O porão era uma parte da casa que Clara relutava em explorar. Desde que lera sobre os experimentos do tio-avô Hugo no diário, a ideia de descer àquele lugar a fazia sentir calafrios. Contudo, algo dentro dela, uma mistura de curiosidade e inquietação, a empurrava na direção do desconhecido.
Ela encontrou a porta do porão ao lado da cozinha. Era de madeira grossa, com marcas de desgaste que lembravam arranhões. Ao girar a maçaneta, um rangido grave ecoou pela casa, como se o próprio ar reclamasse de sua decisão. A escuridão do porão parecia mais densa do que qualquer sombra comum, engolindo a luz que vinha de cima.
Clara pegou uma lanterna que encontrara na cozinha e desceu com cautela, os degraus de pedra fria parecendo intermináveis. O cheiro de mofo e um leve odor metálico tomavam o ar. O espaço era amplo, mas desordenado. Havia prateleiras cheias de frascos empoeirados, equipamentos enferrujados e papéis espalhados pelo chão.
No centro do porão, algo chamou sua atenção: uma forma retangular coberta por um pano velho e encardido. Clara hesitou, o coração batendo como um tambor em seu peito. Ela sabia, sem saber como, que aquilo era o espelho que Hugo mencionara em suas anotações.
“Vamos, Clara. É só um espelho”, murmurou para si mesma, tentando reunir coragem.
Com as mãos trêmulas, puxou o pano. O objeto revelou-se em toda a sua imponência. Era maior do que ela esperava, com quase dois metros de altura e uma moldura de ferro ornamentada com símbolos que Clara não reconhecia. A superfície do espelho estava impecável, como se o tempo não tivesse poder sobre ele.
Quando ela ergueu a lanterna para iluminá-lo melhor, seu reflexo apareceu... mas algo estava errado. A princípio, parecia normal. Clara inclinou a cabeça para a direita e seu reflexo fez o mesmo. Ela ergueu a mão, e a imagem no espelho a acompanhou. Mas então, de repente, o reflexo parou.
Clara congelou. Ela não estava se movendo, mas a imagem no espelho inclinou a cabeça levemente, como se estivesse examinando-a com curiosidade. Então, o reflexo sorriu — um sorriso que não era dela, mas algo perverso e profundamente desconcertante.
“Quem... quem é você?”, Clara perguntou, a voz trêmula.
O reflexo abriu a boca como se fosse responder, mas, em vez de palavras, o som de sussurros encheu o porão. Eles vinham de todos os lados, como um coro de vozes distantes, incompreensíveis. Clara recuou, quase tropeçando nos papéis espalhados pelo chão, mas não conseguia desviar os olhos do espelho.
As palavras finalmente começaram a fazer sentido, como se as vozes estivessem se ajustando para que ela as entendesse:
"Você não pertence aqui. Assim como os outros não pertenciam."
“Que outros?”, ela perguntou, mas sua voz soava abafada, como se o ar ao redor estivesse mais pesado.
O reflexo levantou a mão — algo que Clara definitivamente não estava fazendo. Com um movimento lento e teatral, apontou para ela. As vozes ficaram mais altas, misturando verdades sombrias e enigmas.
"Esta casa não é sua. Foi construída sobre segredos, sobre sangue. Hugo sabia... Ele tentou nos trancar aqui, mas agora você abriu a porta."
Clara sentiu um arrepio percorrer sua espinha. A palavra “sangue” parecia ecoar mais alto que as outras. Ela lembrou-se das menções no diário sobre desaparecimentos e experimentos. O espelho parecia pulsar, como se tivesse vida própria.
“Isso não pode ser real...”, murmurou.
A imagem no espelho começou a mudar. O reflexo dela se distorceu, o rosto se alongando, os olhos ficando fundos e negros. Outras figuras começaram a aparecer ao redor, rostos pálidos e vazios, com bocas abertas em gritos silenciosos.
Clara deu um passo para trás, mas suas costas encontraram a parede fria. Quando tentou correr para as escadas, a porta do porão se fechou com um estrondo. A luz da lanterna piscou, e os sussurros viraram gritos.
“Deixe-me sair!” Clara gritou, batendo na porta com toda a força que tinha. Mas a madeira parecia intransponível.
De repente, a lanterna apagou-se, mergulhando-a em uma escuridão quase palpável. A única luz restante vinha do espelho, que agora emitia um brilho fraco e sinistro.
No reflexo, Clara viu algo que a fez perder o fôlego: uma figura alta e encapuzada estava atrás dela, mesmo que o espaço ao seu redor estivesse vazio.
Ela virou-se rapidamente, mas não havia nada lá. Quando olhou de volta para o espelho, o reflexo dela estava normal outra vez, mas com os olhos fixos nos dela, como se zombasse de seu medo.
Sem outra escolha, Clara tentou novamente abrir a porta. Desta vez, cedeu com um rangido lento. Ela subiu correndo as escadas, sem olhar para trás, sentindo que algo estava prestes a alcançá-la. Quando finalmente chegou ao hall, as portas da mansão estavam trancadas, apesar de estarem destrancadas mais cedo.
“Não... não pode ser!” Clara correu até a porta principal e puxou a maçaneta repetidamente, mas ela não se movia.
Ao longe, o som dos sussurros voltou. Só que agora, eles estavam mais altos, e ela podia jurar que vinham diretamente do espelho lá embaixo.
Clara caiu de joelhos, sentindo o desespero tomar conta. Não sabia o que estava enfrentando, mas uma coisa era certa: a mansão estava viva, e ela não a deixaria sair tão facilmente.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Ivana Nassau
tem que virar filme. é uma verdadeira obra digna de muitos elogios
2024-11-29
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