CAPÍTULO 1

O trem deslizou pela plataforma como um fantasma, e por um instante me perguntei se realmente deveria descer. A mala estava leve, mas pesava em minhas mãos como uma âncora, e a nova identidade que carregava parecia um papel fino demais para sustentar o peso do meu passado.

Sofia morreu aqui.

Era o que eu me dizia repetidamente. A mulher que desceu daquele trem era outra pessoa, com outro nome. Isabela.

O nome era antigo, mas eu nunca o havia usado. Era da minha avó, uma mulher que morreu antes que eu pudesse conhecê-la. Peguei emprestado seu nome porque ninguém a conhecia nesta cidade, e isso tornava a escolha segura. Ser Isabela era um passo para longe de tudo o que eu tentava esquecer.

A nova cidade não tinha nada de especial. Pequena, esquecida no mapa, do tipo que poucas pessoas escolhem para recomeçar. E foi por isso que eu a escolhi. As ruas de paralelepípedo, as janelas fechadas, o vento arrastando folhas secas pelas calçadas… Parecia um lugar onde segredos podiam se esconder nas sombras sem serem notados.

Caminhei devagar, sentindo os olhos dos poucos moradores me observando enquanto eu seguia pela rua principal. Sabia o que eles pensavam. Uma forasteira. Ninguém se muda para cá sem motivo.

O apartamento que encontrei ficava acima de uma pequena livraria. As paredes eram finas, e o cheiro de papel antigo impregnava o ar. O aluguel era barato e o proprietário, um homem de meia-idade chamado Enrique, não fez muitas perguntas. Ele só queria o pagamento adiantado, e eu estava feliz por isso.

— Não há muitas regras — ele disse enquanto me entregava a chave. — Apenas mantenha as portas trancadas à noite.

Assenti, mas o aviso ficou martelando na minha cabeça.

Mantenha as portas trancadas à noite.

Eu sempre trancava.

As primeiras noites foram longas. O colchão rangia sob meu peso e as cortinas deixavam frestas por onde a luz da rua invadia o quarto. Ficava acordada, ouvindo cada som que o prédio fazia. Cada passo no corredor. Cada batida no vidro da janela.

Eu me levantava várias vezes para checar a porta, girava a chave até sentir que estava firme. Uma vez ouvi passos parando diante do meu apartamento. A luz do corredor foi bloqueada por uma sombra que ficou imóvel do outro lado da porta por tempo demais.

Eu prendi a respiração, segurando a faca que mantinha ao lado da cama.

Mas a sombra se afastou, e o silêncio retornou como uma onda.

Não é ele.

Repeti isso em minha mente até conseguir dormir.

Durante o dia, eu tentava criar uma rotina. Comprava café na padaria da esquina e passava as tardes na livraria de baixo, fingindo ler enquanto observava as pessoas pela vitrine.

Eu precisava de um trabalho, mas me recusava a dar informações pessoais que pudessem ser rastreadas. Enrique, por algum motivo, ofereceu que eu ajudasse na livraria. Pagava pouco, mas me permitia ficar longe de olhares curiosos.

Passei a ser apenas "Isabela, a garota da livraria".

— Você não fala muito, né? — ele comentou certo dia, enquanto organizávamos as prateleiras.

Dei de ombros.

— Prefiro ouvir.

Ele aceitou a resposta com um aceno. Talvez soubesse que eu fugia de algo. Talvez não se importasse.

As semanas passaram, e aos poucos a sensação de perseguição foi diminuindo. Comecei a andar pelas ruas sem olhar para trás o tempo todo. Passei a usar meu nome sem hesitar quando alguém perguntava.

Isabela.

Era quase como se Sofia nunca tivesse existido.

Até que a primeira mensagem chegou.

Eu estava trancando a livraria tarde da noite quando o telefone vibrou no bolso do casaco. A tela iluminou meu rosto no escuro, e por um momento, senti o chão sumir sob meus pés.

"Você achou que podia fugir de mim?"

Meus dedos tremiam enquanto lia aquelas palavras. Olhei para os lados, tentando enxergar através da escuridão da rua, mas não havia ninguém. Apenas carros estacionados e a luz de um poste piscando.

Eu corri até o apartamento.

Tranquei a porta três vezes, passei a corrente e empurrei uma cadeira contra a maçaneta. Sentei no chão, com as costas apoiadas na parede, encarando o telefone como se ele fosse explodir.

Tentei convencer a mim mesma de que era uma coincidência. Que alguém tinha mandado a mensagem errada.

Mas então outra vibração.

"Ainda não acabou."

Meus olhos se encheram de lágrimas.

Eu estava certa. O passado não desaparece. Ele se esconde, esperando que você baixe a guarda.

Victor estava me observando.

Passei os dias seguintes evitando sair. Enrique percebeu minha ausência na livraria, mas não perguntou nada. Talvez soubesse que certas perguntas não têm respostas.

O telefone continuava sobre a mesa, mas eu não o tocava. A tela trincada refletia meu rosto sempre que passava por perto, como uma lembrança de que não importa quantas vezes eu troque de nome ou cidade — o medo sempre me encontra.

Mas desta vez não vou correr.

Eu era Sofia quando fugi. Mas agora sou Isabela.

E Isabela não vai se esconder.

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Comments

Kelyane Maria

Kelyane Maria

Gente que lugar assustador eu não ia morar aí nem se me pagasse

2025-01-18

1

Cacilda Muniz

Cacilda Muniz

alguém sabe o nome do primeiro livro?

2025-02-25

1

Kelyane Maria

Kelyane Maria

Sinto um friozinho na barriga kkk

2025-01-18

1

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