Capítulo 04

Eu adorava frequentar a RetroBites Diner, uma lanchonete temática dos anos 80 que parecia saída diretamente de um filme clássico. A decoração era nostálgica, com luminárias de neon, jukeboxes que ainda funcionavam e os icônicos banquinhos vermelhos. O cardápio era um festival de indulgências, desde milkshakes cremosos até donuts açucarados que sempre me arrancavam um sorriso. A dona, uma senhora simpática de cabelos grisalhos presos em um coque, fazia questão de perguntar como estava o meu dia toda vez que me via.

Hoje, como era meu dia de folga, sentei no balcão e pedi meu combo favorito: um donut de chocolate com granulado e um café forte. Enquanto mordiscava o donut, rolava o feed do Instagram sem muito entusiasmo, apenas matando tempo. Era engraçado como, nos raros dias em que não estava trabalhando, o tempo parecia se arrastar.

De manhã, já tinha ido à academia, completado minha corrida matinal, assistido a um episódio da minha série favorita e... ainda eram só três da tarde. Que tortura. Acho que minha rotina como paramédica me condicionou a gostar de dias cheios, e essa calmaria simplesmente não combinava comigo.

Quando terminei o donut, chamei a garçonete para pagar a conta. Só havia uma coisa capaz de me animar em dias como esse: compras. Mas não era qualquer tipo de compra. Minha paixão — quase uma obsessão, na verdade — eram bolsas. Meu closet tinha um espaço exclusivo e impecavelmente organizado só para elas.

Entrei na minha SUV e segui para o shopping mais próximo, já imaginando as novas peças que poderiam entrar para minha coleção. No caminho, meu celular vibrou. Era minha mãe, Meredith Parker. Ela só me ligava durante o dia por dois motivos: algo estava muito errado ou ela queria desabafar sobre trabalho.

— Fala, mamãe. — Atendi enquanto ajustava o viva-voz.

— Elisa, querida, me diga uma coisa... Eu sou uma pessoa má? — Sua voz soava mais dramática do que o habitual, o que não era pouco.

Franzi o cenho, desviando o olhar para o celular no painel antes de focar novamente na estrada.

— Ué, mãe, de onde veio essa pergunta?

— Acabei de demitir uma modelo porque ela engordou 1,7 kg. Ela disse que sou cruel, insensível e mais algumas coisas que prefiro não repetir.

— Mãe, vamos lá... A senhora não é má. É só... extremamente obcecada. Talvez seja hora de parar de avaliar magreza e começar a avaliar presença ou carisma, que tal?

— Então você acha que sou má?

— Só um pouquinho. — Respondi com um sorriso que ela, obviamente, não podia ver.

Houve uma pausa do outro lado da linha, seguida por um suspiro pesado.

— Ouvir isso da minha própria filha dói mais. Tenha uma boa tarde, Elisa.

Antes que eu pudesse responder, ela já tinha desligado.

— Então tchau... — murmurei, balançando a cabeça enquanto estacionava no shopping.

Em menos de duas horas, adquiri cinco bolsas novas. Cada uma custava o equivalente a dois rins, mas, sinceramente, quem liga? Com um café do Starbucks na mão e as sacolas equilibradas nos braços, me apressei em direção ao elevador.

— Segura! — gritei, tentando correr sem derrubar nada.

Uma mão masculina, grande e cheia de veias, impediu que as portas se fechassem. Quando entrei, ajustando minhas sacolas e o copo de café, ergui os olhos para agradecer.

E foi aí que o vi.

Ele era alto, vestia um terno impecável e exalava uma aura de autoridade. Seus olhos azuis me analisaram rapidamente, sem dizer uma palavra. Havia algo em sua presença que prendia a atenção, como se ele fosse alguém acostumado a ser obedecido.

— Obrigada. — murmurei, tentando parecer casual enquanto equilibrava o café, as sacolas e o celular.

