Após horas de caminhada pela floresta, Gabriel e Luca finalmente chegaram a uma cabana isolada. Escondida pela vegetação densa, a pequena construção de madeira parecia um refúgio temporário, um local que oferecia o mínimo de abrigo e proteção.
Luca abriu a porta com cautela, escaneando o ambiente antes de entrar. Gabriel o seguiu, sentindo o corpo exausto, cada músculo tensionado pela fuga e pelo medo constante. A cabana era simples, com um pequeno sofá rasgado, uma mesa e duas cadeiras. No canto, uma lareira de pedra, que parecia não ser usada há muito tempo.
“Descanse um pouco, Gabriel. Temos algumas horas antes de precisarmos nos mover de novo,” Luca disse, largando a mochila ao lado da porta e verificando o relógio.
Gabriel assentiu, deixando-se cair no sofá com um suspiro de alívio. Ele olhou para Luca, que agora analisava um mapa desgastado sobre a mesa, traçando rotas e marcando pontos de possível risco. Observá-lo era quase hipnótico; a seriedade nos traços de Luca, o foco em cada movimento, o jeito como suas mãos ágeis deslizavam pelo papel – tudo nele exalava uma aura de controle e domínio.
Gabriel pigarreou, quebrando o silêncio. “Luca, posso fazer uma pergunta?”
Luca levantou os olhos, assentindo sem dizer nada. Era raro vê-lo disposto a falar sobre si mesmo, mas Gabriel sentiu que, naquele momento, tinha uma chance de entender mais sobre o homem à sua frente.
“Por que você escolheu essa vida? Ou… foi essa vida que escolheu você?”
Luca observou-o por um momento, o olhar indecifrável. Ele parecia hesitar, como se estivesse ponderando até onde poderia ir com essa conversa. Mas, finalmente, sentou-se em uma das cadeiras e olhou fixamente para Gabriel.
“Eu nunca tive muita escolha,” ele começou, a voz baixa, quase sombria. “Minha infância foi... complicada. Quando você cresce em um ambiente onde o único exemplo que tem é de violência e poder, é fácil se perder. E, para sobreviver, eu fiz escolhas. Escolhas que me trouxeram até aqui.”
Gabriel ouviu em silêncio, captando a dor e o arrependimento que transpareciam nas palavras de Luca, embora seu rosto continuasse impassível. Ele já tinha percebido que, por trás daquela fachada fria e controlada, existia uma história carregada de cicatrizes.
“E você?” Luca perguntou, surpreendendo Gabriel. “Por que estava disposto a deixar tudo para trás, entrar nesse mundo ao meu lado?”
Gabriel pensou por um momento. “Eu acho que, por mais que minha vida fosse pacífica, ela era vazia. Sempre procurei algo que me fizesse sentir vivo, algo que desse sentido ao que eu fazia. E... com você, mesmo com todo o perigo, sinto que encontrei isso. Por mais que seja insano.”
Luca soltou um suspiro, desviando o olhar. “Isso é loucura, Gabriel. Você não devia querer estar aqui.”
“Talvez,” Gabriel respondeu, sua voz firme. “Mas não me arrependo.”
O silêncio que seguiu foi denso, carregado de algo não dito, uma tensão que eles evitavam, mas que se tornava impossível de ignorar. Luca levantou-se e se dirigiu à lareira, tentando acender o fogo. Gabriel o observou, sentindo que aquele momento, mesmo em sua simplicidade, era um dos mais próximos que haviam tido. Estar ali, em silêncio, sem a ameaça imediata de uma perseguição, permitia que baixassem as guardas, ainda que momentaneamente.
Finalmente, Luca conseguiu acender a lareira, e o calor se espalhou pela cabana, criando uma sensação aconchegante. Ele voltou para a mesa, mas dessa vez sua postura estava mais relaxada.
“Eu tinha um irmão,” Luca disse, de repente, quebrando o silêncio.
Gabriel ergueu o olhar, surpreso pela revelação inesperada.
“Ele era mais novo,” continuou Luca, a voz baixa, como se confessasse algo doloroso. “Era a única pessoa pela qual eu realmente me importava. Ele tinha uma inocência... uma bondade que eu nunca tive. Mas ele pagou o preço pelo meu envolvimento nesse mundo. Ele... morreu por minha causa.”
Gabriel sentiu um aperto no peito, sem saber o que dizer. Luca parecia perdido em lembranças sombrias, e Gabriel sabia que qualquer palavra soaria vazia diante daquela dor profunda. Em vez disso, apenas observou, respeitando o peso do silêncio.
“Desde então, eu prometi que nunca mais me apegaria a ninguém,” Luca murmurou, com um olhar distante. “Que nunca mais deixaria ninguém se aproximar. Isso é o que me protege... o que mantém outros a salvo de mim.”
Gabriel abriu a boca para responder, mas Luca ergueu a mão, interrompendo-o. “Mas, de alguma forma, você entrou na minha vida. E, contra tudo o que eu prometi a mim mesmo, eu não consegui te afastar.”
A declaração fez Gabriel sentir um calor inexplicável, algo entre alívio e surpresa. Ele sentiu a força das palavras de Luca, e, pela primeira vez, percebeu o quanto aquele homem se importava com ele. Mesmo que tentasse negar, o sentimento estava ali, inegável.
Antes que pudesse responder, ouviram um som de passos do lado de fora da cabana. Luca imediatamente ficou em alerta, pegando a arma que havia deixado sobre a mesa e sinalizando para Gabriel se esconder. Gabriel obedeceu, escondendo-se atrás do sofá, enquanto Luca caminhava até a janela, observando com atenção.
Os passos se aproximavam, e Gabriel sentiu o coração acelerar. Sabia que, naquele mundo, uma aproximação inesperada nunca era um bom sinal.
Luca fez sinal para que Gabriel permanecesse em silêncio, e, com um movimento ágil, saiu pela porta dos fundos, circulando a cabana para pegar o intruso de surpresa. Gabriel permaneceu escondido, atento a cada som. Ouviu o som abafado de uma luta, algo como um baque surdo e, depois, silêncio.
Alguns minutos depois, Luca reapareceu, arrumando as mangas da camisa com um olhar severo. Gabriel o observava, tentando decifrar o que havia acontecido.
“Era apenas um batedor,” Luca disse, voltando a se sentar. “Mas é um sinal de que precisamos sair daqui. Estamos ficando sem tempo.”
Gabriel assentiu, sabendo que aquele momento de calmaria tinha chegado ao fim. Levantou-se, pegou a mochila e aguardou as instruções de Luca. Ele sabia que a estrada à frente seria incerta e perigosa, mas agora, depois de tudo o que ouviu, não tinha dúvidas de que permaneceria ao lado de Luca, não importava o quão escuro fosse o caminho.
Enquanto deixavam a cabana para trás, Gabriel sentiu que, de alguma forma, havia entendido um pouco mais sobre Luca, sobre as cicatrizes que ele carregava e sobre o peso que o acompanhava.
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Atualizado até capítulo 51
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