...O som da chuva caindo no chão e batendo nos telhados ressoava por toda a cidade, como um sussurro que envolvia cada canto daquele lugar. Sora observava as luzes da pequena cidade através da chuva, percebendo que, de algum modo, aquele lugar parecia isolado do caos da guerra. Parecia uma cidade com certa sofisticação, quase como se fosse uma cidade real, um refúgio escondido em meio à destruição....
...Durante toda a caminhada, os pensamentos de Sora estavam presos em Kota. A dor da perda de seu irmão ainda era uma ferida aberta que ele sentia pulsar a cada passo. Ele mal registrava o que acontecia ao seu redor, até que o líder do exército ao seu lado deu uma ordem: "Levem ele para o quarto número 21." Um dos soldados se adiantou, acenando em sinal de respeito. "Sim, vossa majestade."...
...Aquela palavra chamou a atenção de Sora por um momento. “Majestade...?” ele pensou, lançando um olhar discreto para o homem ao seu lado. Não tinha ideia de que o líder do exército tinha esse título. As palavras ressoavam em sua mente, mas logo foram abafadas pela tristeza que preenchia seu coração....
...Eles caminharam até uma grande construção, e Sora foi conduzido até o quarto designado. Ao abrir a porta, ele se deparou com um quarto real, elegantemente decorado. As paredes eram adornadas com detalhes em dourado, e o espaço era enorme, muito maior do que qualquer quarto que ele já tivesse visto antes. Móveis refinados, um lustre de cristal e cortinas pesadas e luxuosas faziam o ambiente parecer estranho e deslocado em meio a uma época de guerra....
...Mas Sora mal prestou atenção em tudo isso. A dor e o cansaço pesavam sobre ele, e a visão do quarto grandioso pouco importava. Estava exausto, emocional e fisicamente. Suas roupas molhadas da chuva grudavam em sua pele, fazendo-o estremecer de frio. Procurando por um banheiro para se secar e se recompor, ele se dirigiu a uma porta à esquerda, mas ao abri-la, percebeu que havia errado....
...Atrás daquela porta estava um pequeno espaço que servia como depósito. Prateleiras carregadas de lençóis, toalhas e pequenos baús decorados ocupavam o local. Havia também um espelho antigo encostado contra a parede, manchado pelo tempo, refletindo de maneira opaca a figura cansada e molhada de Sora. Ao fundo, ele viu algumas escadas estreitas que pareciam levar a uma área de serviço, talvez para os criados ou para algum lugar onde as roupas eram lavadas. A visão não o interessou muito, então ele fechou a porta e foi para a outra....
...Ao abrir a porta da direita, encontrou o que procurava: o banheiro. Era um espaço luxuoso, com paredes de mármore claro e detalhes refinados. Toalhas felpudas estavam dobradas em um canto, e na parede havia algumas roupas limpas. Entre elas, algumas vestes da realeza com tecidos finos e acabamentos preciosos, enquanto outras eram roupas mais simples e discretas, no estilo de quem trabalhava nos arredores....
...Ele escolheu uma dessas roupas comuns, algo que se assemelhava ao que já estava usando, pois não se sentia confortável vestindo algo da realeza. A tristeza que sentia pesava sobre ele como um manto invisível, e nada ali parecia ter a capacidade de aliviar seu coração. Segurando as roupas secas, ele fechou a porta e começou a se trocar, as lembranças de Kota e dos pais ainda dominando seus pensamentos, mesmo naquele breve momento de respiro em meio ao caos....
...Sora saiu do banheiro ainda imerso em seus pensamentos, sentando-se na cama e olhando para o chão, perdido em tudo que havia acontecido. A porta se abriu de repente, e ele levantou o olhar, surpreso. Na entrada, estava um homem de aparência imponente, trajando roupas da realeza e com longos cabelos laranja. Seu rosto exalava uma confiança calma, quase enigmática....
...O homem deu alguns passos em direção a Sora e, com um leve sorriso, perguntou: “Qual o seu nome, rapaz?”...
...“Sora." respondeu ele, a voz soando baixa, quase contida....
...O homem assentiu e se sentou ao lado de Sora, como se quisesse estabelecer uma conexão mais próxima. “Me chamo Darmam. Sou um dos filhos do imperador do mundo." disse, com um tom natural, mas que carregava certa autoridade....
...Sora piscou, as peças começando a se encaixar. “Por isso 'Majestade', então…” murmurou, mais para si do que para Darmam....
...Darmam deu um leve aceno com a cabeça. “Isso mesmo. E quanto ao seu irmão... iremos enterrá-lo hoje. Você virá?”...
...Sora sentiu um aperto no peito, mas apenas balançou a cabeça em confirmação, sentindo as palavras falharem em sua garganta....
...A chuva continuava a tamborilar suavemente do lado de fora, mas Darmam olhou para a janela como se tivesse certeza. “A chuva deve parar logo. Quando isso acontecer, mandarei alguém lhe chamar." ele informou....
