Eu odiava jantares em família. Odiava mesmo. Era aquele momento em que todos se sentiam no direito de te cobrar por tudo, como se você fosse um projeto inacabado. Eu fazia de tudo para evitar essas ocasiões, mas hoje era impossível escapar. Era o aniversário de 65 anos da minha avó, e faltar não era uma opção. Se eu não aparecesse, ela faria questão de me lembrar disso pelo resto da vida dela.
Agora, eu estava estacionando em frente à mansão da minha avó, uma casa luxuosa digna de uma ex-modelo aposentada. Wihzie Parker sempre teve uma queda por tudo que envolvesse ostentação e extravagância. Tudo na vida dela precisava ser grande, caro e impressionante, desde as roupas até a mobília.
Peguei minha bolsa do banco do carona e caminhei até a porta, que tinha quase três metros de altura — completamente desnecessária, diga-se de passagem. Assim que entrei, senti todos os olhares recaírem sobre mim. Era como se eu tivesse feito uma entrada triunfal, mas, na verdade, já fazia três jantares que eu não aparecia.
— Elisa, minha querida! — vovó veio me abraçar, com um sorriso radiante. — Que bom que você veio, meu amor. Estava sentindo sua falta! Entre, sente-se.
— Obrigada, vovó. — Respondi com um sorriso contido e me acomodei no sofá de couro, deixando minha bolsa Chanel ao lado. — Feliz aniversário, a propósito. Esqueci seu presente no carro, mas já trago daqui a pouco.
— Não se preocupe, querida — ela disse, acenando despreocupadamente.
Eu comecei a contar mentalmente os segundos até a inevitável chuva de perguntas começar. E não demorou muito. A primeira veio da tia Rose, que parecia ansiosa para me interrogar.
— E então, Lis, como anda o trabalho? Ainda não pensou em trabalhar como médica de verdade?
— Tia Rose, eu já atuo como médica — respondi, tentando manter a paciência.
— Quero dizer em um hospital, querida.
— Ah, não, obrigada. Estou muito bem no Corpo de Bombeiros. Lá tem mais adrenalina, e eu prefiro isso a ficar trancada o dia inteiro num hospital frio e sem graça.
Tia Rose abriu a boca para continuar, mas foi interrompida pela voz animada da minha avó:
— E você, já está namorando?
Antes que eu pudesse responder, minha mãe apareceu descendo as escadas, com aquele tom de quem estava prestes a soltar uma indireta.
— Quem? A Elisa? Essa aí não namora. É impressionante como toda essa beleza parece não servir pra isso — ela soltou, com um sorriso irônico.
— Meredith, não fale assim com ela — meu avô interveio, lançando um olhar de reprovação para minha mãe.
— Mas é a verdade! Homem nenhum consegue segurar a Elisa. É quase um fenômeno.
Sem pensar, soltei a primeira coisa que me veio à cabeça:
— Acontece que eu estou namorando.
O silêncio tomou conta da sala. Todos me olharam como se eu tivesse acabado de anunciar que iria à lua.
— Está? — a sala inteira perguntou em uníssono, claramente incrédula.
— Sim — confirmei, embora a mentira já começasse a pesar.
— E quando pretendia nos contar? — indagou tia Rose, com um tom que misturava curiosidade e acusação.
— Em breve... ainda está no início — menti novamente, tentando parecer convincente.
— Queremos conhecê-lo! — decretou minha avó, com os olhos brilhando.
— Pra ontem — acrescentou minha mãe, cruzando os braços com um olhar desafiador.
E foi nesse momento que percebi que tinha cavado um buraco enorme para mim mesma.
...⚕️...
— Você fez o quê? — Bianka quase gritou, arregalando os olhos quando terminei de contar sobre a mentira que inventei no jantar da minha família.
— Ah, qual é, Bianka. Não vai me dizer que nunca contou uma mentirinha pra sua família.
— Uma mentirinha é dizer que você já lavou a louça ou que estava estudando quando, na verdade, estava assistindo série. Mas mentir que está namorando? Isso é outro nível, Lis! Sua família já te cobra demais sem isso. Agora que acham que você tá "namorando", as expectativas vão subir ainda mais.
Ela tinha razão, como sempre.
Minha família era terrível nesse sentido. Cobranças e expectativas eram constantes, e, como a prima mais velha, eu sempre carreguei o peso de "dar exemplo". Já tinham ficado decepcionados o suficiente quando decidi ser paramédica em vez de médica de hospital.
O problema é que eu amava o que fazia. A adrenalina de um chamado inesperado, correr para salvar vidas, sentir a pressão do momento e, no final, receber o reconhecimento daqueles ao redor... era algo insubstituível. Meu coração acelerava de orgulho toda vez que conseguia ajudar alguém.
Se meu pai estivesse vivo, ele diria que estava orgulhoso. Eu sabia disso. Ele sempre dizia que eu era o maior orgulho da vida dele.
— E o que você vai fazer agora? — Bianka perguntou, enquanto me ajudava a organizar os materiais na ambulância.
— Vou dar um jeito. — murmurei, mais para mim do que para ela.
Mas, antes que pudéssemos continuar a conversa, o alarme tocou.
Era como apertar um botão de pausa na vida. Assim que o som estridente ecoou pelo quartel, largamos tudo e corremos para a ambulância. Bianka foi para o banco do carona enquanto eu assumia o volante.
— Acidente na DuSable Bridge. Condutor alcoolizado. Quatro feridos. — a voz mecânica saiu pelo rádio.
Dirigimos até o local o mais rápido possível. Quando chegamos, o cenário era caótico: pedaços de vidro espalhados, veículos danificados e vítimas feridas. Fizemos os primeiros socorros ali mesmo. A vítima mais grave foi colocada na nossa ambulância, enquanto as outras seguiram em outras unidades.
No caminho para o hospital, a tensão era palpável. Liguei a sirene e cortei o trânsito. Cada segundo contava. Assim que chegamos ao HUGs, a equipe médica já estava a postos, esperando para receber o paciente.
E então, lá estava ele.
Alto, tatuado, com bíceps que pareciam esculpidos. A barba rala e os olhos azul-claros pareciam capazes de perfurar qualquer armadura emocional. Por um segundo, perdi o foco, até que a voz dele — grave e autoritária — trouxe meu cérebro de volta à realidade.
— O que temos aqui?
— Homem, 27 anos. Trauma na cabeça. O airbag não abriu, e ele bateu a cabeça no volante. — Respondi, tentando ignorar o calor que subiu pelo meu pescoço. — Sinais vitais instáveis.
Ele apenas assentiu, assumindo o controle enquanto guiava a maca para dentro do hospital. E eu? Bem, tentei, sem sucesso, apagar da memória a imagem daquele olhar intenso que parecia me conhecer melhor do que eu mesma.
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Atualizado até capítulo 35
Comments
Penelope Lsteak
Nossa leitora mala, eh só uma estória, imagina como quiser a personagem ou você não consegue? Duro viu?
2025-01-17
2
Inês Maria Silva
Não importa se ela é loira ou morena. Foca na história AFF
2025-01-25
1
Penelope Lsteak
Você deve ser muito feia Cruz credo!
2025-01-17
2