Isabela desceu lentamente as escadas de madeira, sentindo o ranger de cada degrau sob seus pés descalços. O cheiro forte de café recém-passado preenchia o ar, misturado com o leve aroma de pão tostado, criando uma sensação momentânea de conforto que logo seria quebrada pela presença de Regina. A casa, com suas paredes desgastadas e móveis antigos, sempre parecia acolhedora à primeira vista, mas Isabela sabia que a tensão ali dentro estava sempre à espreita, pronta para surgir.
Assim que entrou na cozinha, o ar pareceu mudar. Regina estava à mesa, folheando uma revista com desinteresse, e Camila, sua meia-irmã, mexia no celular com um sorriso presunçoso estampado no rosto. A presença delas sempre deixava Isabela tensa. Era como se cada palavra, cada gesto, fosse uma provocação velada, esperando para explodir em mais um confronto.
— **Finalmente decidiu descer?** — A voz de Regina era afiada, cortando o ar com frieza. Ela nem sequer levantou o olhar da revista enquanto falava.
Isabela suspirou, tentando controlar a raiva que borbulhava dentro dela. Caminhou até a pia, pegando uma xícara de café, mas sentiu o olhar de Camila sobre si, o desprezo nos olhos da meia-irmã quase palpável.
— **Eu tinha algumas coisas para resolver...** — respondeu Isabela, mantendo o tom neutro. Já estava cansada de se justificar, mas sabia que qualquer resposta que desse seria interpretada como uma afronta.
Regina largou a revista e, com um suspiro exagerado, finalmente olhou para Isabela. Seus olhos, frios como gelo, varreram a filha da sua falecida esposa com uma mistura de desdém e irritação.
— **Resolver o quê? Você mal sai de casa. Mal trabalha. Deveria ser grata por ainda ter um teto sobre a cabeça, Isabela.** — Regina inclinou-se para a frente, sua voz carregada de veneno. — **Seu pai tem sido muito paciente, mas você já deveria estar fora daqui há muito tempo.**
As palavras de Regina perfuraram Isabela como facas. O café quente em suas mãos parecia perder o sabor, deixando apenas um gosto amargo na boca. Ela apertou a xícara com mais força, sentindo o calor queimando sua palma, mas se recusava a mostrar qualquer fraqueza diante delas.
— **Grata?** — Isabela se virou devagar, o olhar fixo em Regina, que agora estava com um sorriso irônico nos lábios. — **Grata por viver em um lar que não me aceita? Onde sou tratada como uma estranha, como alguém que nunca deveria estar aqui?** — Sua voz tremeu, cheia de emoção. — **Eu sou a única a fazer tudo nesta casa, e ainda assim nunca é suficiente.**
O sorriso de Regina desapareceu, substituído por uma expressão de desprezo absoluto.
— **Você é ingrata, Isabela. Sempre foi. Desde que sua mãe morreu, você só causa problemas. Seu pai fez o possível por você, mas veja só no que se tornou.** — Regina se levantou, cruzando os braços enquanto falava com uma arrogância fria. — **Você não tem ideia de como é difícil para nós ter que lidar com alguém como você.**
Isabela sentiu a raiva fervendo dentro dela, misturada com uma profunda dor. Não era só o que Regina dizia, mas a maneira como ela falava, como se Isabela fosse menos que humana, uma obrigação que ninguém queria carregar.
Camila, que até então estava em silêncio, finalmente decidiu se juntar à conversa. Seu olhar de superioridade era ainda mais irritante do que o de Regina.
— **Sabe o que eu acho, Isa?** — começou Camila, levantando-se da cadeira com uma atitude despreocupada. — **Acho que você está aqui porque sabe que não consegue se virar sozinha. Talvez seja por isso que seu pai sente tanta vergonha de você.**
Essas palavras foram o suficiente para quebrar o controle de Isabela. Ela colocou a xícara sobre a mesa com mais força do que pretendia, fazendo um pequeno som metálico ecoar pela cozinha. Sua respiração estava pesada, seus olhos ardendo de frustração e tristeza.
