Os Primeiros Visitantes.

O amanhecer trouxe pouca luz à mansão, mas Clara mal notou. A noite anterior ainda estava fresca em sua mente, como uma sombra pairando sobre cada pensamento. O espelho, os sussurros, o reflexo que não era seu... Ela passou horas deitada na cama, sem conseguir dormir, o coração batendo rápido a cada som que a casa emitia.

Quando o relógio antigo do hall soou dez vezes, Clara decidiu descer para preparar algo quente na cozinha. Talvez o conforto banal de um café pudesse trazer alguma normalidade àquele lugar. Enquanto colocava água para ferver, ouviu um som diferente, vindo da porta da frente: batidas firmes, quase impacientes.

Ela congelou. Não esperava visitas, e a ideia de abrir a porta para qualquer coisa — ou pessoa — que pudesse estar do outro lado a fez hesitar. As batidas se repetiram, desta vez mais fortes.

“Quem está aí?” Clara perguntou, com a voz mais firme do que se sentia por dentro.

“Senhorita, meu nome é Joaquim. Somos da vila. Viemos falar com você sobre esta casa.”

Clara ficou em silêncio por um momento. A voz parecia normal, humana, mas algo sobre o tom do homem carregava uma urgência desconcertante. Finalmente, reuniu coragem e abriu a porta.

Do lado de fora, estavam cinco pessoas: três homens e duas mulheres. O homem que falara era alto, de cabelos grisalhos e rosto marcado pelo tempo. Ele a encarava com uma expressão séria, enquanto os outros pareciam nervosos, como se olhassem para a casa com medo de que ela os engolisse a qualquer momento.

“Podemos entrar? É importante”, perguntou Joaquim, e Clara assentiu, ainda cautelosa.

Ao entrarem, os visitantes pareciam tensos, como se cada passo no hall fosse um desafio. Uma das mulheres, uma senhora de cabelos brancos e rosto gentil, fez o sinal da cruz ao olhar ao redor.

“Você não deveria estar aqui sozinha, menina”, disse a senhora, a voz carregada de preocupação.

Clara franziu a testa. “O que querem dizer? Esta casa é minha agora. Herdei do meu tio-avô.”

Joaquim trocou olhares com os outros antes de responder. “Sabemos disso, mas há coisas sobre esta casa que você precisa entender. Não é apenas uma mansão antiga. Este lugar... tem um histórico sombrio.”

As palavras dele ecoaram no silêncio do hall. Clara sentiu um frio na espinha. “Que tipo de histórico?”

“Desaparecimentos”, respondeu a mulher mais jovem do grupo, que parecia evitar olhar diretamente para Clara. “Hugo Vasconcelos, seu tio, não era um homem comum. Ele se envolvia com coisas que ninguém deveria. Rituais, experimentos... Pessoas vieram trabalhar aqui e nunca mais foram vistas.”

Clara apertou as mãos, lembrando-se do diário e das descrições perturbadoras que ele continha. “Eu... eu já percebi que há algo estranho. Mas... o que exatamente aconteceu?”

Joaquim suspirou. “Ninguém sabe ao certo. Os moradores dizem que o próprio Hugo desapareceu, como se a casa o tivesse engolido. Depois disso, ninguém ousou chegar perto deste lugar por décadas.”

“Até agora”, murmurou a senhora mais velha, que parecia visivelmente desconfortável.

Clara queria perguntar mais, mas foi interrompida pela jovem mulher, que se aproximou dela com algo na mão. Era um colar com um pequeno amuleto de prata, em forma de uma lua crescente.

“Pegue isso”, disse ela, estendendo o colar. “Ele foi abençoado por nossa curandeira. Deve protegê-la... ou pelo menos mantê-la longe da influência deste lugar.”

Clara aceitou o colar com relutância, observando o brilho fraco do amuleto. “Influência? O que isso significa?”

“Você já ouviu as vozes, não ouviu?” perguntou Joaquim, fixando-a com um olhar penetrante.

Clara engoliu em seco, mas não respondeu.

“Todos que passam muito tempo aqui começam a ouvi-las. Primeiro são apenas sussurros, mas depois elas entram na sua mente. Falam sobre seus medos, suas culpas... até que você enlouqueça. Foi assim que Hugo perdeu o controle.”

As palavras fizeram Clara lembrar dos sussurros que ouvira na noite anterior, segredos que o espelho parecia sussurrar sobre sua família. Ela não podia negar o que vivenciara, mas ainda assim perguntou: “E o espelho? O que sabem sobre ele?”

Os moradores se entreolharam. A senhora de cabelos brancos falou, sua voz tremendo: “Nunca olhe diretamente nele. Nunca. Aquilo não é um espelho comum. É uma porta... mas não para algo bom.”

Clara sentiu o peso daquelas palavras. “Eu já olhei”, confessou, a voz falhando. “Ele... ele se mexeu. Meu reflexo não era meu. E haviam outras... coisas.”

O grupo ficou em silêncio. Joaquim parecia mais preocupado do que nunca. “Se você olhou, então ele já sabe que você está aqui.”

“Quem?”, Clara perguntou, com o estômago revirado.

“O que quer que esteja do outro lado. Ninguém sabe ao certo. Mas todos que desafiaram o espelho desapareceram ou perderam a sanidade.”

O medo tomou conta de Clara, mas a jovem mulher apertou seu ombro. “Você ainda pode se proteger. Use o colar e mantenha distância do espelho. Mas se ouvir as vozes novamente, não as responda. Nunca.”

O aviso soava simples, mas carregava um peso terrível. Antes que Clara pudesse perguntar mais, Joaquim fez sinal para que os outros se retirassem. “Já ficamos tempo demais aqui. Não é seguro para nós. E você... pense bem sobre ficar nesta casa. Ela não quer que você vá, mas também não quer que você fique.”

As palavras ecoaram enquanto eles saíam, deixando Clara sozinha no vasto silêncio da mansão.

Ela segurou o colar com força, sentindo o peso do aviso. Mas, enquanto fechava a porta, percebeu algo que a fez estremecer: no espelho do hall, o reflexo do grupo ainda estava lá, mesmo depois que eles já haviam partido.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!