ao seu lado. As chamas dançavam na escuridão, projetando sombras nas paredes. Emily insistira para que fossem juntas até a biblioteca na manhã seguinte, mas Laura não podia esperar. Havia algo que ela precisava descobrir naquela mesma noite.
Os Registros Perdidos
Com um suspiro determinado, Laura levantou-se e vestiu um casaco. Pegou uma lanterna e saiu sorrateiramente pela porta dos fundos, atravessando o jardim até a pequena trilha que levava ao antigo escritório de seu avô, uma construção de madeira esquecida nos fundos da propriedade dos Fitzgerald.
A estrutura rangia com o vento, como se protestasse contra sua presença. As janelas estavam cobertas de poeira e as portas de madeira pareciam seladas pelo tempo. Com um pouco de esforço, Laura conseguiu abrir a porta, que rangeu dolorosamente.
O interior cheirava a papel envelhecido e madeira úmida. Havia prateleiras cobertas de livros e caixas empilhadas em um canto. No centro da sala, uma escrivaninha robusta se destacava.
Ela sabia que ali haveria algo.
Começou a vasculhar os documentos, folheando livros antigos e papéis amarelados. Até que, no fundo de uma gaveta secreta da escrivaninha, encontrou um caderno encadernado em couro, com um brasão desgastado na capa.
"Diário de Elias Fitzgerald."
Seu coração disparou.
A História Oculta
Laura abriu o diário com cuidado, sentindo a fragilidade das páginas antigas. A caligrafia era meticulosa e densa, cada linha carregada de peso.
"Ano de 1764. A fome assolou Avonlea, e nossa colheita falhou pelo terceiro inverno consecutivo. O desespero se instalou. As crianças adoeciam, e os homens partiam em busca de novas terras. Temíamos que a cidade morresse antes da primavera."
Ela virou a página, sentindo um frio subir por sua espinha.
"Foi então que ele apareceu. O homem de olhos prateados. Ele se apresentou como um benfeitor, oferecendo prosperidade e segurança. Mas todo dom carrega um preço."
Laura engoliu em seco e continuou.
"O acordo foi selado com sangue. Uma vida para cada geração. Em troca, Avonlea jamais sofreria novamente. Nossa colheita seria farta. Nossa cidade, próspera. Mas uma dívida como essa não desaparece. Ela se acumula, enraiza-se na linhagem. Agora, temo pelo dia em que a cobrança virá."
As mãos de Laura tremiam.
Ela leu mais rápido, virando as páginas amareladas. Elias Fitzgerald descrevia os anos seguintes, o crescimento de Avonlea, a fortuna de sua família e a lenta, mas inevitável, cobrança do pacto. A cada geração, um Fitzgerald era escolhido. Um desaparecimento, uma tragédia misteriosa.
Seu pai nunca mencionara isso. Seus avós também não. Mas ali estava, registrado, como uma maldição que corria em seu sangue.
"O próximo será minha neta. Quando a sombra chamar, ela deverá escolher."
Laura sentiu o mundo girar.
O diário escorregou de suas mãos.
O destino dela havia sido traçado antes mesmo de nascer.
A Escolha Difícil
O silêncio no escritório era opressor. Laura ficou sentada por minutos, tentando processar a verdade. Se Elias estava certo, ela não tinha como escapar.
Mas ela não queria aceitar isso.
Fechou o diário com força e apertou os olhos, sentindo a raiva crescer dentro dela.
— Eu não sou um sacrifício — sussurrou para si mesma.
Mas então, um sussurro percorreu a sala.
"Você sempre foi."
Laura se virou, o coração disparando.
Na porta, envolta na penumbra, a sombra a observava.
— Você já sabe a verdade — a entidade murmurou. — Agora, precisa decidir.
Laura engoliu o medo e ficou de pé, mantendo o olhar firme na presença sombria.
— Eu decido meu próprio destino — disse, sua voz firme, mas o medo escondido em seu peito.
A sombra se moveu lentamente pela sala, como fumaça carregada pelo vento.
— Todos antes de você tentaram. E todos falharam.
Laura respirou fundo.
— Talvez seja hora de alguém quebrar o ciclo.
A sombra não respondeu de imediato. Apenas a observou por longos segundos, como se estivesse avaliando sua determinação. Então, um riso baixo ressoou pelo ar.
— Então veremos, Laura Fitzgerald. Veremos.
E num instante, a sombra desapareceu, como se nunca tivesse estado ali.
Laura ficou sozinha no escritório, o diário ainda apertado em suas mãos.
Ela sabia que não poderia fugir desse destino.
Mas isso não significava que iria aceitá-lo sem lutar.
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Atualizado até capítulo 20
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