O céu estava tingido de tons alaranjados quando voltei para casa, após meu tempo na Rua Cipreste. As sombras das árvores se alongavam, e o som distante de passarinhos se recolhendo em seus ninhos era tudo o que me acompanhava. Quando a Mansão Martins apareceu à minha frente, imponente como sempre, percebi que algo estava diferente. As luzes de quase todas as janelas estavam acesas, e havia um frenesi incomum no ar.
Assim que entrei, confirmei minhas suspeitas. Todos pareciam correr de um lado para o outro, carregando travessas de prata, flores e peças de decoração que eu nunca tinha visto antes. O piso de mármore refletia o brilho dos candelabros, que haviam sido polidos até cintilar. Ninguém sequer notou minha chegada. Nem mesmo Clara, que estava sempre à espreita para me questionar sobre onde eu tinha ido.
Ao pisar no primeiro degrau da escada, ouvi a voz autoritária e inconfundível de Isabel ecoar pela entrada.
— Helena! Jantar com os Morales às 19h. Não se atrase e esteja impecável!
Olhei por sobre o ombro e vi Isabel parada ao pé da escada, com um vestido azul marinho de cetim que parecia ter saído direto de uma revista de moda. Seus cabelos, perfeitamente presos em um coque elegante, brilhavam sob a luz dourada do salão. Sua postura era impecável, como sempre, e seus olhos carregavam um ar de superioridade.
Apenas assenti com a cabeça, sem vontade de discutir, e continuei subindo para o meu quarto. Quando fechei a porta atrás de mim, soltei um suspiro profundo. Deitei-me na cama, encarando o teto, tentando acalmar a mente antes do inevitável encontro que se aproximava.
Não demorou muito para que o relógio marcasse 19h. Já vestida com um longo vestido em tons de verde-oliva, ajustado na cintura e com detalhes bordados em dourado, desci as escadas. Meu cabelo, que normalmente caía em ondas rebeldes, havia sido cuidadosamente arrumado em um penteado simples, mas elegante. Assim que cheguei à recepção, encontrei Isabel e Clara já posicionadas perto da entrada principal. Minha mãe, com seu sorriso ensaiado, ajustava o colar de pérolas em seu pescoço, enquanto meu pai verificava o relógio de bolso com frequência.
— Finalmente! — murmurou Isabel, avaliando-me de cima a baixo. — Está apresentável, pelo menos.
Ignorei o comentário e me posicionei ao lado de Clara, que parecia mais nervosa do que nunca. Seus dedos brincavam com a barra de seu vestido lilás, e seus olhos estavam fixos na porta, como se cada segundo que passava aumentasse sua ansiedade.
Quando o grande relógio da sala marcou exatamente 19h15, a porta foi aberta por um dos empregados e os convidados finalmente entraram.
O primeiro a cruzar o limiar foi o Sr. Morales, um homem de presença marcante. Ele tinha cerca de cinquenta anos, com cabelos grisalhos bem penteados e um sorriso confiante que parecia ter sido moldado para ocasiões como essa. Usava um terno preto perfeitamente ajustado, com uma gravata de tom vinho que contrastava com a camisa branca impecável.
Ao lado dele estava Daniel, seu filho mais velho. Daniel tinha um ar despreocupado e charmoso. Seus cabelos castanhos levemente despenteados pareciam combinar com seu sorriso fácil e olhos castanhos brilhantes, que avaliavam o ambiente com curiosidade e animação. Ele cumprimentava a todos com naturalidade, como se fosse amigo de longa data.
Atrás de Daniel, vinha Miguel, o segundo filho. Em contraste com o irmão, Miguel exalava seriedade. Seu semblante era fechado, e os olhos azuis pareciam calcular cada detalhe ao seu redor. Ele tinha os cabelos mais escuros e bem cortados, e seus ombros largos davam-lhe uma aparência ainda mais imponente. Embora não sorrisse, sua postura era impecável e sua presença, inegavelmente forte.
