Mina...
O dia passou como todos os outros, uma sequência interminável de atividades planejadas para preencher o vazio. Depois do banho, tomei meu café da manhã na mesa pequena ao lado da janela do quarto, observando as nuvens no céu como se fossem a coisa mais fascinante do mundo. Clara havia trazido ovos mexidos e torradas, acompanhados de um suco de laranja fresco. Não era nada extraordinário, mas eu aprendi a valorizar as pequenas consistências da minha vida.
As aulas com Evelyn começaram logo em seguida. Matemática, literatura, história — tudo pontuado pelas correções meticulosas dela e seus comentários precisos. Às vezes, eu imaginava como seria aprender essas coisas em uma sala cheia de outras pessoas, em vez de confinada aqui, com uma mulher que parecia mais um relógio do que uma pessoa.
Quando a tarde chegou, peguei um livro novo da estante que meu pai havia mandado instalar no meu quarto há alguns anos. Ele dizia que leitura era essencial para minha "formação". Mas, para mim, os livros foram uma fuga. Cada página era uma janela para um mundo onde eu não estava trancada.
Comecei a leitura cheia de entusiasmo, mas, em algum momento, meus olhos começaram a pesar. A voz narrando as palavras na minha mente foi ficando mais lenta até que desapareceu completamente.
Quando acordei, o quarto estava mergulhado em sombras. A luz fraca do abajur ao lado da cama era a única coisa que iluminava o ambiente. Pisquei algumas vezes, ainda tentando me situar, quando ouvi uma batida suave na porta.
— Mina? — Era a voz de Clara. — Trouxe o jantar.
— Pode entrar. — Minha voz saiu rouca, ainda marcada pelo sono.
A porta se abriu, e Clara entrou com a bandeja nas mãos. Ela era a única pessoa que conseguia trazer um pouco de suavidade para essa prisão, mesmo que fosse com gestos pequenos como esse. Seus passos eram silenciosos, e seus olhos sempre pareciam preocupados, como se cada interação comigo fosse um risco calculado.
— Dormiu, não foi? — Ela perguntou com um leve sorriso, enquanto colocava a bandeja na mesa.
— Talvez. — Respondi, passando a mão pelos cabelos bagunçados. — Mas eu precisava.
Ela me olhou por um momento, como se quisesse dizer algo mais, mas acabou desviando o olhar.
— Fiz uma sopa de legumes. Achei que seria bom para hoje. — Sua voz era baixa, quase um sussurro, como sempre.
— Obrigada, Clara. — Peguei a colher e mexi na sopa, observando o vapor subir.
Ela hesitou, ainda perto da porta.
— Se precisar de mais alguma coisa, estarei lá embaixo.
Assenti, e ela saiu sem esperar resposta, fechando a porta atrás de si. Fiquei olhando para a sopa por alguns segundos, o aroma quente me puxando de volta para a realidade. Peguei a colher e dei uma primeira prova, mas meu pensamento já estava em outro lugar.
......................
Oito horas da noite, e eu sentia como se o dia não tivesse sido vivido. Uma rotina sem propósito, um relógio que girava apenas para marcar o tempo perdido. E o pior era saber que o próximo dia seria exatamente igual a este.
O silêncio estava mais pesado do que o normal. Estava deitada na cama, encarando o teto, quando percebi que algo estava... diferente. Não havia o som de passos no corredor, nem o murmúrio distante das conversas dos guardas. Nada além do zumbido fraco do relógio sobre a mesa de cabeceira.
Levantei-me lentamente, o piso gelado contra os meus pés descalços me puxando ainda mais para a realidade. Fui até a janela e puxei a cortina com cuidado. Lá fora, a escuridão engolia o jardim, e as luzes que geralmente iluminavam o caminho principal estavam apagadas. Nem sinal dos guardas que normalmente circulavam pelo perímetro.
Meu coração começou a acelerar. Era estranho demais.
Caminhei até a porta do quarto e a abri devagar, com medo de que qualquer som ecoasse naquele vazio. Espiei para o corredor. Ele estava vazio, as luzes fracas pareciam mais sombrias do que de costume, lançando sombras que dançavam nas paredes.
Não havia ninguém.
Respirei fundo, hesitando por um momento. Era perigoso sair, mas a curiosidade foi mais forte. Dei o primeiro passo para fora do quarto, e o chão sob meus pés pareceu mais frio do que o habitual.
Os corredores estavam vazios, e cada passo meu parecia alto demais. Minha respiração era lenta, mas meu coração batia rápido. Eu olhava para trás a cada segundo, como se alguém pudesse surgir a qualquer momento e me encontrar ali, fora do meu espaço permitido.
Quando cheguei ao topo da escada, parei. Apoiei as mãos no corrimão e olhei para baixo. Era como se a casa inteira estivesse adormecida, mas eu sabia que era mais do que isso.
Fiquei ali, parada, tentando me lembrar de qual era a última vez que andei livremente por aquela casa. Fazia quanto tempo? Meses? Anos? Tentei buscar na memória. Talvez tenha sido antes de minha mãe morrer, quando ainda havia risos nos corredores e a casa parecia viva.
Agora, parecia um mausoléu.
Dei um passo à frente. Olhei ao redor, com o coração na garganta, mas não havia ninguém. Apenas o vazio.
Engoli em seco e continuei descendo, cada passo me aproximando mais de algo que eu não conseguia definir. A liberdade, talvez. Ou o perigo. Eu não sabia.
Tudo o que eu sabia era que o silêncio daquela casa parecia mais ameaçador do que reconfortante, e que, por alguma razão, eu não conseguia parar.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Katia Erica
não sei também eu ficaria assustada
2025-03-13
0
Claudia
O que será que está acontecendo 🤔🤔🧿♾
2025-02-27
0