(4) "Transformação"

Lucas

Assim que saímos da tenda do Pajé, Jacira me guia por um caminho que se torna escorregadio pela chuva torrencial. As gotas caem pesadas, criando uma sinfonia única que ecoa ao nosso redor. O ar fresco e úmido traz uma sensação de renovação, e a energia do lugar parece pulsar com cada trovão distante.

Chegamos à tenda onde vou ficar, e ao entrar, uma onda de acolhimento me envolve. O telhado de sapê é rústico, e enquanto olho para cima, ouço o som da chuva batendo nas folhas. Não consigo me conter e digo:

— Nossa, isso é bom.

Jacira me observa com uma expressão especulativa, e percebo que talvez ela não tenha compreendido o que quis dizer.

— O que é bom? — pergunta, com uma leve curiosidade na voz.

Sorrio, pensando na simplicidade do momento e, respondo:

— Esse som, da chuva caindo sobre o telhado. É como se me acalmasse, quase um relaxante natural.

Ela franze a testa, refletindo sobre minhas palavras.

— Aqui, a chuva é parte da vida — diz ela, finalmente. — Mas entendo o que você quer dizer. Às vezes, até mesmo as tempestades têm seu jeito de nos lembrar de pausar e ouvir.

A conexão entre nós se aprofunda, e um sorriso brota em meu rosto. Há algo reconfortante em compartilhar esses pequenos momentos. Enquanto a chuva continua a cair, me deixo envolver pela atmosfera íntima da tenda. O cheiro da madeira molhada e das ervas é quase hipnótico.

— O que mais você faz quando chove assim? — pergunto, buscando entender melhor a sua cultura.

Ela hesita por um momento, depois responde com um brilho nos olhos.

— Às vezes, contamos histórias. As mais antigas, as que nos conectam com nossos ancestrais. Outras vezes, dançamos. A chuva é uma bênção, e celebrar sua chegada é fundamental para nós.

Essa ideia ressoa profundamente em mim. Imaginar um grupo de pessoas reunidas, compartilhando histórias sob o som da chuva, me faz sentir uma onda de admiração por essa cultura tão rica e cheia de vida.

— Eu adoraria ouvir algumas dessas histórias — digo, sinceramente.

Ela assente e diz:

— Claro, você irá ouvir, mas não hoje.

Percebo que, embora Jacira queira compartilhar sua cultura e seus costumes, ela ainda se mostra cautelosa, como se ponderasse se deve ou não confiar plenamente em mim.

Movido pelo desejo de dissipar suas dúvidas, digo:

— Jacira, eu realmente estou interessado em ouvir sobre a história de vocês. Não é só pelo documentário; eu realmente gostei daqui, especialmente de...

E então me detenho, percebendo que estava prestes a compartilhar, quase automaticamente, que principalmente gostei dela. Meu coração acelera, e tento disfarçar a revelação.

Ela me olha profundamente, como se buscasse respostas em meus olhos, e diz:

— Mas aquela minha promessa ainda está de pé. Se eu suspeitar de algo sobre você, eu uso minha flecha e arranco seu coração.

Pisco rapidamente, olhando para ela com incredulidade diante de suas palavras. A forma como ela se porta e diz as coisas é tão crua, com um toque de ousadia. Essa ferocidade me encanta, provoca em mim sentimentos que eu não esperava.

— Você fala sério? — pergunto, um sorriso involuntário surgindo no meu rosto.

— Absolutamente — ela responde, sem deixar de manter seu olhar firme.

Nesse instante, sinto uma mistura de medo e fascínio. Ela é forte, decidida, e há algo de intrigante na sua sinceridade. Essa intensidade só aumenta meu desejo de conhecê-la, de entender não apenas a cultura, mas quem ela realmente é.

— Não tenho intenção de te decepcionar, Jacira — digo, tentando transmitir minha sinceridade. — Estou aqui para aprender e respeitar.

Ela relaxa um pouco, embora ainda mantenha uma expressão de avaliação.

— Aprender requer mais do que curiosidade. É preciso ter coragem para enfrentar verdades que podem ser desconfortáveis — diz ela, com um olhar profundo que parece penetrar em mim.

Concordo, percebendo que essa jornada não será apenas sobre entender suas tradições, mas também sobre olhar para mim mesmo e confrontar o que posso descobrir. O pensamento me provoca um frio na barriga, mas também uma excitação.

A chuva continua a criar um ritmo constante ao nosso redor, e eu me deixo levar pela atmosfera. O cheiro da terra molhada se mistura com o das ervas que ainda estão secando na tenda, criando uma aura quase mágica.

— O que você quer dizer com verdades desconfortáveis? — pergunto, querendo explorar mais esse lado dela.

Ela hesita, como se ponderasse suas palavras, ao dizer:

— Às vezes, as histórias que contamos sobre nós mesmos são moldadas por nossas experiências, mas também por nossos medos. Enfrentá-los é um passo crucial para se conectar com o que realmente somos.

Fico em silêncio, absorvendo suas palavras. Ela fala com uma profundidade que me faz questionar minhas próprias intenções e o que busco nessa jornada. Sinto que estou apenas começando a arranhar a superfície do que Jacira representa, e isso me intriga ainda mais.

— Você parece saber muito sobre o que é ser forte — digo, tentando entender como ela chegou a essas conclusões.

Ela sorri, mas é um sorriso que carrega um toque de tristeza, ao responder:

— A força vem da necessidade de sobreviver. Mas também vem do desejo de se conectar. Muitas vezes, nos protegemos tanto que esquecemos como é vulnerável ser humano.

O que ela diz ressoa profundamente em mim, e percebo que essa troca de experiências e sentimentos é um aprendizado mútuo. A chuva lá fora continua a cair, criando um espaço seguro para que nossos corações e mentes se abram.

— Vamos dançar na próxima chuva, então — sugiro, querendo trazer um pouco de leveza à conversa.

Ela ri, e a sonoridade de sua risada é como música. E, diz:

— Se você se atrever a dançar com a chuva, quem sou eu para recusar?

Sinto uma alegria crescente. Apesar da seriedade que permeia nossa interação, há um fio de esperança e conexão que nos une. O mundo ao nosso redor pode ser selvagem e imprevisível, mas aqui, nesta tenda, sob o som da chuva, sinto que estamos apenas começando a descobrir um ao outro.

— Então, que venha a próxima tempestade — digo, agora mais confiante.

— E que possamos enfrentar — ela completa, e nesse momento, sei que estamos no início de algo transformador, tanto para mim quanto para ela.

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Comments

Nubhya Caroline

Nubhya Caroline

🤩🤩🤩🤩🤩

2024-11-09

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