O som do silêncio

Conheci Big Joy em um bar sujo, numa esquina esquecida de uma cidade barulhenta. Seu nome, tão cheio de promessa, não combinava com a tristeza que ele carregava nos olhos. Ele estava ali, com a cabeça baixa, as mãos calejadas segurando um copo de uísque barato. Todos o conheciam como o homem de voz poderosa, o cantor cuja música tocava os corações de qualquer um que o ouvisse. Mas poucos sabiam do seu segredo, um segredo que o perseguia como uma sombra: Big Joy podia ler mentes.

A primeira vez que ele percebeu seu dom foi ainda na infância, em uma tarde quente de verão. Ele tinha apenas doze anos, sentado no colo da mãe enquanto ela penteava seus cabelos crespos. Foi num desses momentos de silêncio, em que as palavras não são necessárias, que ele ouviu. Não a voz dela, mas o pensamento. Um sussurro, algo profundo e íntimo. Ela pensava em como seria a vida sem ele. Não era falta de amor, mas cansaço. A exaustão de ser mãe solo, de lutar contra o mundo e tentar dar a ele uma vida melhor. O pensamento dela não chegou como uma frase articulada, mas como um turbilhão de emoções que invadiu sua mente. Ele afastou-se dela bruscamente, confuso e assustado, mas não contou nada.

Conforme crescia, Big Joy percebeu que não era apenas a mãe cujos pensamentos ele conseguia ouvir. Era todo mundo. Nos corredores da escola, nas ruas, nas multidões. Cada pessoa que cruzava seu caminho trazia consigo uma cacofonia de pensamentos, desejos, medos e segredos. Eles ecoavam em sua cabeça, como uma música que ele não podia desligar. E quanto mais ele ouvia, mais ele se afastava do mundo.

Big Joy começou a cantar cedo, talvez porque a música fosse o único lugar onde ele conseguia alguma paz. Quando cantava, as vozes diminuíam, e por um breve momento, o mundo parecia mais silencioso. Ele se tornou famoso, não apenas pela sua voz, mas porque conseguia, de alguma forma, tocar as pessoas de uma maneira que ninguém mais conseguia. Ele sabia exatamente o que elas queriam ouvir, porque ouvia seus pensamentos antes de elas sequer formularem as palavras. Era como se ele cantasse diretamente para a alma de cada pessoa, e seu sucesso cresceu rapidamente.

Mas o dom que lhe deu fama era também sua maldição.

Big Joy se sentia preso, sufocado. A cada show, a cada multidão, ele ouvia mais e mais vozes. Elas não cessavam nem quando ele estava sozinho. As pessoas pensavam coisas horríveis, coisas que não ousavam dizer em voz alta. Comentários sobre sua aparência, suas falhas, suas inseguranças. Ele sabia o que os fãs queriam dele, e isso o consumia. Ele tentava agradar a todos, moldando suas canções para satisfazer desejos que ele nem sempre compreendia. Cada aplauso que ele recebia era como um lembrete de que ele não era livre. Ele não cantava porque queria; cantava porque sentia que precisava calar as vozes.

Um dia, num ato de desespero, ele tomou uma decisão drástica. Se o problema estava em ouvir, ele cortaria essa capacidade. Big Joy foi até um médico e pediu o impensável: ele queria ficar surdo. O médico relutou, mas ele insistiu. Para ele, era a única maneira de encontrar paz. E assim, após o procedimento, Big Joy perdeu sua audição.

Mas o silêncio que ele tanto ansiava não veio.

Mesmo sem ouvir os sons ao redor, Big Joy continuava escutando os pensamentos das pessoas. As vozes em sua mente permaneceram, tão altas quanto antes. O que ele havia sacrificado em troca do silêncio não lhe trouxe a paz que esperava. Pelo contrário, agora ele estava isolado no silêncio do mundo exterior, mas ainda atormentado pelos ruídos invisíveis da mente alheia.

Big Joy, o cantor que podia ler mentes, descobriu que não havia fuga. Ele tentou se esconder no álcool, na solidão, mas os pensamentos o acompanhavam aonde quer que fosse. Ele me contou, naquela noite no bar, que cada vez que subia ao palco, era como se ele cantasse para fantasmas. Ele sabia o que cada pessoa queria ouvir, mas nunca soube o que ele próprio desejava.

"Eu sou uma marionete, Caçador," ele disse, com a voz rouca de tantas canções e de tantas noites sem dormir. "Eu canto o que eles querem, vivo o que eles pensam. Mas quem sou eu? Eu nem sei mais."

Eu, o Caçador de Ecos, escutei suas palavras, mas também os ecos profundos de sua alma. Big Joy não queria mais ouvir. Não queria mais agradar. Ele desejava, acima de tudo, o silêncio. Mas o que ele não compreendia é que o silêncio não vem do mundo externo, nem da ausência de som. O silêncio que ele procurava estava dentro de si, mas ele ainda não sabia como encontrá-lo.

E assim, Big Joy continuou sua vida, um cantor surdo, mas ainda capaz de ouvir cada pensamento. Uma alma perdida em um mar de vozes, buscando um sossego que talvez nunca encontrasse.

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