Terra, Sangue e Segredos

O vento soprava forte naquela manhã, agitando os ramos das árvores e trazendo consigo o cheiro fresco da terra. Miguel estava no campo, trabalhando com a enxada e se perdendo no ritmo dos movimentos repetitivos. Era sua forma de acalmar a mente, de tentar afundar os pensamentos nos gestos mecânicos do trabalho. Mas, mesmo assim, ele não conseguia ignorar a sensação de que algo novo havia despertado em sua vida. Laura tinha entrado em sua rotina como uma ventania, mudando pequenas coisas sem que ele soubesse como ou por que. E agora, todos os seus dias pareciam carregar uma espécie de expectativa.

Foi então que ele ouviu a voz dela ao longe, chamando seu nome. Ele levantou a cabeça e lá estava Laura, parada na cerca de madeira, com um sorriso hesitante no rosto. Ela estava vestindo roupas simples, mas confortáveis, as botas sujas de lama e o cabelo preso em um rabo de cavalo que balançava suavemente ao vento. Parecia, de certa forma, mais à vontade naquele ambiente do que antes.

— Bom dia, Miguel! — ela disse, enquanto pulava a cerca com uma facilidade que surpreendeu a ele.

— Bom dia, Laura — respondeu Miguel, largando a enxada e se aproximando dela. — O que te traz por aqui tão cedo?

Ela deu de ombros, com aquele sorriso descontraído que ele começava a reconhecer como típico dela.

— Pensei que talvez você pudesse me ensinar mais algumas coisas sobre o campo... E eu trouxe café! — Ela levantou uma garrafa térmica e duas canecas que carregava em uma sacola. — Achei que seria uma boa desculpa para passar um tempo aqui.

Miguel não conseguiu evitar sorrir. A espontaneidade de Laura era algo novo para ele, algo que o tirava da sua zona de conforto, mas que trazia uma leveza que ele há muito não sentia.

Eles se sentaram ali, no chão de terra batida, apoiados na cerca de madeira enquanto o sol lentamente subia pelo céu, aquecendo a manhã fria. O café quente e forte trouxe um conforto imediato, e eles conversaram sobre coisas simples, sobre a rotina no campo e as pequenas descobertas de Laura sobre a cidade.

— Você sabe... — começou ela, depois de um longo gole de café, seus olhos perdidos no horizonte. — Quando minha mãe falava sobre São Valentim, eu nunca imaginava que seria tão... tranquilo. É como se o tempo aqui corresse de uma forma diferente, sabe?

Miguel assentiu, mas não tinha certeza se concordava com a ideia de tranquilidade. Para ele, a cidade sempre fora sinônimo de dor e julgamento. Ele nunca conseguiu encontrar paz ali, apenas um tipo estranho de aceitação, uma resignação de que a vida sempre seria aquela luta contra a lama — tanto a lama da terra quanto a do seu passado.

— Por que você veio mesmo pra cá, Laura? — perguntou Miguel, tentando esconder a ansiedade na voz. Era uma pergunta que ele queria fazer desde que ela havia chegado. — Digo... não parece o tipo de lugar para alguém como você.

Ela ficou em silêncio por um instante, mexendo distraidamente na terra com os dedos. A pergunta parecia tê-la atingido de forma diferente do que ele esperava, como se despertasse algo que ela estava tentando manter escondido.

— Acho que... eu queria me afastar de tudo — respondeu ela, finalmente. — Minha vida na cidade estava... complicada. E depois que minha mãe morreu... eu só... precisava de um tempo longe, sabe?

A confissão pegou Miguel desprevenido. Ele não imaginava que ela carregasse um peso tão grande consigo. Havia algo nos olhos de Laura, uma tristeza sutil, mas profunda, que falava de lutas que ela ainda não estava pronta para compartilhar.

— Eu sinto muito pela sua mãe — disse ele, com uma sinceridade que surpreendeu até a si mesmo. — Perder alguém... é difícil.

Ela assentiu, e por um momento eles ficaram em silêncio, ambos contemplando a vastidão dos campos à frente. Era como se aquele espaço aberto representasse tudo o que eles queriam dizer, mas não sabiam como.

— E você, Miguel? — perguntou Laura, mudando de assunto, mas ainda com uma suavidade na voz. — Eu sinto que você tem muitas histórias para contar. O que aconteceu no seu passado?

