É impressionante como um vestido caro pode virar uma armadura. Hoje escolhi o meu com cuidado: preto, justo, sem um centímetro fora do lugar. Ao me olhar no espelho antes de sair, a imagem refletida era de uma mulher impecável. Mas a voz dentro da minha cabeça dizia outra coisa: “Você está perfeita. E está ferrada, Camila Rezende Vasconcelos.”
Mais um evento social, mais uma noite de sorrisos falsos, trocando palavras que soam como moedas em mãos gananciosas. Estar ali não era escolha, mas necessidade. A mansão de Felipe Almeida brilhava no topo da colina como um monumento de poder – e de hipocrisia. No salão, tudo reluzia. Luzes douradas iluminavam o mármore branco, enquanto o som suave de jazz parecia flutuar no ar, como uma névoa anestesiante.
Assim que atravessei a entrada, senti os olhos dele em mim. Felipe Almeida era um homem que raramente disfarçava suas intenções. O sorriso dele era como um selo de vitória antecipada. Não consegui evitar desviar o olhar. Não seria tão fácil assim.
Felipe era o tipo de homem que controlava o próprio caos. Casado com Sofia, uma mulher de revista, rodeado por aliados perigosos e imerso em escândalos. Eu, em teoria, era apenas sua advogada. Mas, na prática, a linha entre profissionalismo e abismo era muito mais tênue. O caso que assumira – um emaranhado de lavagem de dinheiro e tráfico de influência – já era um desafio, mas o que realmente me perturbava era o que acontecia fora do escritório.
E ele sabia disso.
— Camila, que bom que veio.
A voz dele era tranquila, quase íntima. Felipe estava a poucos passos de mim, um copo de uísque na mão, cada movimento calculado.
Levantei os olhos devagar, mantendo meu rosto neutro.
— Claro, Felipe. Como poderia recusar um convite tão… necessário?
Sorri, mas apenas com os lábios. Mantive o olhar frio, como uma muralha invisível.
Ele deu um passo para mais perto. O perfume dele era amadeirado, penetrante, uma marca registrada.
— Precisamos conversar. Em particular.
A firmeza na voz dele me fez respirar fundo. Já esperava por isso. Felipe era mestre em empurrar limites, em testar até onde podia ir.
— Estou à disposição. Depois do evento.
Minha resposta saiu controlada, quase indiferente. Mas meu coração estava em um ritmo acelerado que me traía.
Felipe segurou meu braço com uma firmeza que não machucava, mas exigia atenção.
— Não depois. Agora.
Antes que eu pudesse reagir, uma risada alta ecoou pela varanda. Olhei na direção do som e vi Sofia Almeida apoiada no parapeito. O sorriso dela era uma mistura de sarcasmo e desespero, como alguém prestes a perder tudo, mas ainda decidido a se divertir no processo.
Ele soltou meu braço, mas o olhar permaneceu cravado em mim.
— A gente ainda vai conversar, Camila.
Felipe se afastou, mergulhando de volta na multidão de políticos e empresários.
Respirei fundo, sentindo um nó no estômago. Eu sabia que cada minuto naquela festa era uma armadilha.
Meus pés me levaram até a varanda, onde Sofia permanecia. Ela tragava um cigarro como se estivesse absorvendo forças dele. Não se virou quando me aproximei.
— Ele está grudado em você hoje.
A voz dela era baixa, mas carregada de um sarcasmo afiado.
— É um cliente – respondi, tentando soar casual.
Sofia soltou uma risada seca, o som de alguém que já ouviu muitas desculpas antes.
— Claro. E eu sou a esposa perfeita.
Fiquei em silêncio. Não havia o que dizer. Ela parecia cansada, exausta de interpretar o papel que lhe foi imposto.
— Você tem sorte – continuou, sem me encarar. – Ele ainda te quer. Eu? Já virei uma peça velha nesse tabuleiro.
— Ele quer poder, não pessoas – soltei, antes de perceber que tinha falado alto demais.
Dessa vez, ela me olhou. Seus olhos estavam brilhantes, não de raiva, mas de algo muito mais profundo: resignação misturada com desprezo.
— Isso não é novidade para mim, Camila. A única pergunta é: quanto tempo vai levar para você perceber?
Antes que eu pudesse responder, Lucas Ferreira apareceu na porta da varanda. Ele era um homem difícil de ignorar, com sua jaqueta de couro e um sorriso que oscilava entre charme e perigo.
— Precisando de um cigarro extra? – perguntou, puxando um do bolso.
Sofia finalmente sorriu, mas o sorriso era quase sincero dessa vez.
— Você sempre me salva, Lucas.
— E sempre me meto em confusão por sua causa.
Ele piscou, mas havia uma tensão entre eles que parecia muito mais antiga. Lucas então me olhou, como se tentasse medir minha presença ali.
Voltei para o salão, tentando afastar os pensamentos que cresciam em minha mente. Precisava de controle, mas Lagoas tinha o hábito de derrubar quem se achava no controle.
Do outro lado da sala, um rosto familiar me chamou atenção. Miguel. Meu ex-namorado. Jornalista investigativo, o tipo de pessoa que sempre parecia estar onde não devia. Ele estava encostado no balcão do bar, com aquele sorriso meio cínico que sempre me desarmou.
— Não esperava te encontrar aqui, Camila.
— E você, Miguel? Investigando ou apenas jogando charme?
Ele riu, mas o brilho em seus olhos era sombrio.
— Um pouco dos dois. Mas você também está jogando, não está?
— Cuidado com o que você insinua.
Miguel inclinou-se, a voz baixa, mas cheia de intenção.
— Cuidado você. Felipe não é o tipo de homem que perde. E ele não joga limpo.
Antes que eu pudesse reagir, algo mudou no ambiente. Um silêncio carregado de tensão se espalhou pelo salão.
Rafael Souza tinha chegado.
Ele não precisava de apresentação. O líder da gangue mais temida da zona norte usava um terno preto que contrastava com as tatuagens subindo por seu pescoço. Mas o que mais chamava atenção era o olhar predatório, que não escondia nada.
Felipe foi até ele, cumprimentando-o com um aperto de mão que parecia forçado. Mas Rafael não estava ali por Felipe. Ele procurava outra pessoa.
Ana.
Eu a vi no canto da sala, tentando se misturar aos convidados. Ana tinha uma elegância reservada, mas seus olhos revelavam algo muito mais profundo. Rafael não tirava os olhos dela, e algo no ar mudou.
Meu instinto me dizia que Ana era mais do que parecia. Muito mais.
De repente, as peças começaram a se alinhar. Eu sabia que aquela festa era um ponto de ruptura. O tipo de evento onde alianças seriam formadas ou destruídas. Mas havia algo mais. Algo maior.
E enquanto os sorrisos e brindes continuavam, eu sabia que, para alguém ali, aquela seria a última noite.
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Atualizado até capítulo 47
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