Mina...
Eu estava correndo. Meus pés descalços batiam contra o chão úmido da floresta, enquanto galhos secos se quebravam sob meu peso. O ar estava gelado, cortante, mas meu corpo queimava. A respiração ofegante e desesperada, e meu coração martelava no peito como se quisesse escapar antes de mim.
Atrás de mim, o som de passos pesados e ramos se partindo parecia cada vez mais próximo. Eu não sabia quem ou o que estava me seguindo, mas sentia o perigo, quase podia tocá-lo.
"Não olhe para trás", dizia uma voz na minha mente, mas era impossível obedecer. Virei o rosto e vi... nada. Apenas sombras densas e intermináveis, como se a floresta fosse feita de escuridão viva. Mesmo assim, a sensação de ser observada me fazia acelerar ainda mais, tropeçando e quase caindo.
Meu peito ardia, minhas pernas tremiam, e lágrimas escorriam pelo meu rosto.
— Por favor, não... — A súplica escapou dos meus lábios em um sussurro, mas ninguém estava lá para ouvir.
De repente, tropecei em algo invisível e fui ao chão. O impacto foi duro, e a dor irradiou pelo meu corpo. Tentei me levantar, mas minhas mãos afundaram na terra molhada, e um peso invisível parecia me pressionar contra o chão.
Ouvi o som de respirações pesadas... ou era a minha própria respiração? Não sabia mais. Apenas sabia que algo estava se aproximando, e eu estava paralisada.
E então, tudo ficou quieto. A floresta, antes cheia de ruídos, mergulhou em um silêncio aterrorizante.
Eu acordei.
O som agudo do despertador arrancou-me do pesadelo, e por um momento, não sabia onde estava. A minha respiração ainda estava descontrolada, e o meu corpo estava coberto de suor. Eu estiquei a mão, desligando-o com um, tapa. Balancei a cabeça me recompondo.
Eram seis da manhã, como sempre. Mesmo trancada nesse quarto, minha rotina seguia imutável, como se minha vida ainda precisasse de algum tipo de ordem.
Levantei-me, vesti a roupa de treino que estava separada no closet — uma calça legging preta e uma camiseta básica cinza — e fui para a sala de exercícios. Pouco tempo depois, ouvi a batida firme na porta.
— Entre. — Minha voz ecoou pelo espaço vazio.
A porta se abriu, revelando Sofia Marini, minha instrutora de defesa pessoal. Ela tinha por volta de 35 anos, cabelos escuros presos em um rabo de cavalo impecável, e uma expressão que nunca deixava transparecer cansaço ou distração. Sofia era a personificação da disciplina, como meu pai gostava de dizer.
— Bom dia, Mina. Pronta? — Ela entrou com passos firmes, fechando a porta atrás de si.
— Estou sempre pronta. — Respondi com um sorriso sarcástico, mas ela não reagiu. Sofia nunca respondia a provocações, e, de certa forma, isso me irritava.
Ela deixou sua bolsa no canto da sala e começou a ajeitar o espaço. Colocou os colchonetes no chão e testou a estabilidade do saco de pancadas, enquanto eu a observava, com os braços cruzados.
— Você sabe que eu nunca vou usar isso, certo? — Comentei, tentando quebrar o gelo que parecia sempre envolver nossas aulas.
— Não estou aqui para discutir suas escolhas, Mina. Estou aqui para te ensinar a sobreviver. — Ela me olhou diretamente, sua voz firme, mas sem agressividade.
Revirei os olhos e me posicionei no centro do colchonete. Ela se aproximou, ajustando minha postura com precisão.
— Coloque os pés mais afastados. Não quero que perca o equilíbrio.
— Equilíbrio... — Ri, sem humor. — Irônico, não acha? Treinar equilíbrio enquanto minha vida está uma bagunça.
Sofia parou por um momento, me encarando como se estivesse decidindo se deveria responder.
— Se sua vida está uma bagunça, então aprenda a controlar. O controle começa com o corpo.
— Fala como se fosse tão simples... — Murmurei, mas ajustei os pés como ela pediu.
Ela começou o treino com golpes básicos: socos, bloqueios e chutes. Seus comandos eram precisos, quase mecânicos, e eu os seguia sem questionar. Apesar de não gostar dessas aulas, havia algo na repetição que me fazia esquecer, pelo menos por um momento, o vazio do quarto ao meu redor.