Por último, entrou a matriarca da família, Dona Consuelo Morales. A avó dos jovens era uma mulher baixa e esguia, mas sua postura ereta e o olhar atento deixavam claro que sua pequena estatura em nada diminuía sua autoridade. Usava um vestido preto de veludo, com joias discretas, mas sofisticadas. Ao seu lado, um jovem rapaz que devia ser o filho mais novo da matriarca. Era magro e parecia deslocado, olhando para os cantos da sala como se preferisse estar em qualquer outro lugar.
— Senhor Martins, é uma honra estar aqui — disse o Sr. Morales, apertando a mão de meu pai com firmeza.
— A honra é toda nossa — respondeu meu pai, sorrindo. — Por favor, entrem e fiquem à vontade.
Enquanto as apresentações eram feitas, fiquei em silêncio, observando cada um dos membros da Casa Morales. Daniel parecia o mais acessível, sorrindo para Clara e Isabel de forma descontraída, enquanto Miguel mantinha sua expressão séria, apenas acenando educadamente para cada um de nós. Dona Consuelo me lançou um olhar demorado, como se estivesse me avaliando, mas não disse nada.
Quando finalmente fomos conduzidos à sala de jantar, percebi o esforço que minha mãe havia colocado na decoração. A longa mesa de madeira estava adornada com um jogo de porcelana fina e castiçais de prata, cujas chamas das velas lançavam um brilho suave sobre a sala. Um arranjo de flores brancas e douradas ocupava o centro, exalando um perfume delicado que se misturava ao aroma dos pratos que seriam servidos.
Sentamo-nos em nossas cadeiras, cada um ocupando seu lugar designado. Eu, para meu desconforto, fiquei posicionada entre Daniel e Miguel.
— Então, Helena, é um prazer conhecê-la — disse Daniel, virando-se para mim com um sorriso tão brilhante que quase me cegou. — Parece que você é a mais jovem das irmãs Martins, certo?
— Sim, sou a caçula — respondi, tentando soar educada, mas mantendo minha postura reservada.
— Helena é mais reservada, mas tem um talento incrível com as palavras — interrompeu Isabel, lançando-me um olhar que parecia um aviso para que eu fosse mais receptiva.
— Ah, então é uma escritora? — perguntou Daniel, animado.
— Algo assim — murmurei, sem querer prolongar a conversa.
Enquanto isso, Miguel permanecia em silêncio, mas eu podia sentir seus olhos em mim, analisando cada movimento. Quando nossos olhares se encontraram brevemente, senti um calafrio percorrer minha espinha. Havia algo em seu olhar que parecia carregar mais do que apenas curiosidade; era como se ele estivesse tentando desvendar quem eu era, além do que as formalidades mostravam.
O jantar prosseguiu com conversas amenas e troca de elogios entre meu pai e o Sr. Morales. Clara, embora visivelmente nervosa, esforçava-se para interagir com Dona Consuelo, que, apesar de sua expressão rígida, respondia com um leve sorriso de aprovação.
No entanto, foi Daniel quem roubou a cena. Ele era hábil em manter a conversa leve e interessante, e até mesmo conseguiu fazer Clara soltar algumas risadas nervosas. Miguel, por outro lado, continuava em silêncio, contribuindo apenas com comentários pontuais e diretos.
Ao final do jantar, enquanto os criados retiravam os pratos, percebi que a presença dos Morales havia alterado completamente a dinâmica da mansão. Havia algo intrigante naquela família, algo que eu não conseguia decifrar completamente.
Enquanto nos despedíamos na entrada, Daniel inclinou-se levemente em minha direção e disse:
— Foi um prazer conhecê-la, Helena. Espero que possamos conversar mais em breve.
Miguel, por outro lado, apenas acenou de forma contida, mas antes de sair, lançou-me um último olhar que parecia carregar um significado oculto.
Quando a porta finalmente se fechou e o silêncio voltou à mansão, senti como se o ar estivesse mais leve. Mas, ao mesmo tempo, sabia que a chegada dos Morales marcava o início de algo que poderia mudar tudo.
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Atualizado até capítulo 83
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