Capítulo 2

Depois do que pareceu uma eternidade, enxerguei a fachada do colégio. Olhei a hora no relógio que estava no meu pulso — sim, eu usava relógio igual alguém da idade das pedras, porque minha mãe decidiu que eu não tinha direito a ter nada — e, eu tinha dois minutos para entrar. Nem acreditei que tinha conseguido chegar lá e ainda estava vivo. Convenhamos que o termo “vivo” possa soar meio forte, eu estava mais para um zumbi do que para um ser humano.

Corri até o banheiro que para a minha sorte não tinha ninguém e fui até uma cabine, troquei de camiseta para ver se disfarçava o odor de suor, ajeitei as mangas da camiseta — sempre camiseta de manga longa — para esconder qualquer possível marca que não devesse aparecer. Sentei-me no chão da cabine, abracei meus joelhos e só fiquei lá. Nem chorar eu conseguia mais.

Vasculhei a minha mochila para ver se eu achava alguma coisa para comer e para a minha sorte — ou não — encontrei uma pequena maçã quase em decomposição. “Meu estômago já está doendo mesmo…”, pensei, enquanto dava uma mordida na parte que parecia menos estragada. Assim que senti o gosto podre, instintivamente, me inclinei para vomitar, porém eu não tinha muitas alternativas e me forcei a comer aquela maçã estragada.

Escovei os dentes rapidamente e estava indo para a sala quando vi o grupinho do meu irmão vindo na minha direção. “Hoje não, por favor!”, implorei mentalmente. Mas foi em vão. Eles bloquearam o meu caminho.

— Está com pressa, maninho? — dava para ver o sarcasmo e o desprezo na expressão dele.

Tentei forçar uma passagem entre dois amigos do meu irmão, mas também foi inútil e ainda tive que aturar aqueles dois me apalpando. Para ajudar, os efeitos colaterais de comer a maçã podre estavam começando a aparecer e parecia que eu iria vomitar em cima deles. Na hora, eu não consegui decidir se isso seria algo bom ou não.

Eu devia estar mal mesmo, porque o meu irmão mudou o tom.

— Você parece péssimo, Alifer…

Willian se aproximou, a mão levantada em minha direção. Antes mesmo de entender o que ele queria, eu recuei, meu corpo agindo por conta própria.

— S-só… me deixa passar — minha voz era praticamente um sussurro, mas me surpreendi por saber que ainda sabia falar.

Não sei direito o que aconteceu, só sei que eles me deixaram passar. Enquanto eu caminhava em direção a sala de aula não pude deixar de sentir que eles ficaram me olhando.

Entrar na sala foi como passar por um portal para outro mundo. A ausência dos olhares de William e sua turma me proporcionou um alívio imenso. A tensão que me acompanhava pareceu dar uma trégua e me inclinei sobre a carteira. Depois disso, tudo o que me lembro era da professora me acordando.

— Alifer? Alifer?

A voz dela era suave e gentil.

— Você está se sentindo bem? Teus colegas me disseram que você está dormindo desde a primeira aula.

A professora Luísa era gente boa e era a única que parecia não ter desistido de mim. Ela puxou uma cadeira e se sentou ao meu lado.

— Alifer, quer me contar o que está acontecendo? — Neguei com a cabeça e ela prosseguiu. — Cada dia que passa você está mais abatido…

Os olhos castanhos de Luísa me observavam com uma gentileza que me tocava profundamente.

— Eu sei que às vezes parece que ninguém entende o que a gente está passando — ela continuou, mantendo a voz calma e acolhedora. — Mas você não precisa carregar tudo sozinho. Às vezes, falar ajuda. Mesmo que seja só um pouquinho.

Pisquei algumas vezes, tentando afastar as lágrimas que ameaçavam cair. Como se percebesse, a professora Luísa esperou em silêncio, respeitando meu tempo. A sala de aula estava quase vazia, e o som distante de risadas do corredor parecia vir de outro mundo. Um mundo do qual eu sentia que não fazia mais parte.

— Não é nada… — murmurei, minha voz quase inaudível. Mas não convenci nem a mim mesmo.

— Alifer, eu tô aqui para ouvir. Sem julgamentos — ela disse, inclinando-se um pouco para frente. — Pode ser sobre a escola, a casa, ou qualquer outra coisa. Eu só quero que você saiba que tem alguém do seu lado.

Fechei os olhos por um momento, tentando reunir coragem para dizer algo. As palavras estavam presas na garganta há muito tempo, como um nó impossível de desfazer. Mas o olhar dela, cheio de compreensão e paciência, parecia quebrar lentamente as barreiras que eu havia construído.

— É difícil… — soltei, finalmente, em um sussurro.

— Eu sei que é — ela respondeu, suave. — Mas você não está sozinho. Me conta o que está doendo.

Fiquei em silêncio. As palavras estavam ali, presas em algum lugar dentro de mim, mas não consegui soltá-las. A professora Luísa não insistiu. Ela apenas respirou fundo e continuou ali, sentada ao meu lado, como se aquele silêncio fosse o suficiente por enquanto.

O tempo parecia ter parado. A sala estava vazia, as carteiras desalinhadas, e a luz fraca do fim da tarde atravessava as janelas em linhas douradas. O som distante do mundo fora da sala de aula continuava, mas ali dentro era como se estivéssemos isolados do resto.

— Tudo bem — disse Luísa, depois de alguns minutos. Sua voz era serena, sem pressa. — Às vezes, o silêncio diz mais do que qualquer palavra. Eu não vou a lugar nenhum, Alifer. Quando você quiser conversar, eu estarei aqui.

Ela se levantou devagar, arrastando a cadeira com cuidado, como se não quisesse perturbar aquele momento. Antes de sair, me lançou um último olhar, carregado de algo que parecia esperança.

— Cuide de você, tá bom? — completou, num tom quase sussurrado.

Eu apenas balancei a cabeça, sem coragem de encará-la. Quando a porta se fechou atrás dela, o vazio da sala pareceu se multiplicar. Ainda assim, algo na presença dela havia deixado uma marca. Era como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém tivesse visto através da minha armadura — uma armadura em ruínas, diga-se de passagem. — Alguém que não tinha desistido de mim.

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Maria Eduarda

Maria Eduarda

posta mais capítulos

2025-01-13

1

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