...Sora permaneceu em silêncio por um momento, mas então, encarando suas próprias mãos, perguntou: “O que você viu em mim? Minha Essentia... ela não é boa para combate. Eu só consigo... falar com coisas que não falam. Objetos, animais, plantas… essas coisas. Basicamente, eu sou inútil.”...
...Darmam observou-o com atenção, como se já tivesse refletido sobre essa pergunta. “Ao longe, quando vi você... seu corpo estava brilhando no meio da escuridão e da chuva. Não sei explicar, mas algo dentro de mim me disse para trazer você para cá.”...
...Ele fez uma pausa, e seu olhar suavizou um pouco. “Aquele garoto... era seu irmão, certo?”...
...Sora engoliu em seco, assentindo. “Sim… eu... não sei o que aconteceu. Ele só parou de se mexer e... caiu, sem vida.”...
...Darmam inclinou-se ligeiramente para a frente, a expressão pensativa. “Eu senti uma Scanar minúscula dentro dele. Consegui trazê-la para fora. Era uma partícula, minúscula, de cor de sangue, que se movia de forma descontrolada… mas, logo depois, desapareceu.”...
...Sora compreendeu e murmurou, com a voz carregada de dor. “Então... foi ele.”...
...Darmam franziu as sobrancelhas, confuso. “O que quer dizer?”...
...Sora respirou fundo, tentando conter o nó na garganta. “Eu e meu irmão… estávamos tentando achar um lugar seguro. Foi quando vimos um homem... com uma criança. Esse homem... ele tinha esse poder, de cor de sangue.”...
...Darmam notou as mãos de Sora cerradas em punhos, a tensão e tristeza evidentes em seu rosto. Hesitando por um momento, perguntou com voz baixa: “E... os seus pais?”...
...Sora fechou os olhos por um segundo, tentando afastar a imagem da memória. “Um poder… atingiu minha casa. E não sobrou nada...” Sua voz quebrou um pouco, mas ele lutou para manter a compostura....
...Darmam assentiu, a expressão sombria. “Eu sinto muito,” disse ele, com sinceridade. Observando o rosto de Sora, Darmam notou a mistura de dor e ódio que agora se desenhava em seus olhos. “Você quer vingança?”...
...Sora apertou os punhos ainda mais. “Como posso buscar vingança... se nasci com um poder assim?” Sua voz era quase um sussurro, um misto de frustração e resignação....
...Darmam permaneceu em silêncio por um momento, antes de falar, com um tom que parecia quase admirado. “Quando vi seu corpo brilhar… percebi que era Transmutatio Vitae.”...
...Sora ergueu o olhar, confuso. “O que é isso?”...
...Darmam olhou para ele com certa admiração. “É uma técnica que permite a transferência de Essentia de uma pessoa para outra. Ou seja... seu irmão pode ter passado a Essentia dele para você.”...
...Sora olhou para as próprias mãos, como se tentasse sentir algo novo nelas. A possibilidade de que uma parte de Kota estivesse agora dentro dele o surpreendeu profundamente. “Meu irmão… eu não sabia que isso era possível.”...
...Darmam se levantou lentamente, voltando a assumir sua postura confiante. “Cada Vitalis consegue suportar até três Essentias dentro de si. Mais do que isso, o corpo não aguenta e… é destruído.” Ele fez uma pausa, o olhar distante. “Agora, preciso ir. Tenho coisas para resolver... e uma guerra para lutar.”...
...Sem dizer mais nada, Darmam se virou e saiu do quarto, deixando Sora ali, sozinho, sentado na cama. A mente de Sora estava um turbilhão, com os ecos das palavras de Darmam ressoando. Ele olhava para as próprias mãos, imaginando se, de alguma forma, a presença de Kota ainda estava ali, com ele....
...Sora adormeceu na cama, e logo foi envolvido em um sonho nostálgico. Estava em um dia ensolarado, perto de sua casa, junto de sua família. O ar estava calmo, e a luz da manhã iluminava suavemente o cenário ao redor. Ele e seu irmão, Kota, estavam afastados de seus pais, que conversavam a uma certa distância....
...Sora observava enquanto Kota tentava praticar sua Essentia. Concentrado, Kota ativou seu poder, e fragmentos que se assemelhavam a vidros surgiram no ar ao redor dele. Ele direcionou os fragmentos em direção a uma pedra próxima, tentando cortá-la, mas o máximo que conseguiu foi arranhá-la levemente. Kota fez uma careta, frustrado, e murmurou: "Porcaria…"...
...Sora notou a expressão desanimada do irmão e se aproximou, tentando confortá-lo. "Kota... não precisa se esforçar demais. Nós ainda estamos no início de nossas Essentias."...
...Kota suspirou, mas respondeu com determinação. "Eu sei... mas, se eu não controlar minha Essentia logo, não conseguirei ser forte o suficiente para proteger você."...
...Sora ficou surpreso com a resposta, processando o significado daquilo. "Me proteger...?" Ele ficou em silêncio por um momento, imaginando o motivo. Na sua cabeça, veio a ideia de que talvez Kota quisesse protegê-lo por causa da fraqueza de sua própria Essentia....
