Capítulo 1

Lúcio Ciferos, 500 anos, mas com aparência de 27 anos.

Amanda, 24 anos.

Ela entra na livraria pela primeira vez como se tivesse descoberto um santuário secreto, e imediatamente o ar muda. A porta se fecha atrás dela com um suave rangido, abafando o som da cidade lá fora, e é nesse instante que o mundo de fora deixa de importar. Não é o primeiro cliente do dia, mas de algum modo, é como se fosse. Não existe mais nada, nem ninguém além de você. Seu movimento é fluido, leve, e eu fico parado atrás do balcão, observando de longe enquanto ela faz seu caminho pelas prateleiras como se estivesse dançando com o tempo.

Ela anda devagar, quase como se o próprio espaço ao seu redor estivesse acomodando-se à sua presença. Como ela faz isso? Como consegue transformar uma simples entrada numa sala de livros em algo tão hipnótico? Seus cabelos balançam sutilmente, acompanhando os passos calculados, e seus olhos — ah, seus olhos — escaneiam as estantes como se procurassem algo, algo específico, algo que só ela sabe o que é.

Ela não percebe que já me tem preso em sua órbita. Seu casaco leve balança, revelando o suéter por baixo, e sua calça jeans é desbotada no ponto certo, sem exageros. Nada em nela parece exagerado, e é justamente isso que me intriga. A perfeição disfarçada na simplicidade. A maneira como ela finge ser comum, mas não é. Nenhuma parte dela é.

Ela olha para mim pela primeira vez. Não diretamente, apenas uma rápida olhada ao redor para ver quem está na loja. Seu olhar se cruza com o meu, mas ela não registra minha presença por completo.

Passo as mãos pela borda da mesa à minha frente, esperando que ela faça o próximo movimento. Parte de mim quer que ela caminhe até o balcão, faça perguntas, me dê uma chance de ouvir sua voz novamente. Mas sei que isso vai acontecer eventualmente.

Ela escolhe uma seção, a de livros raros, aqueles com as capas desgastadas, as edições que já não se veem mais em qualquer lugar. Não é algo que a maioria das pessoas faria. Claro, um turista talvez se interessasse por algo vintage, uma peça de decoração, mas não ela. Há uma intenção clara em seus movimentos. Ela busca algo além do valor material. Uma história dentro de uma história.

Ela passa os dedos pelas capas, tocando cada livro com uma delicadeza que me faz pensar em como seria sentir o toque de suas mãos em mim. Sua pele contra a minha. O calor. Há tanto tempo não sinto algo assim, tão vivo, tão próximo da carne humana. O pensamento é quase incontrolável.

Ela pega um livro, e eu noto a forma como ela o segura, como se pesasse mais do que realmente pesa. O livro é A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath. Claro, uma escolha clássica. O tipo de livro que uma mente sensível e introspectiva escolheria. É uma primeira edição, não uma cópia qualquer. A história de uma mulher à beira de um colapso psicológico, sufocada pela pressão da sociedade e pelas suas próprias expectativas não cumpridas. Você se vê nesse livro, não vê? De algum modo, ele reflete algo dentro de você, algo que você tenta esconder, mas que, na verdade, define quem você é.

Ela leva o livro até o peito, como se o estivesse abraçando, absorvendo algo dele. Isso me fascina. Ela mal abriu as páginas, mas já está envolvida. Como eu estou envolvido com ela.

Sua respiração é calma, mas posso ouvir. Seu coração bate num ritmo que, aos poucos, vai se tornando mais claro para mim. Ela fica ali por alguns minutos, apenas segurando o livro, e eu me pergunto o que se passa em sua mente.

E então, sem aviso, ela finalmente se move na minha direção. O livro ainda em suas mãos, seus passos suaves, mas decididos. Cada batida de seu sapato no chão de madeira é como uma batida de tambor anunciando algo inevitável. E então aqui está ela, diante de mim, com um sorriso tímido nos lábios.

— Olá, — ela diz, sua voz como um som de música. Quase consigo sentir o peso daquela única palavra me envolvendo. Há algo em sua voz que a distingue. Não sei dizer exatamente o que é, mas é única.

Eu sorrio de volta, mas não deixo o sorriso ser muito amplo. O suficiente para parecer simpático, amigável, mas nada exagerado.

— Posso ajudar? — pergunto, mantendo o tom baixo, mas claro.

— Eu estava olhando para este livro... — ela levanta o volume para que eu veja, e eu já sabia qual era antes mesmo dela falar. Claro que sabia. Estive assistindo o tempo todo.

— Mas não tenho certeza se é o que estou procurando.

— É uma excelente escolha, — digo, e minhas palavras são genuínas. Não estou apenas vendendo um livro. Não para ela. — Uma primeira edição rara. A Redoma de Vidro é difícil de encontrar, especialmente nessa condição.

Ela dá um leve aceno, mas seu olhar revela que ainda está hesitante. Há algo mais em jogo aqui. O livro é apenas um pretexto. E é nesse momento que percebo: ela está buscando algo. Não um objeto, não uma história impressa. Ela está aqui porque algo dentro dela está vazio, e esse vazio clama por ser preenchido. Eu vejo isso nos olhos dela. A solidão disfarçada por sorrisos e pequenas interações educadas. Ela carrega uma tristeza que a maioria das pessoas não notaria, mas eu... eu noto. É o tipo de dor que só alguém como eu pode realmente entender.

— Posso sugerir outra coisa? — pergunto. — Algo que talvez esteja mais em sintonia com o que você procura.

Ela parece surpresa por um momento, como se estivesse questionando como eu poderia saber o que ela procura. Mas ela não diz nada. Apenas sorri, intrigada, e eu sei que ganhei sua confiança, pelo menos o suficiente para continuar.

Saio de trás do balcão e caminho em sua direção. O som dos meus passos é suave, calculado. Não quero assustá-la, quero que se sinta à vontade. Caminho até uma estante do lado oposto, onde sei exatamente o que procurar. Não é um livro qualquer. É A Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera. Uma história de destinos entrelaçados, de vidas conectadas por algo maior do que seus personagens jamais poderiam imaginar. A metáfora é perfeita. Filosofia, amor, e a tensão entre o peso e a leveza da existência. Um livro sobre escolhas e como elas definem o que somos.

Eu o entrego a ela. Suas mãos tocam o livro com a mesma reverência de antes, mas agora há algo mais em seus olhos. Curiosidade. Fascinação. A primeira faísca.

— Eu acho que esse vai ressoar com você.

Ela olha para o livro, depois para mim, e naquele momento, sinto a conexão se formar. Algo invisível, mas palpável.

Ela sorri, mais calorosamente desta vez.

— Acho que vou levar, a propósito, prazer me chamo Amanda.

— O prazer é meu, Lúcio Ciferos a seu dispor.

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Comments

Joana Sena

Joana Sena

hum interessante 😊

2024-11-08

1

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