— **Vocês duas não têm ideia do que eu passei, do que eu ainda passo!** — Sua voz agora estava alta, mas não importava. Precisava ser ouvida, mesmo que pela última vez. — **Minha mãe morreu e tudo o que vocês fizeram foi transformar minha vida em um inferno. E agora, vocês têm a audácia de me acusar de ser ingrata?** — Ela olhou para Regina e depois para Camila, sentindo o peso da verdade de suas palavras. — **Vocês nunca me aceitaram. Nem quando minha mãe estava viva. Para vocês, eu sempre fui um estorvo.**
A sala ficou em silêncio por alguns segundos. O olhar no rosto de Regina era de puro desdém, enquanto Camila revirava os olhos como se estivesse entediada. Isabela sabia que não importava o quanto tentasse, aquelas mulheres jamais entenderiam a dor que carregava.
Regina deu um passo à frente, com uma expressão que misturava exasperação e desprezo.
— **Se você não gosta daqui, a porta está aberta. Ninguém te impede de ir embora. Na verdade, seria um favor para todos nós.**
Isabela sentiu as palavras de Regina baterem com força, mas, dessa vez, não foi a dor que a atingiu. Foi a clareza. Ela não precisava mais se prender àquele lugar. Não precisava mais suportar o peso de ser indesejada. Se Regina queria que ela fosse embora, ela iria. Pela primeira vez, a ideia de partir não a assustava. Ao contrário, trazia uma sensação de alívio.
Ela olhou para as duas, sentindo uma paz inesperada tomar conta de si. Já não havia mais nada a dizer.
— **Tem razão, Regina. Talvez eu deva ir embora. E quando eu for, vocês vão perceber que a única coisa que mantinha alguma ordem nessa casa era eu.** — A voz de Isabela estava calma, quase fria, mas havia um tom de determinação que as surpreendeu.
Sem esperar resposta, ela saiu da cozinha, sentindo a adrenalina correr por suas veias. Subiu as escadas com pressa, cada passo ecoando no silêncio da casa. Entrou no quarto, onde a mala velha e desgastada já estava parcialmente pronta, como se estivesse esperando por esse momento. Ela começou a pegar suas roupas, jogando-as com rapidez dentro da mala, seus pensamentos correndo tão rápidos quanto suas mãos.
O quarto pequeno, com suas paredes desbotadas e a janela que mal deixava a luz do sol entrar, parecia cada vez mais claustrofóbico. O cheiro de mofo, o barulho distante da cidade lá fora... tudo aquilo parecia lhe sufocar. Não restava mais nada para ela ali.
Enquanto terminava de arrumar suas coisas, seu celular vibrou sobre a mesa. Ela olhou para a tela: era Clara, sua amiga de Nova York. Lembrou-se da conversa que tiveram dias atrás, quando Clara insistiu para que Isabela fosse para Nova York tentar uma vida nova. O convite parecia distante e impossível naquele momento, mas agora... agora era sua única saída.
Isabela respirou fundo antes de atender.
— **Clara?** — Sua voz saiu mais trêmula do que ela pretendia.
— **Isa! Oi! Como você está? Estava pensando em você hoje.**
— **Clara...** — Isabela hesitou, sentindo as lágrimas se acumularem nos olhos, mas logo recuperou o controle. — **Eu acho que vou aceitar sua oferta. Vou para Nova York.**
Do outro lado da linha, Clara ficou em silêncio por um momento, antes de responder com uma alegria que Isabela podia sentir mesmo a quilômetros de distância.
— **Sério? Isso é ótimo, Isa! Você não vai se arrepender. Eu vou te ajudar com tudo. Quando você quer vir?**
Isabela olhou ao redor do quarto, para a mala pronta sobre a cama e o vazio que a casa representava para ela.
— **O mais rápido possível.**
Com essa decisão tomada, algo dentro de Isabela mudou. Pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que estava no controle de seu próprio destino. O peso daquela casa, daquela vida, começava a se dissipar, dando lugar a uma nova esperança.
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Atualizado até capítulo 103
Comments
MARIA RITA ARAUJO
eu já teria saído de casa sem mesmo ir para Nova York, ser babá, doméstica, era melhor do que viver nessa humilhação com o apoio do próprio pai
2025-01-25
0
C S Rio
O suspense desse livro me deixou sem ar! 😰
2024-09-26
2