O teatro estava vazio quando Gabriela chegou. O eco de seus passos preenchia o espaço enquanto ela atravessava o palco com cuidado, como se temesse perturbar a quietude do lugar. Era cedo, e ela tinha planejado ensaiar antes que os outros chegassem. Mas, ao virar o corredor que levava ao camarim, encontrou Felipe.
Ele estava sentado em uma das cadeiras de maquiagem, os braços cruzados sobre o peito, o rosto parcialmente escondido pelas mãos. Seus ombros estavam tensos, erguidos como se carregassem um peso invisível. Gabriela parou na entrada, sem querer interromper, mas algo nela a impeliu a falar.
— Chegou cedo hoje — disse, sua voz baixa e hesitante.
Felipe ergueu os olhos devagar, como se precisasse reunir forças para enfrentar a presença dela. Havia algo nos olhos dele, uma fadiga que não era apenas física.
— Não consegui dormir — respondeu, a voz rouca e quase inaudível.
Gabriela deu um passo à frente, tentando observar melhor. O rosto de Felipe parecia mais pálido do que o normal, as olheiras mais profundas. Ele estava inquieto, as pernas balançando levemente enquanto as mãos se entrelaçavam, apertando uma à outra com força suficiente para deixar os nós dos dedos brancos.
Ela se aproximou lentamente, como se temesse assustá-lo. Felipe desviou o olhar, mas ela notou o movimento sutil de sua mandíbula se contraindo, um reflexo de sua tensão.
— Você está bem? — perguntou, inclinando a cabeça para tentar encontrar seu olhar.
Ele soltou uma risada curta, sem humor, enquanto passava a mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais.
— Isso importa?
Gabriela sentiu o impacto das palavras como uma leve pressão no peito. Não sabia exatamente como ajudá-lo, mas também não queria deixá-lo sozinho naquele estado. Ela se sentou na cadeira ao lado, mantendo uma distância respeitosa.
— Sim, importa — respondeu simplesmente, o tom firme, mas gentil.
Felipe não respondeu de imediato. Em vez disso, inclinou-se para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. Sua respiração era superficial, quase ofegante, e Gabriela percebeu que ele estava tentando controlar algo — talvez um ataque de pânico, talvez apenas o turbilhão de pensamentos que o consumia.
— Às vezes, meu corpo me trai — disse ele, finalmente quebrando o silêncio. — Quando eu estou... assim, nervoso, parece que minha cabeça quer uma coisa, mas meu corpo faz outra.
Ele levantou uma das mãos e a observou por alguns segundos antes de fechar o punho. Gabriela percebeu o leve tremor nos dedos dele, quase imperceptível, mas impossível de ignorar.
— Como agora? — perguntou ela, suavemente.
Felipe assentiu, um movimento quase imperceptível.
— Meu coração está acelerado, mas eu não estou correndo. Me sinto cansado, mas não fiz nada. Meu estômago dói, mas eu nem comi.
Gabriela engoliu em seco. Aquilo era mais profundo do que ela esperava, mais doloroso do que ele havia deixado transparecer antes. Ela estendeu a mão, hesitando por um momento antes de colocá-la sobre o braço dele. Sentiu os músculos tensos sob a camisa, como se ele estivesse pronto para lutar ou fugir.
— Talvez... seu corpo esteja tentando te dizer algo que você ainda não quer ouvir — disse ela, sua voz quase um sussurro.
Felipe ergueu o olhar para ela, os olhos carregados de algo que ela não conseguiu identificar de imediato.
Por alguns minutos, eles ficaram em silêncio. Gabriela sentia o calor do braço dele sob sua mão, mas não se atreveu a se afastar. Felipe, por outro lado, parecia dividido entre aceitar o gesto dela ou recuar. O simples toque a princípio o deixou desconfortável, mas, ao mesmo tempo, trazia uma sensação estranha de segurança que ele não conseguia entender.
— Você é estranha — disse ele, finalmente quebrando o silêncio.
Gabriela riu, um som suave que quebrou a tensão no ar.
— Vou interpretar isso como um elogio.
Felipe balançou a cabeça, e, pela primeira vez naquela manhã, um pequeno sorriso surgiu em seus lábios. Não durou muito, mas foi suficiente para Gabriela perceber que ele estava começando a confiar nela.
— E quanto a você? — perguntou ele, mudando de assunto. — Não deveria estar ensaiando alguma coisa?
Gabriela deu de ombros.
— Acho que posso ensaiar mais tarde. Agora, estou aqui.
Felipe a olhou por um momento, como se tentasse decifrar o que ela realmente queria dizer. Ele estava acostumado a pessoas indo e vindo de sua vida, mas Gabriela parecia diferente. Ela ficava, mesmo quando ele não sabia como lidar com isso.
— Você sabe que não precisa se preocupar comigo, né? — disse ele, tentando soar casual, mas o tom de sua voz traiu o nervosismo.
— Eu sei — respondeu ela. — Mas isso não significa que eu não vá.
Ele suspirou, recostando-se na cadeira e fechando os olhos por alguns segundos. Gabriela percebeu o leve movimento de seu peito enquanto ele respirava fundo, tentando se acalmar.
Quando Felipe finalmente se levantou, seus movimentos eram lentos, quase hesitantes. Gabriela notou o leve tremor em suas pernas e a maneira como ele segurou a borda da cadeira para se equilibrar.
— Você parece exausto — disse ela, levantando-se também.
— Estou. Mas não posso me dar ao luxo de parar.
Ela franziu o cenho, preocupada.
— Felipe, você não precisa fazer isso sozinho.
Ele parou por um momento, as mãos nos bolsos, e olhou para ela com uma expressão que era uma mistura de gratidão e dúvida.
— Eu sei. Mas é mais fácil falar do que fazer.
Gabriela assentiu. Ela entendia isso mais do que gostaria de admitir.
Eles passaram o resto da manhã no teatro, dividindo o espaço em um silêncio confortável. Gabriela ensaiava suas falas enquanto Felipe permanecia sentado na lateral do palco, observando-a com atenção. Ela era tão diferente de tudo o que ele conhecia, e, ainda assim, ele não conseguia imaginar o que seria daquela semana sem a presença dela.
Quando finalmente saíram, o sol já estava alto no céu. Felipe sentiu o calor em sua pele e percebeu que, pela primeira vez em muito tempo, sentia algo parecido com esperança.
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Atualizado até capítulo 25
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