O sol da manhã parecia ainda mais forte naquela sexta-feira, e Laila sentia o peso das semanas que haviam se passado desde que começou a trabalhar na loja de tecidos. Ela já estava mais adaptada à rotina, mas algo em seu coração ainda não se acomodava. A saudade de casa, da sua terra devastada, ainda a consumia em silêncio. Cada vez que olhava para as crianças brincando nas ruas, lembrava-se da infância que perdera, das histórias contadas por sua mãe e do cheiro do pão fresco saindo do forno de sua casa na Síria.
Hoje seria um dia diferente. Jamil havia sugerido que ela fosse à feira local para comprar alguns ingredientes típicos, uma maneira de trazer um pedaço de sua cultura de volta. Laila sentia falta das comidas que sua mãe preparava, das tardes passadas na cozinha, e pensava que talvez isso ajudasse a amenizar a saudade.
Rami estava na escola quando Laila saiu para o mercado. O bairro estava mais movimentado do que nunca, e ela se viu cercada por um mar de rostos desconhecidos. No começo, as pessoas a olhavam com curiosidade, mas logo ela se acostumou com o olhar distante de quem não a conhecia. Ela comprou algumas frutas e legumes, observando os preços e tentando se ajustar à nova realidade.
Ao passar por uma banca de temperos, seus olhos brilharam. Era como se aquele lugar tivesse o poder de trazê-la de volta para casa. O cheiro das especiarias árabes invadiu suas narinas, e ela sentiu uma nostalgia tão forte que quase não conseguiu segurar as lágrimas. Era como se, por um momento, estivesse em sua cozinha, com sua mãe ao seu lado, preparando algo delicioso para a família.
Enquanto fazia a compra, um homem se aproximou. Laila não percebeu imediatamente, mas quando olhou para ele, reconheceu-o. Era o homem que, na primeira vez em que chegou ao Brasil, a olhou com tanto interesse no aeroporto. Jamil. Ele estava ali, no mercado, com uma expressão preocupada.
"Laila", ele disse com um sorriso gentil, mas os olhos carregavam uma sombra. "Não esperava te ver aqui. Está tudo bem?"
Laila se surpreendeu. “Jamil? O que você está fazendo aqui?”
“Estava procurando algumas coisas para a minha mãe. Eu... quero saber como está indo o trabalho. Como você tem se sentido?” Ele parecia genuinamente interessado, mas havia algo em seu tom que a desconcertava.
Ela olhou ao redor, sentindo a tensão no ar. Não era a primeira vez que ele aparecia de surpresa. Às vezes, ela começava a pensar que Jamil estava mais presente em sua vida do que deveria. Ele a ajudava em tudo, desde encontrar trabalho até oferecer conselhos sobre a adaptação. Mas havia algo em sua postura, algo na forma como ele sempre parecia querer estar ao seu lado, que a fazia questionar suas intenções.
“Eu estou indo bem, Jamil”, respondeu Laila, tentando não deixar transparecer o desconforto que sentia. “O trabalho tem sido difícil, mas estou começando a me acostumar. E você? Como está?”
Jamil parecia hesitar antes de responder, o sorriso suave desaparecendo por um momento. “Eu... estou indo. A vida aqui não é fácil para nenhum de nós. Mas, Laila, gostaria de conversar com você sobre algo. Não aqui, no mercado. Podemos nos sentar?”
Laila ficou em silêncio, a mão ainda segurando a sacola de compras. Ela não sabia o que pensar. Jamil era, sem dúvida, alguém que tinha mostrado muita bondade, mas a presença constante dele começava a deixá-la inquieta.
“Claro”, ela disse finalmente. “Mas só um momento. Eu preciso terminar de comprar algumas coisas.”
Enquanto Laila finalizava suas compras, seu coração batia mais rápido. Não sabia o que Jamil queria conversar, mas sentia que a conversa seria importante. Depois de alguns minutos, os dois caminharam até um pequeno café próximo à feira. O ambiente estava tranquilo, com poucas pessoas ao redor, e a conversa entre eles parecia ser algo que só podia acontecer naquele momento de relativa calma.
Após se sentarem, Jamil olhou para Laila com uma seriedade que ela não havia visto antes. “Laila, sei que você está enfrentando muitas dificuldades. Eu vejo como você luta todos os dias, tentando se adaptar e encontrar seu lugar aqui. Quero que saiba que pode contar comigo para tudo. Eu... realmente quero ajudar você e Rami.”
Laila olhou para ele, tentando entender o que ele queria dizer com aquelas palavras. Havia algo mais ali, algo que ela não conseguia identificar. “Jamil, você já me ajudou muito. E sou grata por isso. Mas... às vezes, sinto que você está fazendo mais do que precisa. Eu... não quero ser um peso para você.”
Jamil respirou fundo, como se estivesse se preparando para algo que não queria dizer. “Laila, eu quero que você saiba que minha ajuda não tem nada a ver com peso. Eu...” Ele hesitou novamente, seus olhos fixos nos dela. “Eu me preocupo com você. Com você e Rami. Não estou aqui só por causa da sua situação. Eu me sinto... conectado a vocês. Quero que saibam disso.”
O silêncio se fez entre os dois. Laila sentiu o peso das palavras de Jamil, e algo dentro de si começou a se mexer. Ela sabia que ele era uma pessoa boa, mas o que ele estava dizendo começava a soar diferente. Como se ele quisesse algo mais do que apenas ajudá-la.
“Jamil...” Laila começou, mas não sabia como continuar. O que ela poderia dizer? Ela sentia uma ligação com ele, sem dúvida, mas algo em seu coração lhe dizia que não era o momento certo para aquilo. Que ela não estava pronta para se abrir dessa maneira.
“Laila, eu... não quero te pressionar. Só estou dizendo que, se precisar de alguém, estarei aqui. Sempre. Não importa o que aconteça”, Jamil disse com um tom suave, quase como um suspiro.
Ela o olhou, tentando entender o que estava acontecendo. No fundo, sentia uma gratidão imensa por ele, mas também uma necessidade de se proteger. Não sabia se estava preparada para um vínculo mais profundo com Jamil, nem sabia se ele realmente estava preparado para algo além de amizade e ajuda.
“Obrigada, Jamil. Eu... eu vou pensar no que você disse.” Laila sentiu as palavras saírem com mais dificuldade do que gostaria. Ela se levantou, tentando disfarçar a confusão em sua mente. “Eu preciso voltar para casa. Rami está esperando.”
Jamil se levantou também, seus olhos fixos nela com uma intensidade que a deixou desconfortável, mas ao mesmo tempo, ela sabia que ele estava sendo honesto. “Tudo bem, Laila. Não precisa se apressar. Eu entendo. Mas saiba que estarei sempre por aqui.”
Enquanto Laila caminhava de volta para casa, sentia que aquele encontro havia mudado algo entre ela e Jamil. Havia um misto de emoções em seu coração: gratidão, confusão e um certo medo do que o futuro traria. Mas ela sabia que uma coisa era certa: as coisas estavam mudando, e ela não sabia se estava pronta para o que viria a seguir.
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Atualizado até capítulo 33
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