O som abafado dos pássaros cantando ao longe invadiu o quarto escuro de Isabela. O ar estava pesado, carregado com a umidade da manhã, e o cheiro familiar de madeira antiga preenchia o ambiente. Ela abriu os olhos lentamente, sentindo o peso da realidade se abater sobre seus ombros antes mesmo de levantar. O sol mal havia surgido no horizonte, mas sua mente já estava inquieta, ansiosa pelas preocupações que o dia traria.
Ela olhou para o teto, a madeira lascada e o som ocasional de goteiras eram lembretes constantes de que sua vida naquele lugar estava longe de ser fácil. A casa que outrora fora seu refúgio agora se transformara em um cárcere sufocante desde a morte de sua mãe. Tudo ali parecia sem vida, sem cor, como se o espírito da casa tivesse partido com a mulher que Isabela tanto amava.
Com um suspiro profundo, ela se forçou a sair da cama. Seus pés descalços tocaram o chão frio e úmido, arrancando-a do torpor. Caminhou até o banheiro, sentindo o cansaço nas pernas e no coração. Ao abrir a torneira enferrujada, a água morna escorreu lentamente por suas mãos, e ela lavou o rosto, tentando afastar os resquícios de uma noite mal dormida. O espelho à sua frente refletia seu semblante abatido, os olhos cansados e a pele pálida. Ela não era mais a garota alegre e esperançosa que sua mãe conhecera; a vida, com suas perdas e desilusões, havia levado isso embora.
Após sua higiene pessoal, Isabela voltou para o quarto. Abriu a mala velha, que já estava sempre pronta, como se a qualquer momento ela fosse fugir. Seus dedos deslizaram pelo tecido desgastado das roupas, e ela escolheu uma calça jeans surrada e uma blusa branca simples, símbolos de sua simplicidade e luta. Enquanto se vestia, seus pensamentos corriam soltos, buscando uma saída daquela rotina opressora.
— **Isabela, você ainda está aí?** — A voz estridente de Regina ecoou pela casa, atravessando as paredes finas.
O coração de Isabela apertou. A presença de sua madrasta sempre trazia um peso adicional ao dia, uma tensão constante que parecia estar no ar. Ela fechou os olhos por um breve momento, respirando fundo, antes de abrir a porta do quarto e se preparar para o inevitável confronto.
Regina estava parada na cozinha, mexendo em algo no fogão. O cheiro de café queimado invadia o ambiente, mas o olhar duro e desdenhoso da mulher era o que realmente preenchia a sala.
— **Você não vai fazer nada o dia inteiro?** — Regina disparou sem nem olhar para Isabela, sua voz carregada de desdém. — **Seu pai e eu trabalhamos duro para sustentar esta casa, e você só sabe ocupar espaço.**
Isabela engoliu seco. As palavras de Regina sempre doíam, mesmo que ela tentasse se acostumar. Sentia-se como uma estranha dentro de sua própria casa, uma intrusa na vida que antes lhe pertencia.
— **Eu estou procurando emprego...** — respondeu Isabela com a voz baixa, tentando conter a frustração. — **E faço o que posso aqui.**
Regina soltou uma risada seca, finalmente virando-se para encarar a enteada.
— **Emprego? Você acha que vai conseguir algo além de bicos? Uma mulher como você não vai longe, Isabela. Seu pai tinha razão. Você só traz problemas para essa casa.**
A dor cresceu em seu peito, mas ela não queria dar o gosto a Regina de ver suas lágrimas. Isabela apertou os punhos, reprimindo a vontade de gritar, e desviou o olhar. Ela sabia que qualquer resposta apenas alimentaria a hostilidade da madrasta.
Nesse momento, a porta da frente se abriu, e seu pai entrou. Rafael, um homem de semblante cansado e ombros curvados, nem ao menos a olhou. Ele caminhou até a mesa da cozinha, largando suas ferramentas de trabalho com um baque seco. O cheiro de poeira e suor impregnava suas roupas, mas havia algo mais — a indiferença. O vazio em seu olhar quando passava por Isabela era quase insuportável.
— **Bom dia, pai** — disse Isabela, esperançosa por algum tipo de resposta, por mínima que fosse.
Rafael apenas grunhiu em resposta, pegando uma xícara de café antes de se sentar, alheio à presença da filha.
Era sempre assim. A ausência de amor de seu pai a machucava mais do que as palavras de Regina. Ele não era o homem que costumava ser. Desde a morte de sua mãe, ele se tornara distante, frio. A culpa pelas falhas do passado era sempre jogada sobre Isabela, como se ela fosse a responsável por tudo o que dera errado.
Ela sabia que não podia continuar vivendo assim. A sensação de ser indesejada, de não pertencer a lugar algum, corroía sua alma. Já não restava nada naquele lugar que a mantivesse ali. Isabela sentiu o peso da decisão se formar dentro de si.
Foi até o quintal, buscando o ar fresco, tentando se afastar das paredes sufocantes daquela casa. A brisa suave balançava as folhas das árvores, e o cheiro de terra úmida após a chuva invadiu seus pulmões. Isabela olhou para o horizonte, para além das montanhas que cercavam a pequena cidade, e algo dentro dela começou a mudar. Não era mais possível ignorar o que seu coração lhe dizia: era hora de partir.
Ela pegou o celular do bolso e, sem pensar muito, discou o número de sua amiga, Clara, que morava em Nova York. O tom de chamada ecoava no silêncio ao seu redor, e logo a voz animada de Clara preencheu o outro lado da linha.
— **Isabela! Quanto tempo! Como você está?**
— **Clara... eu preciso de ajuda** — a voz de Isabela saiu trêmula, mas decidida. — **Eu não aguento mais ficar aqui. Preciso de um novo começo, longe da minha madrasta, longe do meu pai...** — As palavras saíam como um desabafo, como se tudo o que ela havia guardado finalmente estivesse sendo liberado.
Houve um breve silêncio do outro lado da linha, e então Clara respondeu com a suavidade e a compreensão de quem conhece bem os sentimentos de Isabela.
— **Você sempre terá um lugar aqui, Isa. Venha para Nova York. Eu vou te ajudar a recomeçar.**
Aquela frase ecoou na mente de Isabela. "Recomeçar". Era exatamente o que ela precisava. Seu coração, antes apertado e sufocado, começou a bater com uma nova esperança. Ela sabia que a jornada não seria fácil, mas era a única maneira de se libertar da vida que a aprisionava.
Com o pôr do sol tingindo o céu de laranja e rosa, Isabela fechou os olhos por um momento e sentiu o vento suave em seu rosto. Ela sabia que estava prestes a dar o passo mais importante de sua vida. E, pela primeira vez em muito tempo, sentiu uma fagulha de esperança.
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Atualizado até capítulo 103
Comments
MARIA RITA ARAUJO
como que uma pessoa vive na miséria, não tem nem roupa para vestir e vai assim do nada para outro país!?🤔ainda bem que é uma estória onde tudo é possível 🙆🏻♀️
2025-01-25
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Cirleia Santana
difícil 😕😔
2025-04-20
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Aparecida de Oliveira
começando ler hoje
2024-11-30
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