..."É por causa da minha Essentia?" Sora perguntou, hesitante....
...Kota franziu o cenho, como se não estivesse entendendo a pergunta. "Do que você está falando?"...
...Sora abaixou o olhar. "Minha Essentia não é boa para batalha... então, você quer me proteger porque eu sou... inútil."...
...Kota balançou a cabeça e olhou diretamente para Sora, com um sorriso suave. "Não, não é isso. Eu quero te proteger porque você é meu irmão." Ele fez uma pausa, procurando as palavras certas. "Você tem que se lembrar de que uma pessoa forte é aquela que pensa antes de agir. E você é essa pessoa, Sora. Você sempre sabe o que fazer a seguir."...
...O sonho se dissolveu, e Sora foi subitamente despertado por uma batida na porta. Ele abriu os olhos devagar, sentindo-se atordoado e com o coração pesado pelas memórias. Um soldado entrou no quarto e disse, em tom firme: "Venha comigo."...
...Sora assentiu, levantando-se e seguindo o soldado em direção à saída. Enquanto caminhava, as palavras de seu irmão ainda ecoavam em sua mente. Ele murmurou para si mesmo, pensativo: "Eu sou forte...?"...
...A lembrança de Kota, a determinação dele e aquelas palavras de apoio permaneceram vivas em sua mente, trazendo-lhe um pouco de conforto, mesmo em meio ao vazio da perda....
...Sora sai do quarto e nota que a chuva finalmente cessou, deixando um ar tranquilo, mas ainda marcado pela escuridão da noite. Ele sente a umidade do solo sob os pés enquanto caminha em direção a um pequeno grupo de soldados, que se reúnem em volta de um caixão dourado no centro da clareira. É impossível não imaginar que seu irmão, Kota, esteja ali, pronto para o último adeus....
...Soldados silenciosos seguram ramos de flores raras, que brilham com uma luminosidade suave. As flores são de pétalas translúcidas, com uma tonalidade que oscila entre o azul e o violeta, refletindo as estrelas que surgem no céu agora claro. O brilho suave das flores quase parece emanar vida, como se guardassem memórias e promessas. Darmam aproxima-se de Sora, e em voz baixa e respeitosa, explica: “Essas são flores eternas. Nós as usamos para eternizar a alma de quem já se foi.”...
...Com os olhos ainda fixos no caixão, Sora observa os soldados posicionarem as flores ao redor, criando uma camada serena e bela sobre o corpo que repousa ali. Darmam estende um fósforo para Sora, dizendo: “As flores eternas devem ser queimadas por você. Acreditamos que o fogo protege a alma daquele que partiu. E, apesar das chamas, elas nunca se transformam em cinzas.”...
...Sora acende o fósforo e, com mãos trêmulas, lança-o sobre as flores. Elas se acendem de imediato, em chamas calmas e puras, como uma dança de despedida e preservação. Ao redor, soldados e figuras silenciosas começam a cobrir o caixão com terra, embora as flores continuem a brilhar sob o solo que é depositado. Sora assiste, o peito apertado pela tristeza e pela culpa, e enquanto observa a cerimônia, o pensamento de vingança ressurge em sua mente. “Vingança...”...
...Ele vira-se para Darmam, o olhar firme e cheio de determinação, e, com a voz decidida, declara: “Eu quero me tornar um soldado.”...
...Darmam olha para ele, surpreso pela súbita convicção, mas não diz nada, permitindo que Sora continue. "Por favor, me treine.” Enquanto ele fala, lembranças de seu irmão Kota, suado e concentrado durante os treinos, passam por sua mente. Ele vê flashes de seu pai, abraçando-o após um dia difícil, e momentos de brincadeira com Kota. A dor se mistura à vontade de mudança....
...Sora endireita a postura e, com um tom ainda mais intenso, completa: “Eu quero me tornar forte.” Ele pensa em sua mãe, sorrindo para ele e para Kota, sempre tão protetora e generosa, dando conselhos sobre coragem e bondade. “Para não perder mais ninguém!” Sua voz falha por um instante, e então ele se recompõe. “Por favor!”...
...Darmam observa-o com um misto de admiração e surpresa, esboçando um leve sorriso. “Bom, eu não…” Darmam começa a responder, mas Sora o interrompe, repetindo em um tom ainda mais urgente: “Por favor!”...
...Darmam respira fundo, claramente tocado pela determinação de Sora, e concorda: “Já que insiste tanto... amanhã começaremos. Vá descansar.”...
...Os olhos de Sora brilham, cheios de uma esperança que ele pensava ter perdido. O peso da noite ainda está sobre ele, mas agora há uma fagulha renovada, um propósito. Ansioso, ele retorna ao quarto, sua mente já antecipando o amanhecer que trará o início de seu treinamento....
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Atualizado até capítulo 29
Comments
Ana Souza
cara um dos melhores que eu já li
2025-01-08
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