Ele assentiu levemente, sem sorrir, mas algo em seu olhar parecia divertido.

Sabe aquela teoria de que, depois de notar alguém pela primeira vez, essa pessoa começa a aparecer em todos os lugares? Pois é, é real. Eu nunca tinha visto esse homem antes, mas desde que o encontrei no auditório do HUGs, ele parecia estar em todos os lugares que eu ia.

E agora ele estava no meu prédio. No prédio onde eu moro há dois anos.

Sério, onde esse homem estava se escondendo até agora?

Não sei o que era pior: o espaço apertado ou a presença dele, que parecia dominar todo o ambiente sem precisar dizer uma palavra. Ele mantinha aquele ar tranquilo, como se fosse dono do mundo, enquanto eu fazia malabarismos para não derramar meu café ou deixar cair as sacolas.

Pressionei o botão do meu andar e, para minha surpresa — ou azar —, ele fez o mesmo. Trocamos um olhar rápido, mas ele não disse nada. Tudo parecia estar sob controle, até o elevador dar uma sacudida e parar abruptamente entre os andares.

— Ah, não. — murmurei, sentindo meu coração acelerar.

A luz piscou antes de estabilizar, e o silêncio no cubículo metálico se tornou ensurdecedor.

— Merda... — tentei respirar fundo, mas a sensação de sufocamento começou a crescer.

Eu tô presa.

Eu tô presa.

Eu tô presa.

Ele olhou para mim, sem demonstrar nenhuma emoção aparente, mas seus olhos pareciam avaliar a situação com atenção.

— Está tudo bem? — Sua voz grave quebrou o silêncio, mas eu mal consegui responder.

— Eu... eu só preciso de ar. — Minha respiração estava ficando mais curta e irregular.

— Você tem claustrofobia. — Ele constatou, não perguntou.

Assenti rapidamente, apertando as mãos contra as coxas, tentando me concentrar.

— Olha pra mim. — Ele deu um passo à frente, ficando mais perto. — Respira devagar. Inspira pelo nariz, solta pela boca.

Eu tentei, mas o pânico estava vencendo.

— Elisa, certo? — Ele falou meu nome, me surpreendendo o suficiente para me fazer olhar para ele.

— Como você sabe meu nome?

— Você é paramédica. Eu ouvi seu nome no HUGs outro dia. — Ele deu de ombros, como se fosse óbvio. — Agora, respira.

Havia algo na calma dele que começou a me puxar de volta à realidade. Ele se abaixou um pouco, para ficar na minha altura, e me encarou com seus olhos intensos.

— Vamos lá. Inspira... — Ele fez o movimento, exagerando para que eu acompanhasse. — Isso, solta devagar.

Fiz o que ele disse, seguindo seu ritmo. Aos poucos, o aperto no peito começou a aliviar.

— Melhor? — Ele perguntou, ainda me observando de perto.

Assenti, ainda tentando organizar os pensamentos.

— Obrigada... — murmurei, envergonhada.

Ele não respondeu imediatamente. Apenas me deu aquele meio sorriso que parecia dizer “eu sei que fui útil”.

O interfone do elevador chiou, e uma voz informou que a equipe de manutenção já estava a caminho. Pelo menos o pesadelo estava com os minutos contados.

— Parece que vamos sair dessa. — Ele disse, encostando na parede com os braços cruzados.

E, pela primeira vez, eu me perguntei se esse estranho que, do nada, estava aparecendo em todos os lugares da minha vida, tinha alguma coisa a ver com destino.

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Comments

Rosa Pinto

Rosa Pinto

Amo suas estórias, não são longas,mais explica tudo certinho, parabéns 👏👏👏👏🌹

2025-02-20

0

Claucris

Claucris

Hum, então vais gostar de fazer parte da máfia, lá não tem dias monótonos. 😁

2025-01-03

0

Dulce Gama

Dulce Gama

linda história

2024-12-16

2

Ver todos

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