O dia seguinte amanheceu tão nebuloso quanto o interior da mansão. Clara acordou com a mente confusa, entre os ecos da noite passada e o mistério do broche dourado que encontrara no hall. Ela o guardou em um dos bolsos da jaqueta, uma parte de si intrigada, outra receosa.
Enquanto descia as escadas, o som do piso de madeira rangendo sob seus pés parecia amplificado pelo silêncio opressor. O ar estava pesado, e a sensação de estar sendo observada não a abandonava. Decidida a explorar mais da casa, Clara começou pelos cômodos que não visitara na noite anterior.
O primeiro foi a biblioteca, uma sala de teto alto e paredes cobertas por estantes escuras repletas de livros antigos. O cheiro de papel envelhecido e couro impregnava o ambiente. Alguns volumes estavam tão deteriorados que mal se sustentavam nas prateleiras. Clara correu os olhos pelos títulos, muitos deles em línguas que ela não compreendia. Grego, latim, alemão... Entre as fileiras de livros, encontrou algo que chamou sua atenção: um diário encadernado em couro preto, com as iniciais "H.V." gravadas na capa.
“Será que é dele?”, sussurrou, referindo-se ao tio-avô que nunca conheceu.
Clara sentou-se em uma poltrona ao lado de uma janela empoeirada e começou a folhear o diário. A caligrafia elegante preenchia cada página com uma mistura de anotações e esboços perturbadores. Havia desenhos de símbolos estranhos, círculos intricados e figuras que pareciam humanas, mas com traços distorcidos.
Nas primeiras páginas, Hugo Vasconcelos falava sobre sua paixão pela ciência e pela metafísica. Ele mencionava uma busca obsessiva por “respostas além do nosso mundo”. Contudo, conforme Clara avançava, as anotações tornavam-se mais sombrias.
"A casa responde aos comandos... As paredes têm memória. É através delas que os sussurros se manifestam. É aqui que o espelho encontrou sua verdadeira função."
O coração de Clara bateu mais rápido. Espelho? Ela lembrou-se do reflexo estranho que vira no grande espelho do hall, mas ainda não sabia que aquilo era apenas o início.
Mais adiante, Hugo descrevia algo que gelou seu sangue: experimentos realizados no porão. Ele mencionava tentativas de “abrir portais”, usando o espelho como uma espécie de âncora. Os textos ficavam cada vez mais frenéticos, com referências a vozes que o guiavam, figuras que apareciam e desapareciam, e uma entidade sem nome que ele chamava apenas de "o Observador".
Na metade do diário, uma passagem estava marcada com um pedaço de tecido desbotado. A curiosidade venceu o receio, e Clara leu as palavras em voz alta, quase como se fosse um reflexo:
"No âmago do reflexo reside o que foi e o que será. Aquele que olhar além verá não apenas o outro lado, mas também a verdade que o consome."
Ao terminar, a temperatura do ambiente pareceu cair abruptamente. Clara sentiu um arrepio tão intenso que sua visão ficou turva por um momento. O som dos sussurros voltou, mas desta vez mais próximos, como se as paredes ao seu redor estivessem vivas.
Ela olhou ao redor, com a respiração acelerada. Tinha a sensação de que algo a observava. Levantou-se rapidamente, o diário ainda em mãos, e sentiu um peso invisível sobre seus ombros, como se uma força quisesse mantê-la ali.
“Isso é loucura... Só estou cansada”, disse, tentando convencer a si mesma. Mas o ambiente parecia desmenti-la.
De repente, a porta da biblioteca, que estava entreaberta, fechou-se com um estrondo. Clara correu até ela, puxando a maçaneta com força, mas parecia trancada por dentro. Foi então que viu, pelo reflexo de um espelho oval pendurado na parede, uma sombra se mover atrás dela.
Clara virou-se de forma brusca, mas não havia ninguém. Ela encarou o espelho, e o que viu fez seu coração quase parar. Seu reflexo não a imitava. Enquanto ela estava paralisada de medo, a imagem no espelho inclinou a cabeça e sorriu de forma sutil, mas assustadora.
“Isso não está acontecendo...” Ela fechou os olhos e respirou fundo. Quando os abriu novamente, o reflexo parecia normal, mas o sussurro continuava.
Finalmente, a porta se abriu com um rangido lento, como se a casa decidisse libertá-la. Sem pensar duas vezes, Clara saiu da biblioteca e trancou a porta atrás de si, mas não pôde evitar uma última olhada para o interior. Nada parecia diferente, mas o diário em suas mãos parecia mais pesado, quase pulsante.
Determinada a entender o que estava acontecendo, Clara decidiu que precisava encontrar o porão que Hugo mencionara em suas anotações. Embora cada passo a aproximasse de algo que ela sabia ser perigoso, a sensação de estar em um caminho sem volta a impulsionava.
Enquanto caminhava pelos corredores, uma frase lida no diário ecoava em sua mente:
"A casa responde aos comandos... As paredes têm memória."
E Clara começava a acreditar.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Ivana Nassau
digno de roteiro de filme
2024-11-29
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