— Mais rápido, Mina. — A voz de Sofia cortou o ar quando meu movimento hesitou.
— Eu estou indo rápido. — Respondi, ofegante.
— Não rápido o suficiente. E, honestamente, não sei por que você não leva isso mais a sério. — Sua voz agora tinha um tom de irritação.
— Talvez porque, como tudo aqui, não faz diferença. — Respondi, soltando um soco forte no saco de pancadas. Ele balançou, mas não o suficiente para aliviar minha frustração.
Sofia cruzou os braços, me observando em silêncio por um momento. Finalmente, ela disse:
— Pode não fazer diferença agora, Mina. Mas um dia, talvez, você precise lutar de verdade. Quando esse dia chegar, você vai se lembrar dessas lições.
Olhei para ela, meu coração ainda batendo rápido pelo esforço. Não respondi. Eu sabia que ela tinha razão, mas admitir isso seria ceder à ideia de que meu pai estava certo ao me preparar para algum perigo que talvez ele mesmo tivesse criado.
— Por hoje é só. — Ela finalmente disse, pegando sua bolsa. — Mas amanhã vamos intensificar. Você está pronta para mais, quer queira ou não.
Assenti, observando enquanto ela saía do quarto. Assim que a porta se fechou, me sentei no chão, encarando o saco de pancadas.
— Sobreviver... — Murmurei para mim mesma. — Não sei se vale a pena lutar por algo que não é liberdade.
......................
A água quente escorria sobre meu corpo. Fechei os olhos e deixei que o calor envolvesse cada parte de mim, tentando ignorar o vazio que parecia sempre estar ali, à espreita. Era um momento de pausa no meu confinamento, mas nunca realmente de paz.
Depois de alguns minutos, desliguei o chuveiro e enrolei-me na toalha. A sensação do tecido macio contra a pele era reconfortante, mas não suficiente para acalmar o que estava aqui dentro. Andei até o espelho, ainda embaçado pelo vapor. Passei a mão na superfície de vidro, revelando meu reflexo aos poucos.
Meus olhos.
Eles eram dela. Não havia dúvida. Ligeiramente puxados, com aquele toque asiático que parecia tão distante agora. Minha mãe estava ali, naquele reflexo, escondida dentro de mim.
Apertei a toalha contra o peito, meus dedos cravando no tecido. Por um momento, quis sorrir ao reconhecer um pedaço dela em mim, mas o sentimento logo foi esmagado por algo mais pesado. Porque, ao lado dos olhos dela, estava o resto. O resto dele.
Meu rosto endureceu ao perceber a linha severa da mandíbula, o formato reto e implacável dos meus lábios. Até mesmo a maneira como meu olhar parecia julgar o mundo. Tudo aquilo era dele. Dominic Vitale. Meu pai. O homem que eu odiava com cada fibra do meu ser.
— É isso que eu sou? — Murmurei, encarando o espelho como se ele pudesse responder.
Não era apenas aparência. Era meu temperamento, o sangue que fervia rápido demais, a raiva que explodia quando eu menos esperava. Tudo isso era dele, uma herança que eu nunca quis.
— Você me roubou até isso, mãe. — Minha voz saiu quase inaudível. — Me deixou com o pior dele.
Toquei meu rosto, traçando os olhos com os dedos. Eu queria encontrar algo mais dela em mim, algo além dos olhos. Mas não havia. Não sobrava nada.
Suspirei, deixando os ombros caírem. O espelho ainda me encarava, uma mistura de quem eu era e quem eu temia me tornar.
— Talvez eu seja exatamente como ele. — Admiti para mim mesma, odiando cada palavra.
Mas então, algo em mim se recusou a aceitar isso completamente. Sim, havia algo dele em mim, mas eu também tinha uma escolha. Ainda podia ser diferente. Pelo menos, era isso que eu queria acreditar.
Virei-me para longe do espelho, sentindo o peso do meu reflexo me seguir enquanto vestia a roupa do dia. Mais um dia dentro desse quarto, mais uma luta para descobrir quem eu era, além do sangue que corria nas minhas veias.
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Atualizado até capítulo 73
Comments
Katia Erica
nem eu eu acho que ela está em crise existencial
2025-03-13
0
Silvia Aparecida
até agora não estou conseguindo entender a história ???
2025-03-01
1
Claudia
Quanto sofrimento 🧿♾
2025-02-27
0