Fechei os olhos e respirei fundo, tentando absorver aquele pequeno pedaço de luz. Inspirei novamente, como se o ar pudesse aliviar o peso no peito. Peguei a última nota de dez reais que tinha e fui comprar alguma coisa para comer.
Comprei um cachorro-quente com metade do dinheiro e guardei o troco no bolso. Mastiguei devagar, tentando saborear cada pedaço, como se aquilo fosse o último prazer que o mundo ainda me permitisse. Mas o alívio foi breve. Ao levantar os olhos, vi meu irmão e sua trupe vindo na minha direção.
Engoli o resto do lanche de uma vez, me levantei e dei a volta para evitar o encontro, mas eles não desistiram. Virei o corredor e apertei o passo, mas logo senti que estavam atrás de mim.
A pouca força que me restava se transformou em um impulso desesperado. Corri. Só que não fui muito longe. Fui detido por um corpo robusto — alguém firme, como uma parede viva — que me segurou pelo braço, impedindo a queda e também qualquer tentativa de fuga. Era um dos amigos babacas do meu irmão. Nico, eu acho.
— Boa, Nico! — gritou meu irmão, a voz cheia de uma diversão cruel. — Ei, Milo, vê o que ele tem no bolso.
Milo, outro deles, se aproximou sem pressa. Enfiou as mãos nos meus bolsos, buscando dinheiro, mas aproveitou para me humilhar ainda mais: apertou minhas partes íntimas enquanto revistava. Eu me encolhi, impotente. Ele sorriu quando encontrou o troco do lanche.
— É só isso? — murmurou com desdém.
Eles me soltaram, rindo como se aquilo fosse uma brincadeira qualquer. Fiquei parado por um momento, tentando me recompor, mas tudo o que senti foi um vazio que parecia mais pesado que qualquer soco.
Fui para a aula sem coragem para enfrentar nada. Cada passo parecia ser um esforço monumental. Eu mal conseguia prestar atenção no que acontecia ao meu redor. As palavras dos professores não entravam na minha mente, e a sensação de desconexão aumentava a cada minuto que passava. Eu estava ali, mas não estava realmente ali. Eu era só uma sombra, uma figura que se mecanicamente entre as cadeiras da sala, sem querer que ninguém visse.
Quando a aula terminou, e o sinal tocou, eu caminhei para casa com os pés pesados, os ombros curvados, como se o mundo inteiro estivesse me esmagando a cada passo. Sabia que, em breve, estaria de volta ao lugar onde a dor me aguardava.
Cheguei em casa e, ao abrir a porta, encontrei minha mãe me esperando. Ela estava com o olhar cortante, um cinto de couro nas mãos. O mesmo cinto que ela usava quando estava brava, o mesmo que já me causou tanto sofrimento.
— Então, anda dormindo na escola? — Ela perguntou com voz gelada. — Venha aqui agora.
O que mais eu poderia fazer? Eu sabia que qualquer resistência significaria mais dor. Não tinha escapatória. Apenas caminhei até ela, com o corpo tenso, tentando não mostrar o quanto aquilo me afetava. Ela me puxou pela camisa e me fez ajoelhar, e logo senti a dor do cinto cortando minha pele. Cada golpe era uma lembrança do que eu era para ela — nada. Um nada que estava ali para ser punido.
— E agora vá terminar os afazeres que você não fez de manhã.
Apesar de toda a dor física e emocional, me forcei a terminar meus afazeres: passar as roupas e guardar elas, lavar os banheiros. O peso das tarefas era mais leve do que o peso de cada golpe que minha mãe me dera, mas cada movimento parecia ser uma punição.
Eu tentei ignorar as marcas na minha pele, as marcas que só eu sabia o que significavam. O corpo latejava, mas a dor física era quase um alívio diante do vazio que eu sentia por dentro. Eu já estava acostumado com essa rotina. Passava o dia tentando encontrar algum sentido em meio ao caos, e à noite, no silêncio da casa, tentava não ouvir as vozes de dentro da minha cabeça, que não paravam de me dizer que eu não era suficiente, que eu nunca seria.
O cinto de couro ainda estava na minha mente. A lembrança de como ele cortava a pele, o som do impacto contra meu corpo, ecoava dentro de mim. Eu sabia que, em algum momento, a dor ia passar — mas sabia que logo viria outra. Eu me perguntava se o tempo realmente curava feridas, ou se apenas as escondia, disfarçava o sofrimento até que ele fosse irreconhecível.
Terminei de passar as roupas, lavei os banheiros e guardei tudo com a mecânica de quem já não sente mais nada. Quando terminei, minha mãe estava na sala, sentada com uma expressão que eu não sabia decifrar. Ela olhou para mim por alguns segundos, sem dizer nada. Talvez estivesse esperando algo. Talvez esperasse que eu agradecesse pela surra, ou que me desculpasse por algo que eu não tinha feito. Mas eu não sabia o que dizer. Não sabia o que ela queria de mim.
Eu me movi lentamente em direção ao meu quarto, mas antes que pudesse alcançar a porta, ela gritou:
— Vai comer alguma coisa antes que você desmaie e me dê mais trabalho. Vamos, Alifer!
Fui até a cozinha e mesmo com fome não foi fácil conseguir comer, mas eu sabia que precisava aproveitar quando minha mãe me deixava comer de forma livre — ela e o meu padrasto regulavam a quantia que eu comia e o que eu podia comer e se tivesse alguma guloseima, eu devo ficar bem longe e para beber era só água. Depois que comi e lavei a louça usada, fui para o meu quarto.
Entrei em meu quarto e me joguei na cama, o corpo pesado de dor, mas o coração ainda mais pesado. Eu queria apenas desaparecer, mas não havia lugar para fugir. Não havia lugar onde eu pudesse estar em paz.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Maria Eduarda
mais mais cada capítulo vc me deixa apaixonada
2025-01-13
1
Luciana Billo Altieri
😢😢😢
2025-10-12
1