A pergunta o atingiu como um soco. Miguel baixou os olhos, sentindo o peso de suas próprias memórias voltando à superfície. Havia tanto que ele não queria contar, tanto que ele preferia esquecer. E a ideia de abrir esses segredos para alguém que ele mal conhecia o deixava assustado. Mas ao mesmo tempo, havia algo na forma como Laura o olhava, uma compreensão silenciosa, como se ela já soubesse o que ele carregava.

— Não tem muito o que dizer — começou ele, tentando manter o tom leve, mas sentindo o peso das palavras em sua boca. — Eu... fiz muita coisa errada quando era mais jovem. Brigas, confusões... Coisas que eu não gosto de lembrar. Minha família sofreu muito por minha causa. E... acho que é por isso que eu fico aqui, cuidando da terra, tentando... compensar pelo que fiz.

Laura o ouviu em silêncio, seus olhos fixos nos dele. E, para a surpresa de Miguel, ela não parecia julgá-lo. Em vez disso, seu olhar era compreensivo, como se ela também conhecesse bem o sentimento de carregar uma culpa que parecia impossível de deixar para trás.

— Todos temos nossos demônios, Miguel — disse ela, depois de um longo suspiro. — Eu também fiz coisas que me arrependo. E, de certa forma, acho que vim para cá para tentar lidar com isso. Talvez... a gente possa ajudar um ao outro, não é?

Miguel não sabia o que responder. A ideia de compartilhar seu fardo com alguém, de ter alguém que entendesse, era nova e estranhamente reconfortante. Ele nunca havia pensado que poderia encontrar alguém que o visse como mais do que seus erros, alguém que o aceitasse por quem ele era agora.

Eles ficaram ali por mais um tempo, apenas observando o campo ao redor, deixando o silêncio falar por eles. Havia algo poderoso naquele momento compartilhado, uma compreensão mútua que não precisava de palavras para ser sentida.

Mas a magia foi quebrada quando eles ouviram o barulho de passos pesados se aproximando. Miguel levantou o olhar e viu Gabriel, o empresário local e seu rival declarado, vindo em direção a eles. Seu rosto carregava uma expressão de desprezo, e Miguel soube imediatamente que nada de bom sairia daquela interação.

— Ora, ora, mas o que temos aqui? — disse Gabriel, sua voz carregada de sarcasmo. — O ex-delinquente e a nova princesa da cidade... Que belo casal, hein?

Laura se levantou, surpresa e desconfortável com a atitude de Gabriel, mas Miguel permaneceu imóvel, tentando manter a calma. Ele sabia que Gabriel estava ali para provocá-lo, para fazer com que ele perdesse a cabeça. E a última coisa que ele queria era dar a Gabriel essa satisfação.

— O que você quer, Gabriel? — perguntou Miguel, tentando manter a voz firme.

— Só passando para dizer olá — respondeu Gabriel, com um sorriso falso. — E para lembrar a senhorita Laura que nem todos aqui são o que parecem. Alguns carregam segredos que seria melhor não conhecer.

Laura olhou para Miguel, confusa e preocupada. Mas antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, Miguel deu um passo à frente, encarando Gabriel de perto, como se estivesse pronto para desafiar qualquer coisa que ele dissesse.

— Vá embora, Gabriel — disse ele, sua voz baixa, mas carregada de determinação. — E deixe ela em paz.

Gabriel soltou uma risada irônica, mas deu de ombros e começou a se afastar, sem deixar de lançar um último olhar de desprezo para Miguel e Laura.

— Vocês dois são um par perfeito — ele murmurou, antes de se virar e desaparecer pela estrada.

O silêncio voltou a reinar, mas dessa vez era um silêncio tenso, carregado de palavras não ditas e emoções mal resolvidas. Laura estava visivelmente desconfortável, e Miguel não sabia o que fazer para aliviar o clima.

— Desculpa por isso — disse ele, finalmente. — Gabriel... ele é só um idiota. Não liga para o que ele diz.

Laura assentiu, mas seu olhar estava perdido, como se ela tentasse entender o que havia acabado de acontecer. Miguel queria confortá-la, dizer que tudo ficaria bem, mas sabia que não era tão simples. O passado tinha uma forma estranha de sempre voltar para assombrá-los, e ele só podia esperar que, dessa vez, eles fossem fortes o suficiente para enfrentá-lo juntos.

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