Há histórias que se espalham como fumaça, histórias de promessas grandiosas que, quando vistas de perto, revelam-se aterrorizantes. Entre os muitos ecos que já coletei em minhas viagens, poucos são tão perturbadores quanto o da Seita da Felicidade. Um culto que acreditava poder salvar a humanidade do sofrimento. Mas como todas as boas intenções que descem aos extremos, o que começou como um ideal acabou se transformando em algo sinistro.
Tudo começou com um homem chamado Aureliano, um líder carismático que, por onde passava, atraía seguidores com um discurso sedutor. Ele dizia que a humanidade estava condenada pela própria tristeza, pela angústia, e que a única salvação verdadeira era a felicidade absoluta. Aureliano acreditava que todo sofrimento poderia ser erradicado, e com ele, todos os males do mundo: guerra, fome, desespero. E ele não estava sozinho nessa crença. Rapidamente, ele reuniu ao seu redor pessoas que estavam cansadas do mundo cruel, buscando refúgio em suas palavras.
A Seita da Felicidade cresceu rápido. Seus seguidores acreditavam que, sob a liderança de Aureliano, eles poderiam criar uma sociedade perfeita, um lugar onde todos seriam eternamente felizes. Eles construíram um refúgio isolado, uma espécie de comunidade utópica, onde se dedicavam a viver segundo os ensinamentos de seu líder. Ali, o sofrimento era visto como uma doença que precisava ser curada, e o remédio era simples: a felicidade forçada.
A princípio, a vida na comunidade parecia perfeita. As pessoas riam, dançavam, e viviam em uma harmonia artificial. Aureliano instituiu rituais diários para reforçar a felicidade. Havia sessões de meditação, cânticos, celebrações intermináveis onde todos sorriam, mesmo que seus corações dissessem o contrário. A tristeza era vista como uma fraqueza, uma aberração que não deveria ser permitida.
Porém, o que Aureliano e seus seguidores não previam era o preço da felicidade imposta. No fundo, as pessoas são feitas de emoções complexas. Nem sempre podem ser felizes, e muitas vezes é a tristeza que dá sentido à alegria. Mas, para a Seita, isso era inaceitável. A menor mostra de tristeza era vista como uma falha a ser corrigida, uma doença a ser extirpada.
E foi assim que a utopia começou a se deformar.
Aureliano começou a implementar métodos mais rigorosos para garantir que todos permanecessem felizes. Aqueles que demonstravam qualquer sinal de melancolia eram levados a "sessões de purificação", onde ficavam isolados até que voltassem a sorrir. Inicialmente, as sessões eram apenas momentos de reflexão, mas com o tempo, tornaram-se práticas de recondicionamento, onde os seguidores eram forçados a repetir mantras de felicidade, enquanto imagens alegres eram projetadas sem parar.
Logo, os primeiros desertores apareceram. Pessoas que não conseguiam mais suportar a pressão de serem felizes o tempo todo, que sentiam uma angústia insuportável por estarem sendo privadas de sua própria tristeza. Mas, na Seita da Felicidade, não havia espaço para o livre-arbítrio. Aqueles que tentavam fugir eram capturados e trazidos de volta. Para Aureliano, a fuga era uma negação da salvação, e ele não podia permitir que ninguém se afastasse do paraíso que ele acreditava estar criando.
Conforme o tempo passava, o controle da Seita sobre seus membros ficou mais severo. Quem não fosse capaz de "ser feliz" o tempo inteiro era considerado um traidor. Aureliano começou a introduzir métodos mais radicais para "curar" a tristeza. Eram drogas que entorpeciam os sentidos, implantando um estado constante de euforia artificial. Os seguidores, em vez de rirem de coração, agora sorriam com olhos vazios, com mentes apagadas. As sessões de purificação evoluíram para verdadeiros procedimentos de controle mental, onde os "pacientes" saíam como sombras do que um dia foram, incapazes de sentir qualquer emoção que não fosse a felicidade forçada.
Um dos episódios mais sombrios aconteceu com uma jovem chamada Amélia. Ela havia sido uma das primeiras a seguir Aureliano, acreditando na promessa de um mundo sem dor. Mas com o tempo, a pressão para estar sempre sorrindo começou a desgastá-la. Ela era uma artista, uma mulher que costumava expressar suas emoções mais profundas através da pintura, mas, na Seita, qualquer expressão que não fosse de felicidade era reprimida. Certo dia, Amélia foi pega chorando sozinha. As lágrimas escorriam enquanto ela encarava uma pintura inacabada de um pôr do sol. Ela foi levada imediatamente para as sessões de purificação, onde ficou dias, talvez semanas, até sair de lá com um sorriso fixo no rosto. Mas aquele sorriso não era real. Ela estava quebrada por dentro, uma alma aprisionada atrás de uma máscara de felicidade.
Amélia foi a primeira a perceber a verdadeira face da Seita, mas, quando tentou avisar os outros, já era tarde demais. Aureliano, obcecado com seu ideal de um mundo perfeitamente feliz, não podia mais ouvir a razão. Ele via qualquer forma de questionamento como um ataque à sua utopia, e quem se opunha era simplesmente "corrigido".
Quando finalmente escapei de lá, como Caçador de Ecos, ouvi os murmúrios das almas aprisionadas naquelas paredes. Elas não gritam de dor, não choram por liberdade. Elas apenas sussurram, com vozes calmas e tranquilas, sobre como é bom ser feliz. E, ainda assim, cada sussurro carrega o peso de uma tristeza sufocada, de uma humanidade perdida.
A Seita da Felicidade continua lá, escondida no mundo, esperando por novos seguidores, novas almas dispostas a sacrificar tudo por uma promessa de felicidade eterna. Mas, em algum lugar profundo de seus corações, até mesmo aqueles que seguem cegamente sabem: a felicidade não pode ser forçada. Porque, no final, o que resta quando você perde a capacidade de sentir qualquer outra coisa?
Aureliano acreditava que estava salvando o mundo. Mas, como tantos antes dele, ele apenas criou uma prisão dourada, onde sorrisos eram máscaras e o verdadeiro custo da felicidade era a alma de cada pessoa que ousou acreditar.
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Atualizado até capítulo 23
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